à população 5km de praia (foto: Domingos Luna)
Recife – Um observador da paisagem litorânea que conheça os dados científicos divulgados pelo Painel Intergovenamental de Mudanças Climáticas (IPCC) sobre o aumento do nível dos oceanos tem uma natural preocupação. A inquietação é maior para o morador da região metropolitana do Recife. A faixa de praia cada vez menor e as informações dos cientistas que analisaram informações sobre o clima são somadas a uma rotina de obras de contenção do mar feitas ao longo das praias de Jaboatão dos Guararapes, Recife, Olinda e Paulista.
No Recife, um novo trecho de 400 metros está recebendo pedras com peso superior a 1,2 tonelada, sacos de areia e elemento filtrante para proteger a mureta e calçadão da Avenida Boa Viagem – um dos principais cartões postais da capital de Pernambuco. Com a nova extensão, a praia mais conhecida do Recife ficará com uma linha de 2.600 metros de enrocamento (nome dado à proteção feita com pedras de diversos tamanhos que têm como missão retirar a energia das ondas e proteger a área urbanizada).
Ao sul, em Jaboatão dos Guararapes, o secretário de Meio Ambiente, Márcio Mendes, está revisando os últimos detalhes do edital que vai licitar a preparação de um projeto executivo para devolver à população ao menos 5 quilômetros de praia. A cidade tem ao todo 8 quilômetros de faixa litorânea, mas, ao longo das últimas décadas, viu sua opção de lazer mais democrática ser erodida. A paisagem foi modificada. O prejuízo se espraiou.
Economia local
Praia é conhecida como espaço recreativo, mas não é apenas isso. Em todo litoral de grandes cidades nordestinas é grande o número de comerciantes informais que vivem do que vendem na praia. Do picolé à cerveja, do protetor solar à ostra. Praia atrai turistas, que atraem hotéis. Jaboatão dos Guararapes viu nos últimos anos ao menos dois hotéis de alto padrão fecharem suas portas envidraçadas. Se não há praia, o mercado imobiliário não especula, os preços dos imóveis não são valorizados e a prefeitura arrecada menos com o IPTU. Os donos de imóveis para alugar também ganham menos.
A ideia do secretário Márcio Mendes é publicar, nos primeiros dias de novembro, edital para licitar um projeto de R$ 1 milhão para execução de uma obra para dar a praia de volta aos banhistas. “Vamos engordar a praia com o uso de 700 mil metros cúbicos de areia a ser retirada do fundo do mar”, informa Mendes. Ele diz que o plano é dragar grãos semelhantes aos da praia e criar uma faixa de 30 a 60 metros de areia. As pedras que fazem o enrocamento de contenção serão enterradas.
A solução em processo de licitação de projeto em Jaboatão dos Guararapes vai transformar o município em exportador de areia. Estudos do departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e vários trabalhos já apontaram que as correntezas costeiras movimentam os sedimentos do sul para o norte.
Ao norte de Jaboatão está o Recife, que enfrenta o mesmo problema e não tem a mesma programação para a solução. O Recife e de certa forma as outras cidades que enfrentam a erosão ao norte (Olinda e Paulista) aguardam um estudo metropolitano, que é coordenado pela Secretaria de Ciência e Meio Ambiente (Sectma), do governo do estado. A secretaria espera a coleta de dados mais completos do departamento de Oceanografia da UFPE.
A professora Tereza Araújo, especialista em geologia e geofísica marinha, lidera o grupo de monitoramento ambiental integrado que estuda a erosão costeira dos quatro municípios desde a década de 90. Os pesquisadores municiam estado e prefeituras com informações técnicas, estudos comparativos e análises que dão uma visão ampla do problema.
O exame das informações técnicas, o confronto de imagens aéreas em diferentes épocas, o apoio de geógrafos, especialistas em mapas e outros estudiosos muitas vezes leva a descobertas inesperadas. Por exemplo, o mar não está avançando na Região Metropolitana do Recife. A rigor, explica professora Tereza, a linha da costa recuou nos últimos anos. “A urbanização é que avançou sobre a área de interesse do mar”, explica.
Essa área de interesse, detalha Tereza Araújo, é aquela que não é tocada pelas águas do mar de forma rotineira. É um espaço que serve de retenção de sedimentos (areia), ajuda na infiltração das ondas, facilita a dissipação da energia da maré alta e participa do ecossistema costeiro. Sem essa área, ocorre a erosão. A praia perde sedimento, a faixa de areia fica menor e a impressão é que o mar avançou.
Avanço urbano
Em Boa Viagem, no Recife, uma obra simples, corriqueira em qualquer cidade litorânea, a construção da mureta da praia e o prolongamento do calçadão na Avenida Boa Viagem retirou da praia a vegetação costal, avançou sobre a área de interesse e o resultado são os 2.600 metros de enrocamento. Um custo de R$ 1,7 milhão por ano para o orçamento da cidade.
Em Olinda, quebra-mares e espigões procuram proteger a cidade patrimônio da humanidade das marés altas. O problema em Olinda começou nos anos 50, como consequência das obras que prepararam o Porto do Recife para receber navios de grande porte (o Porto do Recife está no limite da cidade com a vizinha Olinda).
As obras imediatistas em Olinda não encerraram o problema. Criaram outro no litoral ao norte, no Paulista. As praias do município começaram a perder faixa de areia, os imóveis próximos à praia começaram a sentir a força das ondas. A coordenadora do gerenciamento costeiro do estado, Andrea Olinto, conta que um prefeito do Paulista chegou a engordar a praia com areia. A ação teve sucesso, porque as ondas dissipavam sua força e não chegavam até os imóveis. Com nova área de interesse, a praia ficou maior e a água do mar mais distante. O prefeito foi reeleito e na gestão seguinte ele construiu uma avenida na areia da praia engordada. O mar voltou e a erosão também.
A secretaria de Meio Ambiente de Pernambuco trabalha agora em busca de uma solução conjunta para que a ação de um município não afete o vizinho ao norte. Contratou a empresa Coastal Planning, com experiência em serviços semelhantes nas praias de Miami, Flórida. A Coastal Planning, por sinal, foi a mesma empresa contratada pela prefeitura de Jaboatão, que se antecipou ao projeto estadual.
Assim que a decisão sobre que obra será feita for tomada, o passo seguinte é a apresentação do projeto para a coordenadoria de análise do departamento de obras hídricas do Ministério da Integração. Eluza Barra, a coordenadora, fará a análise técnica dos projetos e checará a conformidade dos elementos de acordo com a política estadual e federal.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) acumula uma quantidade grande de informações, obtidas através de convênio com universidades e centros de estudo, para possibilitar a modelagem costeira em um país que possui 8.500 quilômetros de litoral. O balizamento em uma área linear tão extensa, que banha 17 estados não é simples. A coordenadora do Projeto Orla do MMA, Márcia Oliveira, gostaria que os estados tivessem legislação semelhante à da Bahia, que proíbem edificações mais próximas do que 80 metros da linha do mar. “No entanto, mesmo na Bahia encontramos edifícios muito mais próximos do que recomenda a legislação”.
No MMA e em Pernambuco, governo e pesquisadores da Espanha estão entre os principais colaboradores. Os espanhóis, explica Márcia, desenvolveram tecnologia nessa área justamente por causa do enfrentamento do problema nas terras de Cervantes. “Lá, a legislação recomenda construções distantes 88 metros da linha do mar”, cita Márcia. No entanto, todo o litoral espanhol já foi ocupado. Em comparação com a Espanha, o Brasil ainda tem muito a urbanizar.
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