Um dos maiores enigmas da paleontologia é entender a origem e vida dos pterossauros, répteis voadores que dominaram os céus durante cerca de 150 milhões de anos e que não, não são dinossauros. Uma das incógnitas sobre eles diz respeito à alimentação e uma pesquisa pioneira comandada por brasileiros realizou a reconstrução da musculatura dos pterossauros e acaba de trazer mais peças e informações para esse gigantesco quebra-cabeça da pré-história.
O método de reconstrução da musculatura em animais extintos é feito a partir de uma análise minuciosa dos ossos e de comparações com animais viventes a respeito da posição dos músculos. Este tipo de estudo é fundamental para compreensão dos hábitos alimentares de animais extintos e já havia sido realizado para dinossauros, mamíferos e tubarões, mas nunca para pterossauros.
A pesquisa foi desenvolvida pelos paleontólogos brasileiros Rodrigo Pêgas e Fabiana Costa, ambos da Universidade Federal do ABC, e Alexander Kellner, do Museu Nacional (UFRJ). O artigo assinado pelo trio foi publicado no final de janeiro no periódico científico Zoological Journal of the Linnean Society.
O mistério sobre os hábitos alimentares de pterossauros vem da grande diversidade de formas e tamanhos conhecidas de pterossauros, com diferentes dentições e até mesmo espécies sem dentes. Existiam desde pterossauros do tamanho de um pardal, com 20 centímetros de envergadura, até aqueles com mais de 11 metros de envergadura – o tamanho de um pequeno caça aéreo. Essa grande variação dentro do grupo dificulta a interpretação dos pesquisadores sobre como eles se alimentavam, uma vez que implicam em diferentes estratégias para obtenção de alimento.
Os paleontólogos analisaram fósseis de nove pterossauros do período Cretáceo (período entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás). Pteranodon longiceps, Nyctosaurus gracilis, Dsungaripterus weii, Tapejara wellnhoferi, Caupedactylus ybaka, Tupuxuara leonardii, Thalassodromeus sethi, Anhanguera blittersdorffii e Tropeognathus mesembrinus, sendo os últimos seis provenientes da Bacia do Araripe, no nordeste brasileiro.
Através da reconstrução da musculatura da mandíbula e estimativas da força de mordida, os pesquisadores chegaram à conclusão de que parte dos pterossauros estudados possuía dieta de peixes, outros de frutas e alguns comiam até mesmo carniça.
O pequeno pterossauro Tapejara wellnhoferi, por exemplo, que possuía aproximadamente 2 metros de envergadura, era um animal adaptado a quebrar frutas e sementes e teria potencialmente colaborado para expandir a presença das angiospermas (plantas com flores e frutos, que surgiram no final do Jurássico), um dispersor de sementes pré-histórico.
Um poucos maiores, os Caupedactylus e Tupuxuara, que possuíam três e quatro metros de envergadura, respectivamente, teriam sido generalistas. Os dois iam em busca de pequenos animais escondidos na vegetação e se alimentariam até mesmo de peixes e carniça, semelhante a algumas cegonhas.
A pesquisa propõe uma nova hipótese sobre o cardápio do pterossauro Thalassodromeus, que possuía a maior força de mordida entre os pterossauros analisados, e com seu bico afiado e uma estrutura única no céu da boca – chamada de protuberância palatal – teria a capacidade de quebrar conchas duras de moluscos. Similar a ele, o Dsungaripterus, com dentes redondos e robustos associados a uma alta força de mordida, atrás apenas do Thalassodromeus, também seria especializado em quebrar conchas.
Outros quatro pterossauros estudados – Anhanguera, Tropeognathus, Pteranodon e Nyctosaurus – possuíam uma dieta baseada em peixes, com mordidas mais adaptadas a um fechamento rápido do que a uma força grande, típica de animais piscívoros.
A comparação dos hábitos alimentares entre seis espécies que dividiram o território da Bacia do Araripe ajuda a entender como diferentes espécies de pterossauros poderiam ter compartilhado um habitat ao explorarem recursos alimentares de maneiras distintas.
“Com a diversidade de preferências alimentares dos pterossauros ainda relativamente pouco investigada, com muitas hipóteses ainda não testadas, esperamos que o presente estudo sirva de base para futuros avanços em direção ao objetivo de melhor compreender a ecologia do grupo”, aponta o artigo, que sugere que estudar a versatilidade dos pterossauros pode ajudar a entender de que forma eles espalharam em diferentes regiões e ecossistemas do mundo, e potencialmente ajudar a elucidar por que, no final do Cretáceo, eles se extinguiram, junto com os dinossauros não-avianos.
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