Reportagens

Gosto amargo

Cerveja Itaipava já foi produzida às custas de desmatamento e poluição de rios, e agora usa água sem autorização. Schincariol também tem problemas ambientais.

Juliana Fernandes ·
24 de junho de 2005 · 19 anos atrás

Quando a maré está braba, nem a cervejinha nossa de cada dia dá para tomar sossegado. A Operação Cevada, da Polícia Federal, prendeu este mês diretores e ex-diretores da Schincariol, sob acusação de sonegação fiscal e formação de quadrilha. E se o sabor da Nova Schin não faz lá muito sucesso entre consumidores, a devassa resolveu atingir também a Itaipava, a Crystal e a Petra. Foi preso Walter Faria, presidente da Cervejaria Petrópolis, que produz as três marcas.

Os amantes da Itaipava podem alegar, na tentativa de tomar sua birita sem culpa, que o crime pelo qual ele está sendo acusado diz respeito à sua atuação passada, como diretor da Schincariol. Isso é verdade. Mas as águas límpidas que garantem à Itaipava “o sabor da montanha” também estão sob suspeita. A Cervejaria Petrópolis está sendo acusada de perfurar, sem autorização, mais de 30 poços artesianos para abastecer sua produção.

Coincidência ou não, a principal cerveja da empresa, que antes era associada apenas à dor-de-cabeça no dia seguinte, ficou mais leve e saborosa nos últimos anos. A Itaipava rompeu seu reduto original, o estado do Rio, e agora chega a outras regiões do país. Mas às custas de água ilegal?

Se dependesse da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), a empresa poderia funcionar normalmente. Tanto que recebeu uma Licença de Operação para isso. Mas no documento faltava algo básico: a outorga para o uso da água, que deve ser conferida pela Superintendência Estadual de Rios e Lagos (Serla). Não foi. “A empresa pediu outorga, mas o processo ainda está em andamento”, informou uma funcionária do setor de outorga da Serla. “Sete dos poços fiscalizados estão situados em faixas marginais de proteção”, explica, acrescentando que a Serla pode proibir a captação de água, mas está buscando uma solução que não prejudique a empresa, uma das maiores empregadoras da região.

O Ministério Público está investigando tanto o crime ambiental da cervejaria quanto a licença apressada concedida pela Feema.

Este não é o primeiro caso de incompatibilidade da Cervejaria Petrópolis com a natureza que a circunda. A Justiça Federal da cidade está analisando os danos causados a uma área de preservação permanente durante a obra de ampliação da fábrica, feita em 2001. Na denúncia, o procurador Fabiano de Moraes cita que foram verificadas obras de terraplanagem às margens de um córrego e desmatamento em uma área de preservação que fica atrás da fábrica, na altura do distrito de Pedro do Rio. A empresa chegou a retirar 70 mil metros cúbicos de terra da região para as obras que propiciaram o aumento de sua capacidade produtiva. Todo o material foi despejado em um terreno onde havia outras nascentes. Para completar, os efluentes eram despejados diretamente em um rio próximo, sem qualquer tratamento. A empresa e seu presidente foram autuados em quatro artigos da lei que trata de danos ao meio ambiente.

A ampliação da fábrica levou a justiça a descobrir que a Cervejaria Petrópolis funcionava desde sua fundação, em 1993, sem licença dos órgãos ambientais. Um acordo possibilitou a continuidade de sua produção. “Eles assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que vem sendo cumprido à risca. Mas infelizmente o cumprimento do TAC não acaba, nem sequer minimiza, suas responsabilidades criminais”, explica o procurador, lembrando que, se condenado, Walter Faria pode pegar de seis meses a três anos de detenção e ainda ter que pagar multa que pode chegar a 360 salários mínimos.

Pelo termo assinado entre a fábrica e o Ministério Público Federal, a empresa teria que fazer a recuperação da área devastada para ampliação da fábrica, o reflorestamento da área usada para despejo da terra e um grande projeto para tratamento de efluentes. O departamento de Meio Ambiente da cervejaria, criado exatamente quando a empresa se viu às voltas com problemas judiciais, confirma que as ações de reflorestamento e recuperação ambiental foram cumpridas. Mas não quis se pronunciar sobre os poços artesianos abertos ilegalmente.

Já a Schincariol está ocupada demais resolvendo suas pendências com a Receita Federal para se dedicar a outros assuntos. Mas a fábrica da empresa em Cachoeiras de Macacu (foto), também no estado do Rio, é alvo de pelo menos dois inquéritos ambientais do Ministério Público Estadual. Os promotores responsáveis pelo caso não falam sobre o assunto, mas moradores dizem que uma das acusações é referente a denúncias de que a fábrica despejava, ainda na década de 90, logo depois de sua inauguração, efluentes sem tratamento no rio Macacu, o principal da cidade. Segundo eles, o problema foi resolvido depois da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Pelo menos no quesito ambiental, essas cervejas continuam dando dor-de-cabeça.


* Juliana Fernandes é jornalista recém-formada e mora em Petrópolis (RJ). Trabalhou como repórter da editoria de interior do Jornal O Dia.

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