Notícias

Ação no STF pede fim da ‘autodeclaração não checada’ que possibilita a venda de ouro dos garimpos ilegais

Pedido reforça a importância de mecanismos para estabelecer a rastreabilidade do minério. Garimpo em Terras Indígenas aumentou 625% nos últimos 10 anos

Débora Pinto ·
28 de fevereiro de 2023 · 1 anos atrás

A Defensoria Pública da União (DPU) e as organizações WWF Brasil, Instituto Alana e Instituto Socioambiental (ISA) solicitaram no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (27) o ingresso como amicus curiae (amigo da corte) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7273, de autoria do PSB e da Rede Sustentabilidade, que questiona a chamada presunção da boa-fé na comercialização de ouro. A função do pedido é fortalecer institucionalmente a ação, trazendo novos atores para os debates instaurados pelo processo.

A ação reivindica, com pedido de medida cautelar, a inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 39 da Lei n. 12.844/2013, que instituiu a presunção de legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente. A ADI pretende tornar obrigatório que as DTVMs (Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários), “únicas instituições autorizadas a comprar e revender ouro de garimpo”, estabeleçam mecanismos que certifiquem que o ouro comprado tem origem legal e que o processo de aquisição está livre de violações ambientais e aos direitos humanos.

Atualmente, a presunção de boa fé permite que seja atestado que o minério foi extraído de forma legal apenas através de uma declaração de quem está realizando a venda, sem qualquer tipo de checagem da informação.

Assim, o ouro obtido de forma ilegal adquire status de legalidade, permitindo o estabelecimento de uma cadeia que destrói territórios e degrada a saúde de suas populações, como verificado na crise  instaurada na Terra Indígena Yanomami.

“É urgente que o STF analise a questão, pois a rastreabilidade do ouro é uma das medidas necessárias para coibir o garimpo ilegal”, aponta Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. Com a ausência de rastreabilidade, frequentemente são apresentados processos que não correspondem à verdadeira origem do minério. É assim que o ouro extraído ilegalmente da TI Yanomami e de outras áreas protegidas chega ao mercado.

Brilho que destrói

Segundo o MapBiomas, mais de 90% da área garimpada no Brasil está na Amazônia, sendo o ouro o principal minério buscado, representando 83% desse total (162.659 hectares). Proibido pela Constituição Federal, o garimpo em Terras Indígenas aumentou 625% nos últimos 10 anos, ressalta o pedido enviado pelas entidades.

Dados inéditos levantados pelo WWF sobre o garimpo ilegal na Bacia do Tapajós apontam que, somente nos municípios paraenses de Itaituba e Jacareacanga – detentores de mais de 35% da área garimpada no Brasil –, os índices de ilegalidade chegam a 90% e 98%, respectivamente.

Garimpo na TI Yanomami/Agência Brasil

O pedido ainda alerta para as graves consequências da falta de controle da cadeia do ouro, com a “contaminação da água, do solo, das pessoas e dos animais a níveis alarmantes”, com destaque para a contaminação provocada pelo mercúrio, substância utilizada na garimpagem do minério.

O mercúrio liberado de forma indiscriminada no meio ambiente pode permanecer por até cem anos em diferentes compartimentos ambientais e provocar doenças, como alterações neurológicas e psicológicas em adultos e atrasos no desenvolvimento de crianças.

Os autores do pedido também destacam que medidas para proteger a vida, integridade e saúde dos Yanomami e Ye´Kwana também já foram deferidas pela a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), de julho de 2022, que determinou medidas provisórias ao Estado brasileiro para proteção integral da saúde, alimentação e segurança dos povos indígenas Yanomami, Ye’kwana e Munduruku.

“A não adoção das medidas necessárias para fazer cessar o garimpo ilegal, especialmente em Terras Indígenas e em áreas protegidas, reforça a posição do Estado brasileiro de não cumprir a decisão emanada pela Corte Interamericana. Por outro lado, a presente ADI tem o condão de tornar a legislação nacional menos permissiva ao ouro extraído ilegalmente, com severas repercussões à vida, à saúde e à segurança dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Importa sublinhar que o ouro que sai da Terra Indígena Yanomami é extraído ilegalmente em sua totalidade, vez que se trata de Terra Indígena e, portanto, não tem origem em lavras garimpeiras com autorização para a extração do minério”, acrescentam os autores.

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

Leia também

Reportagens
22 de junho de 2020

Terra Indígena Yanomami é a área protegida mais pressionada da Amazônia

Dados são do boletim das áreas protegidas mais ameaçadas e pressionadas do Imazon, que analisa número de ocorrências de desmatamento dentro desses territórios

Reportagens
14 de novembro de 2022

Lideranças Yanomami enviam mensagem com reivindicações ao presidente eleito, Lula

Em vídeo, Davi Kopenawa, José Yanomami e Aristeu Yanomami pedem a retirada dos garimpeiros e a melhoria das condições de saúde na TIY

Reportagens
24 de janeiro de 2023

‘Com um garimpeiro para cada indígena’, mineração ilegal adoece população e meio ambiente na TI Yanomami

Lula visitou o território tomado pela fome e sem atendimento à saúde, e exonerou servidores que negaram crise em 2022. Promessas de Bolsonaro para legalizar a mineração em terras indígenas levou mais de 25 mil garimpeiros para a região

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1

  1. Paulo diz:

    É um parlamento leniente com o crime, um governo executivo passado omisso ao crime.
    São um bando de bagaceiro.
    Onde já se viu, comprar e vender OURO com nota fiscal, escrita A MÂO. Qdo voce em qq cidade, voce comprar um punhado de balas, voce pagará com nota fiscal ELETRONICA.
    Vagabundagem de Banco Central, de Bolsa de Valores e de Receita Federal.

    Incrível.