Reportagens

Música certificada

Escola de Lutheria da Amazônia fez sucesso na II Feira Brasil Certificado. Instrumentos feitos com madeira sustentável foram aprovados pelo músico Nando Reis.

Aline Ribeiro ·
20 de abril de 2006 · 18 anos atrás

Na II Feira Brasil Certificado, realizada em São Paulo, um estande chamava a atenção de quem passava. Belos instrumentos musicais tomavam forma, ganhavam vida pelas mãos de alunos da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela), uma instituição que há oito anos oferece a adolescentes da periferia de Manaus a oportunidade de se tornarem luthiers – o conhecedor da arte de fazer instrumentos musicais manualmente. A presença da escola na feira é algo a se comemorar: esta é a única organização em todo o mundo que fabrica instrumentos musicais acústicos com o selo FSC – o que significa que a madeira utilizada no processo é certificada, ou seja, vem de uma floresta cujo manejo é sustentável. As práticas socioambientais adotadas pelo projeto são revertidas em material de qualidade, aprendizado para os alunos e, claro, a preservação das matas. Quem testou os resultados desse trabalho foi o cantor e compositor Nando Reis, que no segundo dia do evento deu uma passadinha no estande para dedilhar alguns acordes.

“Talvez vocês não tenham idéia da emoção que é, para um amante de violão como eu, poder tocar num instrumento que escala a floresta. A beleza da vida está presente em cada traste, em cada detalhe da madeira entalhada.” Foi essa a mensagem que o cantor e compositor deixou aos integrantes do projeto, depois de experimentar os instrumentos que acabara de conhecer. Literalmente. O ex-Titã nunca tinha tocado um instrumento musical feito pelas mãos de um luthier com madeira certificada. O próprio Nando Reis não escondeu a surpresa e a satisfação.

Este prazer ele deve ao trabalho do luthier Rubens Gomes, idealizador da Oela, que em 1998 deu início aos trabalhos em Manaus. “Todos os dias abria os jornais e via notícias de adolescentes se mutilando. A violência era cada vez maior. Por acreditar no talento do amazonense e dispor de uma diversidade imensurável de recursos naturais, pensei em montar este projeto”, lembra Gomes. “Hoje estamos aí, com o que você está vendo. Trinta e oito alunos formados, alguns com seu próprio ateliê, outros tocando projetos importantes no Acre e em Roraima.”

Hoje, 75 adolescentes entre 14 e 21 anos freqüentam as oficinas de lutheria da Oela. O curso dura dois anos e, ao final do período, o formando deve concluir uma espécie de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que vem em forma de instrumento. Beatriz Ferreira Garcia, 15 anos, optou pelo cavaquinho. “A pessoa tem de ter dom, senão não adianta. Depois que comecei a entender a lutheria, passei a gostar mais do curso”, confessa. A seis meses de terminar as aulas, ela também cursa a escola regular (uma exigência para se matricular na Oela) e intercala o tempo livre com outros aprendizados: marchetaria e informática, igualmente oferecidos pelo projeto de Gomes.

Em 2001, quando a escola já funcionava a todo vapor, um importante luthier cubano passou a integrar o projeto. Raul Lage, amigo de longa data de Gomes, veio ao Brasil para criar e coordenar o Laboratório de Linha de Produção Semi-industrial de Lutheria. A unidade serviu como embrião de um curso técnico que atualmente passa por processo de regulamentação no Ministério da Educação (MEC), visando a real implantação do Curso Técnico de Lutheria, voltado à formação profissional para produção industrial. Hoje, o laboratório tem capacidade para produzir 15 instrumentos num período que varia entre 15 a 45 dias. “Não sei qual a sensação de dar a luz, mas acredito que a emoção deve ser parecida”, comenta Lage, ao descrever a sensação de ver cada modelo finalizado. É ele, ao lado de outros dois ex-alunos da Oela, que ensina como fazer instrumentos musicais aos adolescentes de Manaus.

Produção

Fabricados com resíduos de madeira típicas da Amazônia, recebidos de madeireiras certificadas pela FSC, os instrumentos feitos na oficina são vendidos e o aprendiz fica com 40% do valor e 60% são destinados à reposição de madeira no laboratório. Rubens Gomes conta que cada instrumento pode ser vendido por mil a 1.500 reais, dependendo do modelo. Na Oela, os alunos constroem violões (clássicos e de sete cordas), cavaquinhos (clássicos e especiais), viola caipira, bandolim e guitarra.

As espécies de madeira utilizadas no processo de fabricação são pau rainha, tauari, marupá, preciosa e breu branco. Raul Lage explica que, na década de 90 (quando construía instrumentos musicais em Cuba), as “tábuas” eram de melhor qualidade. “Como ainda não cuidávamos das nossas florestas, espécies como o jacarandá foram extintas. A certificação é uma forma de garantirmos que ao menos as que usamos hoje existam no futuro.” Para que isso aconteça, é preciso criar a consciência da necessidade da certificação. “Por isso é importante que artistas como Nando Reis abracem a causa. Precisamos de pessoas que exerçam poder sobre os jovens. Temos de pensar que 86% da madeira produzida na Amazônia são consumidas no Brasil e que, se não preservarmos, nem instrumentos musicais teremos mais”, ressalta Gomes.

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