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Realeza morta

Tentativa de salvar gavião real ferido a tiro em assentamento na Amazônia termina em frustração, mas continua luta para salvar uma das maiores aves de rapina do mundo.

Vandré Fonseca ·
24 de janeiro de 2008 · 16 anos atrás

O gavião-real, um macho adulto com 90 centímetros de altura, foi encontrado na sexta-feira, dia 18 de janeiro, por agricultores no Projeto de Assentamento Vila Amazônia, município de Parintins. Ele tinha uma cápsula de chumbo na região abdominal do tamanho de um caroço de azeitona e estava com a asa esquerda muito machucada. “Chegou a Manaus em estado crítico, com lesões abertas há uma semana e infecção generalizada”, segundo o veterinário Diogo Faria, coordenador do Centro de Triagem do Ibama na capital amazonense.

Em seus dias de agonia, a ave fez radiografias, recebeu antibióticos, vitaminas e hidratação, na tentativa de que melhorasse. Não adiantou. Os veterinários pensaram em amputar a asa, para salvar o bicho. Não deu tempo de tomar a decisão. Na segunda-feira, no procedimento para iniciar a cirurgia, o gavião-real morreu.

Foi o terceiro indivíduo da espécie a dar entrada no Centro de Triagem. Apesar de todos os anos aparecerem harpias feridas à bala no Amazonas, esta é a primeira vítima de tiros dentro da área monitorada pelo Projeto Gavião-Real, que estuda a espécie e ensina os agricultores do assentamento rural a preservá-la.

Ainda é preciso fazer um teste de DNA para confirmar se o macho fazia parte de um dos casais monitorados pelo projeto, mas tudo indica que sim. Ele foi encontrado em um lugar que fica entre quatro ninhos monitorados, no meio do assentamento. Como era um adulto, já tinha território estabelecido. “Se fosse um jovem, que ainda tenta se estabelecer, poderia ter vindo de qualquer lugar, mas como é um adulto só pode ser dali”, afirma a coordenadora do projeto, a bióloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Tânia Margarete Sanaiotti.

Tânia Sanaiotti não esconde a tristeza da morte de um animal dentro da área escolhida para protegê-lo. “Foi bem desanimador, a gente tem um baque quando tem um retrocesso como este”, conta a pesquisadora. “Demonstra que sempre vai haver caçadores e aquela parcela que não foi sensibilizada ou para quem a informação não chegou”, completa.

A bióloga lamenta também a conseqüência da morte deste indivíduo para a população local de gaviões reais. Os cientistas acreditam que a espécie seja monogâmica, se acasale com apenas um indivíduo durante toda a vida. Se isto for confirmado, então não vão nascer filhotes naquela área por um bom tempo, até que chegue outro casal para ocupar o espaço.

Monitoramento por satélite

Na área de 200 quilômetros quadrados cobertos pelo projeto Gavião Real já são conhecidos 12 ninhos diferentes, oito deles monitorados com ajuda de estudantes da região, que recebem bolsas de iniciação científica. Entre as ações do projeto, está o monitoramento de um filhote através de satélite. Os dados são repassados pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe). Números de setembro a novembro do ano passado mostram que o filhote já faz vôos de 150 metros de distância do ninho e retorna.

Os 80 % de reserva legal, obrigatórios por lei na Amazônia, garantem um bom espaço para a ave, mas de vez em quando, ao desmatar a floresta para fazer roças, os agricultores se deparam com ninhos. O projeto tenta convencer os agricultores a manterem as árvores do gavião-real em pé.

Dar bolsas de iniciação científica para filhos de agricultores é um dos argumentos usados para convencer os moradores a se engajarem na preservação da espécie. É uma forma de compensar o dinheiro que o agricultor deixa de receber pela árvore derrubada. Uma sumaúma pode ser vendida na região a R$ 100,00. Existem espécies que podem valer até R$ 300,00.

Das 52 comunidades existentes dentro do assentamento, 23 estão incluídas nas ações. O início do projeto deve muito à comunidade do assentamento. Em 2001, os agricultores procuraram o Ibama para salvar um filhote de harpia que era caçado na área. O Ibama buscou o Inpa, que foi atrás de recursos para o projeto, que no início monitorava apenas dois casais.

Os estudantes ajudam a difundir a importância de preservar o gavião-real, levando o que aprendem no projeto para a sala de aula. E todos os anos, no mês de novembro, é realizada uma feira de ciências no assentamento.

O esforço parece ser recompensado. “Aqueles agricultores que têm ninho perto, vêem o bicho passar com macacos por cima da casa e não atiram”, diz a pesquisadora do Inpa. O problema é a presença de caçadores de outras áreas. “Eles estão na mata e atiram por medo ou também para comer”, conta Tânia.

Realeza

O gavião-real é uma das maiores ave de rapina do mundo. A fêmea chega a 2,5 metros de envergadura e 10 quilos de peso. É capaz de carregar macacos, preguiças e até filhotes de ovelhas graças às suas potentes garras. Mas tem um ciclo reprodutivo demorado, 3 anos. Tânia Sanaiotti conta que depois de chocar o ovo durante dois meses, os pais acompanham o filhote por quase dois anos e meio. É o tempo necessário para os primeiros vôos, que começam aos seis anos de idade, e para que o novo gavião real passe a se alimentar sozinho. Só depois deste tempo, o casal constrói um novo ninho.

É uma espécie que era encontrada em matas de quase toda a América, desde o México até o Norte da Argentina. No Brasil, além da Amazônia, existe em blocos preservados da Mata Atlântica e em áreas altas cobertas de árvores no Cerrado. Desde 2003, está no Apêndice da lista de espécies que correm risco de extinção do Ibama, na categoria de quase ameaçada.

O gavião-real escolhe árvores altas, como sumaúmas, castanheiras, jatobás e angelins-pedra para a construção do ninho. Uma vez escolhido o local, o ninho é sempre reconstruído ali. Caso a árvore seja derrubada, procura um ninho alternativo em um raio de um quilômetro de onde estava. Em cativeiro, vive até quarenta anos. Na natureza, ainda não se sabe.

Vandré Fonseca* é jornalista em Manaus

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