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Os pulmões agradecem

Qualidade do ar em São Paulo melhorou no ano passado. Renovação da frota de automóveis e fiscalização reduziram a poluição. Mas o ozônio ainda preocupa.

Aline Ribeiro ·
3 de abril de 2006 · 18 anos atrás

Os paulistanos têm um bom motivo para comemorar. Com direito a mais fôlego para encher bexigas e soprar língua-de-sogra. Um relatório divulgado no dia 28 de março pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) mostra que a qualidade do ar na região metropolitana de São Paulo apresentou melhoras em 2005.

Segundo o documento, os níveis de monóxido de carbono e partículas inaláveis só ultrapassaram uma vez, cada um, os limites máximos durante o ano passado. Em 2004, os limites de monóxido de carbono foram ultrapassados cinco vezes. No caso das partículas inaláveis, os níveis toleráveis foram superados sete vezes. Na prática, a boa notícia representa redução de mortes ocasionadas pela exposição à poluição, além de diminuição dos gastos com internações e medicamentos para a rede pública.

Gerente da Divisão de Tecnologia de Avaliação da Qualidade do Ar da Cetesb, Jesuíno Romano desconsidera a hipótese de uma curva descendente da poluição para os próximos anos. “O nível de emissões também depende das condições meteorológicas, que não temos como controlar”, afirma. A companhia só pode confirmar a tendência se os índices diminuírem por pelo menos cinco anos consecutivos.

O que não minimiza os resultados positivos de 2005. O estudo aponta, por exemplo, que o total de monóxido de carbono emitido pelas motos foi de 245 mil toneladas, 16 mil a menos do que o registrado em 2004. “Isso ocorre por uma provável renovação da frota. As pessoas sentem a necessidade de trocar as motocicletas, que têm vida útil muito pequena quando comparadas aos automóveis”, opina Romano. Os modelos fabricados em 2000 saíam da fábrica emitindo 12 gramas de monóxido de carbono por quilômetro rodado. Hoje o índice máximo permitido é de 3,13 g/km.

Com os automóveis acontece parecido. Mesmo com a frota de carros crescendo anualmente, a emissão tem diminuído. Nos anos 80, um automóvel emitia, em média, 33 gramas de monóxido de carbono por quilômetro rodado. Hoje sai da montadora com o índice de 0,34. “Se tirarmos um carro antigo de circulação, podemos colocar quase cem novos no lugar e teremos a mesma emissão de poluentes”, diz Jesuíno Romano. Rodam hoje, em São Paulo, 6,2 milhões de veículos licenciados pela Cetesb.

Mais controle

Fator essencial para a melhoria da qualidade do ar é o programa de controle das emissões veiculares. Em 1976, a Cetesb começou a autuar ônibus que emitiam fumaça preta. Mas só em 1988 passou também a multar caminhões e caminhonetes. Os ganhos ambientais foram consideráveis. Conhecida como Caça-fumaça, a operação, intensificada nos meses de inverno, levou à diminuição de veículos desregulados de 45% em 1995, para 5,9%, em 2005. “Mexeu no bolso dos motoristas. Hoje a taxa chega a 600 reais. Se for reincidente, paga o dobro”, comenta Romano.

A modernização das montadoras também contribuiu para arejar o ar paulistano. Muitas fábricas se adequaram às normas de emissões exigidas por lei, outras passaram a utilizar o gás natural no lugar do diesel. Nas últimas décadas, houve também um deslocamento das unidades para o interior do estado. “Vale dizer que é um processo longo, que não acontece de uma hora pra outra”, afirma o técnico da Cetesb.

Ozônio

Apesar da boa notícia, os paulistanos ainda precisam ficar atentos em relação aos níveis de ozônio na capital. “O ozônio é um poluente secundário formado a partir dos hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio, em contato com a luz solar. Por isso é muito difícil controlá-lo. Mesmo reduzindo os precursores, a formação do gás não diminui, porque a luz solar é abundante. Precisamos descobrir quais os principais compostos orgânicos mais voláteis, para combatê-los”, diz o técnico da Cetesb. Em 2004, foram 117 registros acima dos limites. Em 2005, foram 89.

A emissão de ozônio também preocupa no interior do estado. “Como no interior as temperaturas são normalmente elevadas, a formação do gás é favorecida”, explica Romano. O destaque negativo fica com o município de Paulínia, que registrou 19 dias acima do padrão em 2005. Em 2004 o quadro foi ainda pior, quando os níveis foram excedidos 30 vezes.

Em relação aos outros poluentes, chamam atenção os índices de Cubatão. A poluição na cidade que ficou conhecida como uma calamidade ambiental tem sido amenizada ao longo dos anos, mas ainda está longe do ideal. Na Vila Parisi, onde se concentra grande parte das indústrias, os níveis de poluição por material particulado são os mais elevados do estado.

Saúde pública

Estudos realizados pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) já comprovaram que, quanto mais baixo o nível de poluição do ar, menores os índices de mortalidade e doenças. Alfésio Braga, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP, exemplifica com números. “Do início dos anos 90 até meados de 2000, constatou-se a redução de 33% do material particulado inalável na região metropolitana de São Paulo. Neste mesmo período, o número de mortes atribuídas à poluição caiu de 12 para 8 por ano”, atesta Braga.

Pesquisas da USP estimam que se os níveis de poluentes fossem reduzidos em 40% nos próximos 10 anos, os custos relacionados à saúde pública seriam de 8 a 10 bilhões de dólares menores.

Para Alfésio Braga, já passou da hora de se voltar as atenções para o problema do ozônio. “Tivemos o controle de todos os tipos de gases, menos desse. As altas taxas de ozônio podem até alterar as estimativas positivas que temos para o futuro em relação aos gastos com saúde pública. Pode ter ficado tarde demais”, alerta.

“Tentamos resolver um problema por vez”, argumenta Jesuino Romano. No ano que vem, a Cetesb pretende dar início a um estudo que buscará entender as principais características do processo da formação do ozônio, em parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). A avaliação deve ficar pronta até 2009.

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