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A ferro ou fogo?

Parece loucura, mas ambientalistas dos EUA estão processando o governo para que ele bote fogo em uma floresta de sequóias protegidas. E parecem ter razão.

17 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

Em uma reviravolta curiosa, ambientalistas dos Estados Unidos estão processando o U.S. Forest Service por apagar incêndios nas matas de sequóias do Giant Sequoia National Monument, um parque destinado à preservação de algumas das maiores e mais antigas árvores do mundo e que abriga 2/3 das reservas mundiais desta espécie.

Os ambientalistas afirmam que o órgão está prejudicando as árvores por não permitir que o fogo elimine a vegetação rasteira que cresce dentro do bosque, roubando espaço e luz dos vegetais mais importantes, e por promover o desmatamento predatório com interesses comerciais.

Explica-se: as sequóias gigantes precisam do fogo para se reproduzir, porque o calor intenso provoca a abertura dos cones que contêm as sementes, liberando-as, literalmente, aos milhões. O fogo também ajuda a enriquecer o solo com minerais importantes para o crescimento das mudas. Por outro lado, as árvores já crescidas não sofrem com os incêndios, já que sua casca grossa as protege do fogo. Por isso até hoje são encontradas nos troncos das sequóias marcas de incêndios que datam do século XIX. Os bosques de sequóias e o fogo, por incrível que pareça, são, por assim dizer, melhores amigos.

Mas isso não é nenhuma novidade. Os Estados Unidos promovem incêndios controlados em suas matas há décadas, o que não apenas estimula a renovação dos bosques como diminui consideravelmente as chances de um incêndio “descontrolado” acontecer. No Sequoia National Park, na Califórnia, por exemplo, essas queimadas envolvem um complexo sistema de monitoramento, em que são observados a direção do vento, a umidade da vegetação e do solo, o relevo local e a existência de rios, áreas povoadas e estradas. Tudo isso para que se possa antever a direção e a velocidade de propagação do fogo.

Visto por esse ângulo, o Serviço Florestal realmente está prestando um desfavor às sequóias ao apagar os incêndios naturais, ao invés de simplesmente monitorá-los, certo? Talvez. O órgão se defende afirmando que antes de pôr fogo nos bosques do Giant Sequoia National Monument é preciso que se “limpe” a vegetação rasteira mecanicamente, já que árvores e plantas de médio porte – pequenas, se comparadas às sequóias – podem servir de “trampolim” para que o fogo atinja a copa das árvores maiores, aí sim prejudicando-as.

Tentativas de desmatar

“Limpeza mecânica do bosque”, para bom entendedor, é desmatamento — nesse caso, inclusive com a utilização de tratores e escavadeiras — e é exatamente esse ponto que os ambientalistas têm atacado no plano de manejo que o U.S. Forest Service criou para o Giant Sequoia National Monument, onde, por lei, a extração de madeira só pode ser feita se “evidentemente necessária para a restauração ecológica e manutenção da segurança pública”. Apesar disso, o órgão do governo tem permitido a retirada de qualquer árvore cujo tronco tenha um diâmetro de até 80 centímetros, inclusive sequóias centenárias, o que pode estar ameaçando, inclusive, a sobrevivência de algumas espécies de mamíferos já à beira da extinção.

Com base nisso, diversas organizações ambientalistas — inclusive o Earthjustice, ONG de advogados ambientais dos EUA já mencionada em algumas colunas aqui em O Eco — vêm propondo ações judiciais contra o U.S. Forest Service. Em setembro elas conseguiram uma liminar com o juiz Charles Breyer, de São Francisco, para impedir um projeto de retirada de madeira de uma área de 8 km2, sob o argumento de que o governo estaria se baseando em dados científicos ultrapassados para justificar a extração, dizendo que seria necessária para a prevenção de incêndios. A verdade, no entanto, parecia ser outra. Como o próprio juiz apontou, contrariando os argumentos do U.S.F.S. e dos madeireiros, o órgão “esperou cinco anos para executar o contrato esperando a melhora do preço das toras”.

Mas aquele não era o fim dos projetos madeireiros da Administração Bush para o Giant Sequoia National Monument, e os ambientalistas tiveram que voltar a agir. No último dia 15, o mesmo juiz Charles Breyer foi acionado mais uma vez e, mais uma vez, concedeu uma liminar para impedir a derrubada de árvores, desta vez em uma área de 4 km2, dentro da mesma reserva. Novamente ele entendeu que o U.S.F.S. ignorou dados relevantes acerca do impacto do desmatamento sobre a fauna e a flora locais.

Representantes do U.S.F.S. alegam que o projeto é necessário e urgente para prevenir os incêndios e que, por ter sido, juntamente com outros 10, autorizado e sancionado diretamente pelo Executivo, não se sujeita às regras do Giant Sequoia National Monument que, como já dito, condiciona a derrubada de árvores à necessidade ecológica.

Novamente o governo esperou mais de meia década, até que os preços do mercado madeireiro melhorassem, para executar o contrato, o que nem para o juiz, nem para qualquer outra pessoa de bom senso, cheira bem.

Verdadeiros interesses do governo

Não é de hoje que os interesses do serviço florestal norte-americano e das florestas que ele, supostamente deveria proteger, não andam no mesmo rumo.

Como Bill Bryson aponta em seu delicioso livro Uma Caminhada na Floresta, “o Serviço Florestal é uma instituição extraordinária” cuja principal atividade até hoje foi construir estradas. São 600 mil quilômetros de estradas cortando as florestas nacionais dos EUA, “o maior sistema mundial de estradas sob o controle de um único órgão”, construído e mantido pelo segundo maior corpo de engenheiros rodoviários de todas as instituições do planeta, diz o autor.

Ele ainda afirma que, no final da década de 1980, o U.S.F.S. era — permitam-me transcrever — “o único agente significativo da indústria madeireira americana que derrubava árvores mais rápido do que as plantava. Além disso, fazia isso com uma ineficiência assustadora. Oitenta por cento de seus acordos de leasing causavam prejuízo, com freqüência, prejuízos enormes. Em um caso típico, o Serviço Florestal vendeu pinheiros centenários da Floresta Nacional de Targhee, em Idaho, por cerca de dois dólares cada, depois de gastar quatro dólares por árvore na manutenção da floresta, na elaboração de contratos e — é claro — na construção de estradas.”

Trata-se, portanto, de uma peculiar vitória legal dos ambientalistas, em que estes brigam para, literalmente, pôr fogo no mato.

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