Reportagens

Erro de cálculo

O agronegócio puxa a economia e altera as feições do Brasil, mas o governo não tem dados atualizados sobre ele. O Censo Agropecuário não é feito desde 1996.

Ana Antunes ·
8 de julho de 2005 · 19 anos atrás

Qual o setor que mais cresce na economia nacional? Esta é fácil: o agrobusiness, impulsionado pela expansão da área plantada, produção crescente e sucessivos recordes de exportação. E que projeto social do governo é propagandeado como um exemplo de distribuição de renda e solução para o inchaço das cidades? Fácil também: o Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). Aquele dos anúncios na TV, onde gente simples do campo aparece sorridente, com a vida enfim ajeitada pelo crédito fácil e incentivos fiscais do governo.

Num país assim, é de se esperar que a agricultura também esteja no centro das atenções nas áreas de planejamento e pesquisa, certo? Não, o Brasil não costuma fazer sentido. Desde 1996 não se faz um levantamento completo de dados do setor agrícola. Isto era papel do Censo Agropecuário, pesquisa realizada pelo IBGE de cinco em cinco anos. O calendário previa um novo Censo em 2002, mas o Ministério do Planejamento, no último ano do governo FH, não o julgou prioritário e cortou os recursos para a pesquisa. Depois disso, veio a eleição de Lula, foi criado o Pronaf, as exportações dispararam. E o Ministério do Planejamento… continua adiando o maior estudo da agropecuária nacional.

Segundo Antônio Carlos Florido, gerente técnico do Censo Agropecuário, a proposta da pesquisa está pronta desde 2002. O ministério a recebe todos os anos, mas sistematicamente nega a verba necessária para a realização do trabalho, cerca de 400 milhões de reais. O dinheiro poderia sair em três parcelas, a maior delas para a contratação de pessoal para a coleta de dados, a ser realizada no segundo ano do projeto.

A metodologia do Censo Agropecuário é similar à do Censo Demográfico. São contratadas pessoas para irem a todos os estabelecimentos agrícolas e pecuários do país para recolher informações diretamente com o produtor. O resultado é um panorama completo do uso da terra no Brasil. Com o Censo é possível saber quantas pessoas são donas de terra, arrendatários ou funcionários, qual é a idade e o sexo dos trabalhadores, que tipo de lavoura ou pasto é utilizado, quantos hectares são irrigados no território, quanto de reserva legal preservada existe em cada propriedade e as tecnologias empregadas na produção. Em 1996, por exemplo, foi possível saber que os produtores de Sorriso, no Mato Grosso, preservavam menos área de floresta do que os 80% exigidos por lei: dos 572 mil hectares avaliados no município, apenas 203 mil eram florestas naturais ou artificiais.

A importância do Censo Agropecuário está no fato de ele ser utilizado como base para todas as políticas públicas voltadas para o campo. O que significa dizer que elas estão sendo planejadas olhando para o retrovisor. “Os programas agrícolas estão todos sendo calculados com números de quase dez anos atrás”, afirma Florido. Quem trabalha com agricultura alternativa também se queixa da imprecisão dos dados. “O número de pessoas que trabalham no regime de agricultura familiar é diferente do de dez anos atrás. É preciso que haja um novo censo para a atualização destes dados”, defende Romier da Paixão Sousa, do Grupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia (GTNA).

É o caso de se perguntar como foi que o governo identificou as demandas e planejou seu Programa de Agricultura Familiar. O Ministério do Desenvolvimento Agrário foi procurado, mas por meio de sua assessoria disse que os cálculos do Pronaf “são muito complexos” e vêm “de várias fontes”, sem entrar em detalhes. Sobre o Censo Agropecuário, o Ministério do Planejamento não quis informar a causa dos sucessivos cortes da verba para a pesquisa.

Enquanto o Censo não vem, o país se vira como pode. No dia 29 de junho, o IBGE divulgou pesquisa sobre a produção agrícola dos municípios. Ela é feita por especialistas de 30 agências, que se reúnem para fazer previsões mensais sobre a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas. As previsões são comparadas com os números reais e ao final de um ano pode-se fazer um relatório retrospectivo das tendências da produção. Flávio Pinto, coordenador da pesquisa municipal, reconhece que ela não tem a abrangência do Censo. “A pesquisa que nós realizamos não é feita diretamente com os produtores. Além disso, abordamos apenas quanto é produzido”. A pesquisa descobriu, por exemplo, que o Mato Grosso sozinho é responsável por 29,3% da soja produzida no país.

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