Início de década tende a estimular balanços sobre a década que passou e sobre a futura. Neste artigo sigo esta tendência ao discutir sobre o desenvolvimento rural da Amazônia.
Na última década, a produção agropecuária na Amazônia cresceu grandemente, mas sujeita a muitas críticas, especialmente pelo aumento da área desmatada para novos plantios. As críticas se intensificaram à medida que as evidências das mudanças climáticas ficaram mais claras e foram popularizadas (ex: relatório das Nações Unidas sobre mudanças climáticas de 2007 e filme Uma Verdade Inconveniente) e do registro de que o desmatamento contribuiu com mais da metade das emissões de gases do efeito estufa no Brasil (ex: relatório do Ministério da Ciência e Tecnologia de 2004).
A explosão do desmatamento no meio da década passada estimulou reações de ambientalistas e do poder público. O governo federal aumentou a fiscalização e usou novos métodos como a apreensão de gado criado em áreas desmatadas ilegalmente (Operação Boi Pirata) e o embargo econômico destas áreas. A área embargada deve ser reflorestada – ou regenerada naturalmente – e quem comprar produtos agropecuários destas áreas pode ser penalizado.
Em 2006, uma campanha do Greenpeace fez com que grandes compradores de soja se comprometessem a não comprar os grãos oriundos de novos desmatamentos. Em 2009, uma ação do Ministério Público no Pará fez com que frigoríficos se comprometessem a não comprar gado de fazendeiros que desmatam ilegalmente e que se neguem a iniciar a regularização ambiental e fundiária de suas fazendas. Governos estaduais e federal também criaram áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) que equivalem hoje a cerca de 40% do território da região.
Na segunda metade da década o desmatamento diminuiu por causa da pressão social e pública e por causa da queda dos preços de produtos agropecuários, especialmente da carne e da soja. Em 2009 o desmatamento foi de cerca de 7.000 km2, o menor desde o início do monitoramento anual.
Entretanto, essa boa notícia tem estimulado outro debate: o combate ao desmatamento reduziria o crescimento agropecuário na região? Felizmente, é possível manter e até aumentar a produção agropecuária da região sem novos desmatamentos. Esse cenário seria possível por meio do aumento da produtividade do uso das áreas desmatadas. Segundo a Embrapa, seria possível até dobrar a produção sem novos desmatamentos. Porém, é preciso tornar a região atrativa para os investimentos em produtividade enfocando na correção de falhas de políticas públicas e em apoio.
Acabar o subsídio pelo uso da terra.
Quando alguém ocupa uma terra pública e não paga pelo seu uso, se torna mais lucrativo desmatar novas áreas do que investir no aumento da produtividade das áreas já desmatadas. Portanto, para incentivar o uso mais produtivo das áreas desmatadas o governo deverá fazer a regularização fundiária por meio da venda da terra ou do arrendamento pelo uso das posses irregulares na região. Em 2009, o governo federal iniciou o programa Terra Legal para regularizar 67 milhões de hectares. Este programa considera apenas parcialmente a solução do problema, pois ainda oferece subsídios para a regularização fundiária como doação de terras, descontos para quem ocupou a terra por mais tempo e prazos muito longos para pagamento. Assim, é necessário acabar com os subsídios deste programa
Adensar e melhorar a infra-estrutura e os serviços no meio rural
Este tipo de investimento (ex: estradas, energia, educação e saúde) melhoraria as condições para que o setor privado investisse na melhoria da produtividade de uso do solo. Considerando que os recursos públicos são escassos, os governos deveriam adensar e melhorar a infra-estrutura nas áreas mais ocupadas na Amazônia em vez de expandi-la em novas fronteiras (ex: asfaltamento da BR-319) com baixa densidade populacional. A extensão de estradas na região indica a magnitude e complexidade da demanda por investimentos em infra-estrutura na Amazônia. Um levantamento do Imazon demonstrou que até 2008 existiam 414 mil quilômetros de estradas na região, dos quais 307 mil eram estradas informais (74%) abertas principalmente por madeiros e fazendeiros. A priorização das estradas a serem mantidas deveria considerar o retorno socioeconômicos dos investimentos públicos necessários em vez de simplesmente por interesses privados. O Zoneamento Econômico Ecológico seria uma importante ferramenta para a identificação das microrregiões prioritárias para receber estes investimentos.
Se a ocupação gratuita ou subsidiada de terras públicas na Amazônia continuar, não será atrativo investir em produtividade das áreas desmatadas. Sem investimentos inteligentes em infra-estrutura e serviços na região, é provável que muitos produtores vão preferir investir em outras regiões do país com melhor infra-estrutura ou vão desmatar em novas fronteiras.
Paulo Barreto, 42, é pesquisador sênior do Imazon onde trabalha há 19 anos. Publicou cerca de 70 trabalhos técnicos, incluindo 11 livros e 22 artigos em revistas científicas. Internautas já baixaram mais de 9,000 cópias de seus trabalhos do site do Imazon.É mestre em ciências florestais pela Universidade Yale nos Estados Unidos.
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