Reportagens

Dois repórteres na pista dos bilhões do BNDES

Durante dois meses, tentamos desvendar a trilha de investimentos do BNDES em projetos de infraestrutura na Amazônia: 44% está às escuras.

Bruno Fonseca · Jessica Mota ·
28 de novembro de 2013 · 11 anos atrás

Escrítorio BNDES no Rio de Janeiro.
Escrítorio BNDES no Rio de Janeiro.

A rotina se repetiu durante oito semanas: abarrotamos a pasta de downloads com planilhas e relatórios anuais, enviamos uma dezena de pedidos de acesso à informação e entrevistas, e consultamos uma série de organizações nacionais e estrangeiras.

Queríamos algo bem simples: listar todos os investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em projetos de infraestrutura na região amazônica. Ou seja, apenas uma fração do desembolso total, mas uma parte importante para entendermos a estratégia e os impactos reais deste banco público cujo objetivo é fomentar o desenvolvimento. A conclusão é: o BNDES é tão pouco transparente que é impossível que um cidadão saiba o que acontece com as dezenas de bilhões de reais que impulsionam a infraestrutura brasileira e a expansão de empresas nacionais no exterior.

Cabra-cega bilionária: 1 milhão de contratos no escuro

Imagine 156 bilhões de reais. Esta cifra impressionante é o que saiu BNDES apenas em 2012. Dinheiro público vindo, por exemplo, do Tesouro Brasileiro e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Ministério do Trabalho e Emprego. Para se ter ideia, toda essa quantia equivale ao PIB anual da Bahia, ou então aos PIBs somados de Acre, Alagoas, Amapá, Piauí, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins (dados do IBGE relativos a 2010). São dezenas de tipos de empréstimo, de diferentes linhas de financiamento – um universo que vai desde o cartão BNDES, voltado a micro, pequenas e médias empresas, ao financiamento bilionário da produção, exportação e comercialização de bens e serviços no exterior.

Nossa surpresa foi constatar que, dessa miríade de produtos e linhas de financiamento, pouquíssima informação é tornada pública.

Sob a alegação de sigilo bancário, o BNDES não publica os dados sobre operações indiretas automáticas, aquelas que são contratadas a partir de outros bancos e instituições credenciados e que, então, emprestam a partir do dinheiro do BNDES.

Ou seja, ficam fora do escrutínio público mais de 1 milhão de contratos firmados em 2012, que podem chegar a até R$ 20 milhões cada. Ao todo, um montante impressionante de R$ 69,5 bilhões. Em resumo, mais de 44% do que saiu do BNDES no ano passado está completamente às escuras.

Não é possível saber quem e quantos foram os beneficiados, quais foram os contratos assinados nem os impactos esse dinheiro trouxe para o país.

O BNDES tampouco disponibiliza os relatórios de avaliação da execução dos projetos financiados, que deveriam servir de fonte para que meios de comunicação e movimentos sociais tivessem conhecimento de possíveis problemas e infrações relacionadas às obras.

Há ainda diversos outros “segredos” guardados pelo banco. Apesar de disponibilizar informações sobre as operações diretas (aquelas nas quais empresta diretamente para o beneficiário) o BNDES não informa quanto do dinheiro acordado em cada contrato já foi desembolsado – essa informação é disponibilizada apenas para contratos realizados diretamente com estados e municípios (e não empresas). Trocando em miúdos, o BNDES não informa quanto já foi liberado para megaempreendimentos controversos como a usina de Belo Monte, que fechou acordos de mais de R$ 25 bilhões com o banco. A justificativa, novamente: sigilo bancário.

Para onde vai o dinheiro que sai do Brasil?

A atuação do BNDES no exterior é ainda mais cercada de mistérios. O banco não divulga os contratos de empreendimentos no exterior, mesmo depois de pedidos de acesso à informação. Além disso, o BNDES praticamente não discrimina a rota do dinheiro que sai do Brasil.

Trocamos nada menos que 27 e-mails com a assessoria do banco para tentar confirmar negociações referentes a projetos citados em releases das empresas, notícias da imprensa, acordos bilaterais disponibilizados pelo Itamaraty, dados divulgados pela IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul, projeto da Unasul). A resposta? “o BNDES não faz comentários sobre se um projeto está ou não sendo analisado pela instituição”, informou a assessoria, enviando um link para o site – onde o banco disponibiliza apenas parcialmente as informações a respeito de uma fração dos investimentos, como aquelas do setor EXIM, na modalidade pós-embarque (leia mais sobre o labirinto financeiro do banco aqui).

Pelos dados divulgados ao público, referentes apenas ao apoio às exportações pós-embarque, é impossível saber o nome projeto que recebe o dinheiro, exceto em alguns casos. A maioria costuma ser indicada pelo nome genérico de “exportações de bens”. Também não é possível saber valores individuais dos contratos.

A situação é ainda mais grave com os contratos da modalidade de pré-embarque (que inclui os custos de produção do bem a er exportado). São mais de R$ 6 bilhões em desembolsos, apenas em 2012, dos quais não se tem informação de para onde foram, e sob quais condições.

Uma caixa preta: mais da metade do que o BNDES envia para o exterior é completamente sigiloso; já a outra parte é divulgada com o mínimo de informação possível.

 

* A série BNDES na Amazônia é uma parceria de ((o))eco com a Agência Pública

 

 

Leia também
BNDES se internacionaliza e ultrapassa Banco Mundial
Na Panamazônia, o BNDES financia obras à moda brasileira

 

 

 

Leia também

Reportagens
21 de novembro de 2024

Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia

Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas

Notícias
21 de novembro de 2024

MPF afirma que Pará faz propaganda “irresponsável” de ações contra queimadas

Procuradoria da República no estado apontou “discrepância entre o discurso e a prática”; procuradores pediram informações a autoridades estaduais e federais

Reportagens
21 de novembro de 2024

As trilhas que irão conectar as Américas

Primeiro Congresso Pan-americano de Trilhas acontecerá em 2025, em Foz do Iguaçu (PR). Anúncio foi feito no 3° Congresso Brasileiro de Trilhas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.