Reportagens

O petróleo de Abrolhos

Zona de amortecimento do Parque Nacional volta à berlinda. Setor de petróleo e gás quer rever a portaria do Ibama que exclui atividades no entorno do arquipélago.

Gustavo Faleiros ·
28 de setembro de 2006 · 18 anos atrás

Ganhou-se a batalha, mas não a guerra. A zona de amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, criada através de uma portaria do Ibama em maio após intensa mobilização de organizações não-governamentais, é novamente alvo de discussões sobre sua função e tamanho. Desta vez quem questiona a área de transição que rodeia o arquipélago é o setor de gás e petróleo.

Um grupo de trabalho interministerial foi criado na Casa Civil da Presidência da República e já começa a discutir um novo desenho para a faixa marítima que se estende por 450 km entre os litorais da Bahia e Espírito Santo (ver mapa ao lado). Participam do grupo Ibama, Ministério de Minas e Energia (MME), Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional do Petróleo (ANP). 

A zona de amortecimento de Abrolhos foi criada às pressas pelo governo federal para barrar um grande empreendimento de criação de camarão que se instalaria no munícipio de Caravelas (BA), a apenas poucos quilômetros do Parque Nacional. Embora a portaria tenha causado uma estrondosa revolta de políticos locais, que tentam derrubar a medida com pedidos de liminar na Justiça Federal, a verdade é que foi nos gabinetes do MME em Brasília que a norma do Ibama não pegou bem.

No texto da Portaria 39, em seu artigo 3º, a exploração de hidrocarbonetos se tornou totalmente proibida em aproximadamente 80% da zona de amortecimento, o que frustra as esperanças de se encontrar ali ricas jazidas de petróleo e gás. A esta ‘área proibida’ chamou-se de zona de exclusão, uma figura que não existe na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (9.985/ 2000) e até então não havia sido utilizado em nenhuma outra unidade de conservação no país.

O mal estar criado pela portaria se deve também ao fato que, há três anos, a ANP escuta os pedidos do setor ambiental do governo federal e retira de suas rodadas de concessão os blocos de exploração próximos a Abrolhos. Quando, o Ibama criou a zona de amortecimento do arquipélago, ninguém do MME foi consultado e, em uma simples canetada, áreas de perfuração já concedidas entraram na zona de exclusão. Por isso, a revisão mais imediata que deve sofrer a faixa de amortecimento é nas partes em que ela avança sobre a costa do sul da Bahia. Ali, nos municípios de Mucuri e Nova Viçosa, existem concessões da Petrobras obtidas nas rodadas de 2004 e 2006.

O diretor de Ecossistemas do Ibama, Valmir Ortega, garante que a mudança em Abrolhos não será significativa, haverá uma diminuição apenas nas bordas da área que foi estabelecida como de amortecimento. Em sua opinião, o esforço para barrar o avanço da carcinicultura no litoral baiano acabou por gerar erros no desenho da faixa de proteção do arquipélago. Para que o bom diálogo com o setor de petróleo e gás seja mantido, decidiu-se criar o grupo de trabalho na Casa Civil. Ortega reitera, no entanto, que as regras rígidas para o licenciamento de empreendimentos de carcinicultura continuarão a existir.

Questão mais profunda

Porém, a querela que se coloca sobre Abrolhos não diz respeito apenas a uma correção “nas bordas”. Um representante do MME, que foi indicado pela assessoria de imprensa para conversar com O Eco como um porta-voz do órgão governamental, afirmou que a validade da zona de amortecimento está em dúvida pois ela foi criada com base em estudo feito por uma coalização de ONGs. O posição do MME é que se deve analisar a proibição de quaisquer atividades na zona de exclusão baseando-se em novos estudos, desta vez comissionados pelo próprio governo. O edital para a realização de novos levantamentos na região de Abrolhos será publicado em breve, garantiu o representante do MME

O que não está claro é a ordem em que as medidas sairão do grupo de trabalho na Casa Civil. A diminuição da faixa de amortecimento na costa não deve gerar polêmica, já a situação em que ficará a proibição de exploração de petróleo e gás nas proximidades do Parque é a grande dúvida. As ONGs têm defendido que a restrição estabelecida pelo artigo 3º da Portaria 39 só pode ser revista quando o novo estudo estiver pronto.

De acordo com o coordenador regional do Intituto Baleia Jubarte, Eduardo Camargo, o estudo das ONGs que embasou a portaria do Ibama não foi tendencioso. Foram usados dados ponderados (e não os de situações extremas) sobre correntes marítimas e climas para demonstrar quais seria a dinâmica da dispersão de um vazamento de óleo nas proximidades do Parque Nacional. “Se o problema são os limites costeiros da zona de amortecimento todas as partes estão dispostas a discutir, mas o debate sobre a zona de exclusão tem que ser feita com argumentos técnicos e não políticos”, protesta Camargo.

Mas eliminar o componente político-econômico do debate é praticamente impossível. O limite sul da zona de amortecimento de Abrolhos, que se estende até o paralelo 19º S, próximo à cidade de São Mateus no Espírito Santo (ver imagem ao lado), é atualmente uma das áreas de maior atenção do setor de petróleo e gás. Existem indícios que a bacia sedimentar desta região possa garantir o suprimento de petróleo leve ao Brasil, um produto que o país ainda importa mesmo sendo autosuficiente em petróleo pesado. Além disso, já se sabe que ali existe muito gás, e a posição do governo é que, em tempos de crise com a Bolívia, está na hora de buscar mais gás em terras próprias. 

Não à toa, a ANP vem concedendo muitas licenças de exploração na bacia sedimentar do Espírito Santo. Até agora, apena um bloco (BM-ES-20) se aproximou de Abrolhos, e no ano passado, ele teve sua licença negada pelo Ibama. A maioria dos blocos está dentro da zona de amortecimento, mas não na chamada zona de exclusão. A Petrobras possui boa parte destas concessões, mas acompanha a discussão sobre Abrolhos de longe. Funcionários que não quiseram se identificar disseram que a empresa decidiu não participar da discussão no governo para não atrapalhar a boa relação que estariam criando com os órgão ambientais. Aliás, o cuidado ao falar também marcou as pontuações do porta-voz do MME. “Queríamos deixar claro que qualquer discussão nossa está pautada por profundo respeito ao meio ambiente”, frisou.

O especialista em políticas públicas e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Roberto Simões, tem o palpite de que o apelo do crescimento econômico gerado pela exploração do petróleo na costa do estado será maior que o da conservação. Tal qual já ocorre no Campo de Golfinho, localizado próxima a costa de Vitória, os prefeitos do norte do Espírito Santo querem receber os recursos dos royalties do petróleo. “Não existe no estado, um setor de turismo bem organizado, dependendente das belezas naturais, que se coloque como um força contrária às vantagens da exploração do petróleo”, resume.

Valmir Ortega, do Ibama, afirma que a discussão sobre qual será a nova feição da zona de amortecimento de Abrolhos não está contaminada por pressões políticas. “São questionamentos legítimos, que estão relacionados com interesses do país”, ele pondera. O diretor do Programa Marinho da Conservação Internacional, Guilherme Dutra, concorda que o debate com o setor de petróleo deve ocorrer, mas crê que se a zona de exclusão da faixa de amortecimento deixar de existir, será um “retrocesso considerável”. “A discussão sobre a zona de amortecimento só será valida se não houver decisões de cima para baixo”, alerta Dutra.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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