Reportagens

Toras gigantes em rota de desmatamento no interior do Acre

Amazônia deu lugar a pastos, bois magros e canaviais na BR-317, que liga Rio Branco às fronteiras com Peru e Bolívia. Desmatamento avança.

Daniel Santini ·
13 de novembro de 2014 · 10 anos atrás

Enviado especial a Brasiléia (AC) – O balançar cadenciado do táxi com o ar condicionado quebrado, o vento morno que sai não sei ao certo se do motor ou da janela aberta dão sono. A paisagem é monótona. Pastos sem fim, com poucas árvores, uma ou outra castanheira que resistiu às queimadas dos anos e décadas anteriores no processo de ocupação da BR-317. A rodovia liga a capital Rio Branco às cidades de Brasiléia, na fronteira com Cobija (Bolívia) e Assis Brasil, vizinha de Iñapari (Peru). O cenário constante só é interrompido por um ou outro canavial e pela entrada dos ramais, estradas de terra que levam ao interior das propriedades ou a outras fazendas.

VRUUUUUUUUUMMMMMMMMMMM

Passa o primeiro caminhão com toras gigantes. O raio dos troncos fatiados e empilhados na carroceria é maior do que a própria roda do veículo. Dá tempo de tirar essa foto do caminhão indo embora:

Caminhão transporta árvores cortadas no interior do Acre. Foto: Daniel Santini
Caminhão transporta árvores cortadas no interior do Acre. Foto: Daniel Santini

O motorista se diverte com minha pressa em registrar os troncos cortados passando.

– Calma, você ainda vai ver outros. Aqui é comum, toda hora eles passam.

Os dois bolivianos que compartilham o carro comigo – em Rio Branco os motoristas só saem com o táxi fretado, o que é muito caro, ou lotado de passageiros – concordam com acenos da cabeça. Seguimos caminho e a informação se confirma. Basta enjoar de ver vacas e bois onde antes havia floresta e começar a pegar no sono que surgem mais caminhões lotados de toras gigantes. Estamos em uma das muitas rotas de desmatamento que seguem o curso das estradas abertas na Amazônia.

No trecho em que passamos, a substituição de matas por fazendas já está consolidada – e é marcada pela concentração de terras, evidente pelo tamanho das propriedades. É mais para frente, nas cercanias de Assis Brasil que novos pastos têm sido abertos. Em pouco mais de uma década, é possível visualizar a evolução do desmatamento na região, como é possível ver em imagens do Google Earth:

2002

2013

A presença de pastos e bois onde o desmatamento já está consolidado ajuda a entender o processo (clique aqui para ver um mapa da estrada). Assim como em Rondônia, o avanço da pecuária, incentivado com financiamentos públicos, está diretamente relacionado ao desmatamento. Se na década de 1970, o Estado contava com 72.166 bovinos, em 2006 eram 1.784.474 bovinos, segundo dados os dados mais recentes divulgados pelo Governo do Estado.

Não por acaso, hoje a pecuária é a principal fonte de renda do Estado, com 18,89% de participação na economia, acima da indústria, que tem 14,27%. E toras gigantes continuando sendo transportadas em rotas de desmatamento.

 

 

Leia também:
Após 25 anos sem Chico Mendes, Acre troca borracha por boi
Seringueiros sem futuro?
Chico Mendes é declarado patrono do meio ambiente no Brasil

 

 

 

  • Daniel Santini

    Responsável pela plataforma ((o)) eco Data. Especialista em jornalismo internacional, foi um dos organizadores da expedição c...

Leia também

Notícias
19 de novembro de 2024

G20: ato cobra defesa da Amazônia na pauta do encontro dos chefes de Estado

A Amazônia está de olho" reuniu mais de 100 ativistas neste domingo (17), no Rio de Janeiro, para pressionar líderes presentes no G20 a tomar ações concretas para conservação da maior floresta tropical do mundo

Reportagens
19 de novembro de 2024

Declaração do G20 frustra ao não mencionar fim dos combustíveis fósseis

Documento faz menção ao fim do desmatamento e aumento de ambição no financiamento climático, mas organizações pediam sinais mais diretos

Podcast
19 de novembro de 2024

Entrando no Clima#38 – G20 e COP29 se encontram em Baku

Declaração Final do G20 ecoou nos corredores da COP29, no Azerbaijão, e especialistas repercutem os posicionamentos do fórum econômico

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.