Reportagens

A revolta da torneira

Em Goiânia, parte da população está deixando as torneiras abertas para protestar e justificar um aumento de 1000% na taxa básica de água. O MP está com o caso.

Carolina Mourão ·
20 de abril de 2005 · 20 anos atrás

“Precisamos garantir o equilíbrio econômico da empresa, para manutenção do sistema e novos investimentos”. Foi assim que Ademar Gaspar Martins, assessor comercial da Diretoria Comercial e de Marketing da Saneago – a Saneamento de Goiás S/A – justificou o aumento de 1000% na cobrança de água para pequenos consumidores. Desde março, todas as categorias de usuários – residencial, comercial e industrial – são obrigadas a pagar uma taxa básica de 10 metros cúbicos de água tratada, enquanto no mês anterior o consumo médio residencial girava em torno de 2 a 3 metros cúbicos por mês. Resultado: um desastre ambiental anunciado.

O aumento pode ter equilibrado o caixa da empresa. Mas desequilibrou completamente o consumo de água na cidade. “Aqui nas casas tá todo mundo deixando a água correr sem pena, até atingir o valor cobrado. Ninguém quer pagar sem ter usado”, afirmou Domingos de Freitas Ferreira, engenheiro mecânico, morador de Goiânia. Por lá, tanto faz morar numa quitinete como ser proprietário de uma lavanderia de grande porte. Todo mundo ficou com conta e consumo iguais. Uma espécie de democracia às avessas.

Com uma centena de reclamações, o Procon Municipal autuou a empresa pela cobrança da tarifa básica. Ela poderá ser multada em até R$ 3,2 milhões, tamanha foi a correria aos órgãos de proteção ao consumidor antes que o mês de abril vencesse. Para apurar a legalidade da tarifa básica e do aumento, um inquérito civil público foi instaurado em abril contra a Saneago. O promotor Murilo Macedo Miranda, que atua na área de defesa do consumidor do Ministério Público, está verificando as planilhas de custos da empresa e outros documentos. Murilo quer saber o que levou a Saneago aos novos valores e comparar com os critérios que vêm sendo utilizados em outros Estados nos últimos anos.

O presidente da companhia, Geraldo Félix, foi ouvido pelo Ministério Público em 13 de abril. No dia seguinte foi a vez do presidente da Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR), Vanderlino Teixeira de Carvalho. A AGR autorizou as cobranças a pedido da Saneago. Nesta terça-feira, dia 19 de abril, houve nova rodada de reuniões entre diretores da Saneago e o Ministério Público Estadual.

Antes do inquérito ser instaurado, os pequenos comerciantes e usuários de baixa renda estavam sendo orientados pela companhia a não pagar as contas e aguardar a visita de uma equipe que iria definir, com base no histórico do consumo, se eles teriam direito à redução de 50% no valor. Com a entrada do Ministério Público no caso, nem o Procon recebe mais reclamações, nem a Saneago está mais fazendo revisão de contas. Para acelerar a ação da Justiça e justificar o consumo dos 10 metros cúbicos mínimos cobrados pela Saneago, parte da população já decidiu deixar as torneiras abertas. “Só botando pressão”, concluiu Domingos.

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