A constatação de um fenômeno de “cupinização”, que destrói por dentro as estruturas ambientais brasileiras, é uma das mais eficientes metáforas para atestar as agressões e o estado de arte do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), que vem sendo sistematicamente dilapidado durante o governo de Jair Bolsonaro.
A percepção de que as instituições podem parecer inteiras por fora, mas por dentro estão sendo corroídas, foi externada pela ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento que abarca sete ações que caracterizam retrocessos ambientais.
Inicialmente estão sendo julgadas a ADPF 760 e ADO 54, que cobram, respectivamente, a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) de modo suficiente para viabilizar o cumprimento das metas climáticas assumidas pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris – e a acusação do Governo Federal de descaso com o meio ambiente e omissão no combate ao desmatamento da Amazônia, contrariando o dever do Poder Público de promover a conscientização ambiental e zelar pelo meio ambiente.
Obviamente que a constatação de um processo de cupinização da área ambiental implica o reconhecimento de agentes, infiltrados ou não, empenhados em produzir efeitos nocivos ao funcionamento do Sisnama.
Em primeiro lugar é preciso compreender que o Sisnama, como o próprio nome anuncia, é um sistema, ou um conjunto ordenado de elementos, que se encontram interligados e que interagem entre si.
Para um sistema funcionar adequadamente, é necessário bom desempenho de todas as suas partes. Para desestruturar um sistema organizacional, basta colocar em posições-chave pessoas ineficientes, de forma proposital ou não.
Indicar pessoas não vocacionadas para funções estratégicas já é, por si só, um fator desestruturante, assim como deslocar funções estratégicas para instâncias não vocacionadas, como, por exemplo, a gestão das florestas para o Ministério da Agricultura. Ou infiltrar agentes interessados na baixa eficiência do sistema, a exemplo de ministros de Meio Ambiente oriundos da área do agronegócio, em permanente conflito de interesses entre o que é público e o que é privado.
Além disso, há perfis de mafiosos, onde simplesmente se destrói o sistema de forma proposital, à custa da corrupção e da sabotagem, travando e destruindo suas partes, como no afrouxando de forma estratégica e nociva da normativa ambiental e dos aspectos operacionais de fiscalização, seja por asfixia administrativa ou financeira.
Um malefício de tal envergadura funciona realmente como cupinização, que destrói internamente a funcionalidade do sistema ambiental. Mas a destruição continuada levou a consequências dramáticas para a proteção ambiental, e há mostras exteriores dos efeitos da falência estrutural, como o desmatamento de 198 km² da Floresta Amazônica durante o mês de fevereiro. Sem estrutura, um dia a casa balança e cai.
Quando se trata da estrutura ambiental de um país como o Brasil, fortemente vocacionado em função de seu patrimônio ambiental, a percepção dos mal feitos acaba por caracterizar um Estado das Coisas Inconstitucional em relação ao meio ambiente, conforme afirmou a ministra Carmem Lucia, ao admitir que “estamos vendo (…) o estabelecimento de procedimentos que, soltos, não levariam a um quadro tão patente de descumprimento da Constituição e de seus tratados internacionais, mas que, no seu conjunto, demonstra que foram apenas táticas utilizadas para se impedir que visualizasse com segurança a quebra do tratamento constitucional, do cuidado democrático com as instituições.”
A figura do Estado de Coisas Inconstitucional tem origem nas decisões da Corte Constitucional Colombiana, frente a violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais. Este reconhecimento da perda de normalidade tem por finalidade prover respostas estruturais para a correção das violações massivas de direitos diante das omissões do poder público. Em síntese, é um estado de mal generalizado que exige urgência para corrigir efeitos nocivos e lesivos sobre funções ambientais e sociais essenciais.
Não há cupinização sem cupins, e o processo de descupinização precisa ser contundente. Não há de se perder tempo com tentativas de amenidades atenuantes. A destruição é explícita, assim como os atores também são. Diz o procurador geral da República Augusto Aras, em contraposição às posições da ministra Rosa Weber: “Questões em torno do meio ambiente são de alta especialidade técnica e comportam diversas visões políticas”.
De outro lado, a ministra Carmem Lúcia afirmou que “a transgressão do Estado brasileiro foi confessada por falas oficiosas de uma autoridade oficial”, citando o ministro da Economia, Paulo Guedes, que declarou que “o Brasil seria um “pequeno transgressor” da legislação ambiental e um “pequeno poluidor” em nível global”. Carmem Lúcia também citou o “passar a boiada” de Ricardo Salles.
Na tentativa de reduzir a relevância dos atores responsáveis pela cupinização, surgem simulações dos que defendem a incúria. Mas os fatos são transparentes e permitem, depois de três anos de governo de Jair Bolsonaro, notar uma articulada obviedade nas ações e inações que nada mais fizeram do que prover facilitações econômicas para o agronegócio, a mineração, a grilagem e a extração de madeira, entre outros.
Assim, o comportamento disfuncional e sem motivações plausíveis que sistematicamente vem depauperando instituições como o Ministério do Meio Ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente e o Ibama, entre outros, nada mais deve merecer da sociedade brasileira do que a convicção sobre sua ilicitude e agilidade na reparação dos danos.
As reiteradas agressões, de forma sistêmica, às diferentes instituições federais de proteção ao meio ambiente não permitem ingenuidade para inferir ignorância negacionista ou atividade lobística casuística. Como diz acreditar Augusto Aras, pode ser uma mera opção ideológica do governo. Isso ofende até a inteligência dos cupins.
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