Reportagens

Ataque aéreo

Um rally de helicópteros irrompeu nos céus da Serra da Bodoquena (MS), tirando a paz dos amantes da natureza. Está cada vez mais difícil encontrar sossego.

Juliana Tinoco ·
20 de julho de 2005 · 19 anos atrás

Seis horas de caminhada pela mata fechada até se aproximar dos espetaculares 156 metros de queda d’água da Boca da Onça, maior cachoeira do Mato Grosso do Sul. E então, quando se está ali, curtindo o isolamento em estado de plena natureza, algo acontece. 

Surge no céu um helicóptero. Depois outro, e mais muitos outros, num inesperado ataque aéreo aos céus do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, a cerca de 30 km de Bonito.

O biólogo e fotógrafo Daniel de Granville (foto acima) observava aves no entorno do Parque quando testemunhou esta cena surpreendente. Na verdade, como estava cercado de mata fechada, não conseguiu contabilizar o número de aeronaves que sobrevoaram a área. Parecia sempre a mesma, passando várias vezes. Mas assim que encontrou um funcionário da fazenda onde fica a cachoeira, teve a confirmação de que não foi um delírio. “É um rally de helicópteros”, disse o bem informado peão.

De fato, 82 empresários de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal juntaram suas 18 máquinas voadoras no início de julho para percorrer paisagens naturais, na segunda versão de um evento aéreo batizado de “Redescoberta do Brasil”. A partida foi em Goiânia, capital de Goiás, no dia 2 de julho e a chegada justamente em Bonito, no dia 10, após ter percorrido Brasília, Pirenópolis, Chapada dos Guimarães e Corumbá. Em 2004, foram 40 participantes em oito helicópteros.

“Sei que foi um fato isolado, mas se esta atividade vier a crescer, gerará um sério conflito de interesses”, diz Daniel, que como bom amante da natureza, preza a tranqüilidade para homens e bichos. O que definitivamente não combina com barulhentos e ventosos vôos rasantes. Ainda mais num Parque Nacional. “Acredito estar me antecipando e dando o alerta para que Bonito pense nesta questão antes que a situação fuja de controle. Dá para conciliar contemplação de natureza com helicópteros? Caso positivo, ótimo. Se não, quem terá prioridade? O que é melhor para a população, para o ambiente, para os visitantes?”, questina Daniel.

O biólogo lembra que, em Foz do Iguaçu, no Paraná, um conflito semelhante colocou os vôos de helicópteros no centro de uma discussão sobre os limites das atividades de ecoturismo em locais de preservação ambiental. Em Minas, viveu outra experiência semelhante. “No réveillon de 2002 para 2003, eu estava com minha namorada no Parque Nacional da Serra da Canastra, perto de uma das cachoeiras mais famosas da região, quando dois helicópteros circularam pela área e pousaram no local para tirar fotos. O barulho foi insuportável e minha preocupação maior foi com o pato-mergulhão, espécie ameaçada de extinção que vive na área“, conta Daniel, que faz questão de frisar que é a favor do desenvolvimento, “desde que feito de maneira ordenada e criteriosa”.

Enquanto os dois aviões semanais que chegam a Bonito podem ser proibidos de operar por falta de licença ambiental do aeroporto, sobre vôos de helicóptero na região não há qualquer regulamentação. Seria possível restringir o trânsito de aeronaves sobre o Parque Nacional da Serra da Bodoquena simplesmente estabelecendo essas regras no plano de manejo. Mas como o Parque ainda não tem plano de manejo, a paz na floresta continua a critério do bom senso dos donos de helicópteros.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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