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Gari particular

Morador da favela da Rocinha, no Rio, cria serviço de coleta de lixo em domicílio. Além de lucrar com a boa clientela, ele ajuda a diminuir a sujeira nas ruas.

Vilma Homero ·
12 de maio de 2005 · 19 anos atrás

Lixo dá dinheiro. Nada a ver com reciclagem. O lucrativo negócio, no caso, é ajudar os moradores da favela a livrarem-se dele da melhor forma, já que nem sempre os serviços públicos de coleta chegam aos diversos pontos das comunidades. A iniciativa está fazendo sucesso na Rocinha, na Zona Sul do Rio, e tem tudo para se espalhar por outros morros da cidade.

O pedreiro André Oliveira Viana, de 30 anos, foi quem descobriu na irregularidade dos serviços da Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb) um nicho ainda não explorado de mercado na Rocinha. Empreendedor, ele virou um novo empresário na comunidade. Já tem 500 clientes e a procura não pára de crescer.

“Sempre que vêem os coletores passarem aos gritos de ‘Olha o lixeiro’, aparece gente na janela perguntando como fazer para se associar”, entusiasma-se André.

De sua empresa, instalada numa sala modesta alugada na Estrada da Gávea, André está feliz da vida com o sucesso da firma. Dali comanda o trabalho de quatro coletores, que passam diariamente na casa dos clientes e se espalham por todos os cantos da favela, num trabalho que vai das nove da manhã às seis da tarde, de segunda a sábado. O horário fica combinado no ato da adesão, a critério do freguês. O preço do serviço? R$ 1 por semana.

Para abrir a própria empresa coletora, André não mediu sacrifícios. Com ajuda dos amigos, da mulher Karla Vanessa Antunes, de 30 anos (com ele na foto), e muita determinação, ele deu o pontapé inicial no negócio. “Vendemos o que tínhamos: celular, relógios e até uma calça da Gang da Karla”, diverte-se. Com o dinheiro apurado, nasceu o Rocinha Sem Lixo.

É verdade também que ele nem precisou gastar dinheiro para mobiliar o escritório. “O ventilador daqui da loja foi achado no lixo, assim como o armário, as cadeiras. Praticamente tudo aqui foi reciclado. Menos o computador e o telefone”, diz. André garante que no lixo da Rocinha tem muita coisa de valor. “É comum aparecerem armários, camas, geladeiras, ventiladores e outros eletrodomésticos, que a gente vende”, diz.

Apesar dessas pequenas facilidades, o começo foi muito difícil. “Eu só tinha um associado, minha sogra”, lembra. Mas isso também mudou rapidamente. “A coisa começou a andar e num espaço de 30 dias, conseguimos quase 500 fregueses”, comemora.

A firma tem clientes espalhados pelas ruas Um, Quatro, Três, Estrada da Gávea e adjacências. Mas a área que tem mais associados é a Cachopa, parte média da comunidade, embora mesmo ali as adesões se multipliquem a cada passagem do lixeiro. Para André, a idéia da empresa coletora de lixo surgiu a partir de uma preocupação, de seu olhar atento à realidade à volta. “Passava pelos becos e via a sujeira, lixo, ratos e as crianças ocupando o mesmo espaço. Queria criar um campo de trabalho, mas também queria contribuir para a limpeza da comunidade. O trabalho da Comlurb, além de irregular, não dava conta da demanda local”, explica já com o jargão empresarial na ponta da língua.

Dois outros fatores também pesaram na decisão. “Desde pequeno, quis ter meu próprio negócio, como meu pai me ensinou. Já havia tentado montar uma empresa de reforma e construção, mas não deu certo por causa da burocracia”, conta. O centro de educação para crianças, sua tentativa seguinte, também não foi adiante. “Era caro demais”, explica.

Outra preocupação decisiva para a criação do Rocinha sem Lixo foram as crianças. “Aqui na comunidade é costume das mães pedirem aos filhos para jogar o lixo fora. É uma prática ruim porque a criança não está devidamente protegida, com luvas, e quando chegar à lixeira, terá contato com outros tipos de lixo”, fala.

Na microempresa de André, os coletores são todos moradores da própria comunidade. E trabalham protegidos, com manda o figurino, com luvas e botas. Um deles é Luiz Carlos de Oliveira (foto), de 30 anos, que trabalha há pouco mais de um mês com André e recebe um salário de R$ 300. “Estava desempregado, e quando surgiu a oportunidade, não pensei duas vezes”, conta.

Se o trabalho é pesado, tem lá suas compensações. Luiz Carlos conta que é bem tratado pela clientela. E melhor ainda é ver o salário engordado pelas gorjetas que recebe. “Sempre ganhamos caixinha, que varia de R$ 1 a R$ 5. Já me deram até R$ 10. Tem gente que dá até lanche pra gente”, conta.

O preço do serviço não fica em mais de R$ 5, R$ 6 por mês para cada associado – dependendo de quantas semanas tem cada mês. No final do mês, depois do pagamento dos funcionários e despesas, André consegue tirar limpos cerca de R$ 1 mil. Ainda é uma quantia pequena, mas a expectativa é de crescimento. “Trabalhamos em cima do número de fregueses e não de preço, por isso cobramos barato. Mas tem cliente que acha que a gente devia aumentar”, explica André.

É o caso da doméstica Eni Maria de Jesus Pardo, de 61 anos (foto). Conhecida na Rocinha como Baiana, ela mora na Estrada da Gávea e foi uma das primeiras a se associar. “Pra mim foi ótimo! Não preciso mais me preocupar com lixo aqui em casa. Além disso, é baratinho. O André podia até dobrar o preço, passar a R$ 2”, fala, animada.

Depois de recolhido, o lixo é levado para as caçambas da comunidade onde a Comlurb se encarrega de dar o destino final. “Já colocamos um aviso aqui na loja para que os nossos associados separem o lixo reciclável. Faço isso para que as pessoas se acostumem a selecionar garrafa plástica, latinha de alumínio, fio, cobre, ferro e etc”, exemplifica André, não só pensando em facilitar o trabalho, mas também em ampliar os negócios.

Porque além da coleta, o Rocinha sem Lixo oferece outros serviços. “Recolhemos entulho, limpamos valas, fazemos demolição e mudanças. Se o cliente fizer uma festa e nos contratar, a gente se responsabiliza pela limpeza no final. Mas isso é extra, não está incluído na taxa de R$ 1”, explica André.

A grana extra é repassada aos funcionários, a título de incentivo. “O trabalho já é muito pesado, e o tempo todo o pessoal fica em contato com lixo. Fica como um estímulo. O projeto não leva nada com isso”, diz.

O pedreiro-empresário já tem planos para breve: abrir pequenas lojas nos sub-bairros da Rocinha para que cada uma delas atenda a uma parcela da comunidade. “Abrimos uma no Vidigal, mas devido a problemas de segurança diante do que está acontecendo por lá, decidimos fechar”, lamenta. O que também não chegou a ser problema. Afinal, a Rocinha ainda é um campo enorme a explorar.

Reportagem publicada originalmente no site Viva Favela.

* Vilma Homero é repórter do EcoPop, site do Portal Viva Favela.

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