Reportagens

“No Brasil, proteção ambiental ainda é vista como custo”

Para pesquisador, propostas que alteram limites de floresta e parque no Pará ameaçam cumprimento de metas de controle de desmatamento assumidas perante a comunidade internacional

Deutsche Welle ·
5 de junho de 2017 · 8 anos atrás
Tronco derrubado por desmatadores na Floresta Nacional do Jamanxim em Novo Progresso, Pará. Foto: Vinícius Mendonça - Ascom/Ibama.
Tronco derrubado por desmatadores na Floresta Nacional do Jamanxim em Novo Progresso, Pará. Foto: Vinícius Mendonça – Ascom/Ibama.

Nos próximos 15 dias, o presidente Michel Temer terá que decidir se as Medidas Provisórias 756/2016 e 758/2016, ambas aprovadas pelo Congresso, viram lei. Elas alteram os limites da Floresta Nacional de Jamanxim e do Parque Nacional de Jamanxim, no oeste do Pará.

Organizações como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) pedem o veto do presidente. Para a entidade, as propostas ameaçam a integridade da floresta e o cumprimento de metas de controle de desmatamento assumidas perante a comunidade internacional.

Segundo o Ipam, a Floresta Nacional do Jamaxim, principal unidade de conservação afetada pela decisão do Congresso, perderá 486 mil hectares. A desafetação dessa área seria uma vitória da grilagem: o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade calcula que 67,7% dos ocupantes entraram pouco antes ou logo após a unidade de conservação ser criada.

“Cortar esse pedaço da reserva para comportá-los é legitimar a ilegalidade ou, melhor dizendo, a grilagem”, critica Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam, em entrevista à DW.

Qual a mensagem o governo brasileiro transmite com essas medidas?

Falta de seriedade quanto aos compromissos assumidos perante aos brasileiros e a comunidade internacional. Um país que, de forma corajosa, assumiu reduções expressivas de emissões nacionais de gases de efeito estufa e, em especial, prometendo acabar com o desmatamento ilegal até 2030, passa agora duas MPs que legalizam a grilagem e que podem resultar em um aumento expressivo do desmatamento nos próximos anos. O Ipam estima que cerca de 160 milhões de toneladas de CO2 serão emitidos por estas MPs até 2030. Algo próximo ao que o país emite em um ano inteiro pelo seu setor industrial.

Áreas protegidas são criadas para cumprirem uma função – conservação da biodiversidade, conter avanço do desmatamento, etc. Na visão do Ipam, o que leva o governo a abolir essas áreas nesse momento?

Podemos adicionar às listas de funções das áreas protegidas aquela de manter o regime de chuvas funcionando. Algo que é fundamental inclusive para o agronegócio. Sem florestas, sem chuvas regulares, não há produtividade no campo. Mas o governo não parece atentar para este e outros benefícios de se manter florestas de pé. Parece ceder ao argumento, falacioso, de que o país precisa de mais áreas de produção agrícola no futuro e que manter florestas conservadas não resulta em crescimento econômico. Eles se esquecem que a região já tem mais de 15 milhões de hectares de áreas abertas e subutilizadas. Áreas que serviriam para expandir a agricultura.

Além disso, florestas protegidas são barreiras ao avanço da infraestrutura e à especulação com terras. Enquanto não houver uma visão mais ampla do que representa para o país e os brasileiros manter um clima saudável e um meio ambiente minimamente integro, continuaremos a ver vida sendo objeto de barganha político e interesses setoriais e não nacionais.

As taxas de desmatamento aumentaram, inclusive na Floresta Atlântica. Vocês acreditam que esse fato se deve a falhas nas políticas de combate ou a uma ação coordenada de quem tenta lucrar com o enfraquecimento da proteção ambiental?

“Proteção ambiental, infelizmente é visto ainda como custo para o país e para os chamados setores privados – e não como investimento ou, pelo menos, controle de risco. É o que explica o movimento que quer flexibilizar os procedimentos do licenciamento ambiental.”.

Proteção ambiental, infelizmente é visto ainda como custo para o país e para os chamados setores privados – e não como investimento ou, pelo menos, controle de risco. É o que explica o movimento que quer flexibilizar os procedimentos do licenciamento ambiental. Parte-se do principio de que quanto mais “burocracia” ambiental puder ser removida, melhor. Certamente há muita burocracia, mas há muitas salvaguardas importantes e procedimentos de proteção que precisam ser seguidos. No final do dia, o que se quer é desmantelar o licenciamento ambiental em prol do “progresso”. E de um modo totalmente esquizofrênico.

O próprio Ministério de Meio Ambiente foi, aparentemente, traído em sua proposição de um novo licenciamento, quando os ditos aliados do governo no Congresso mutilaram, sem aviso prévio, a proposta que o ministério vinha construindo com a participação de vários entes.

É temerário, num momento de fragilidade do governo, que várias conquistas da sociedade na proteção ambiental estejam sendo objeto de negociação.

Como as medidas provisórias votadas ameaçam os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e outros acordos internacionais?

Não fizemos o cálculo ainda. Mas, os prejuízos serão expressivos. Especialmente porque essas MPs representam um caminho para a legalização futura de desmatamento ilegal. Elas dão o sinal governamental de que a invasão de áreas protegidas pode ser realizada que o poder publico depois vai dar um jeito na situação. É a receita para uma nova onda de grilagem.

Com esse cenário, o Brasil deve perder a relevância nas negociações climáticas que ganhou nos últimos anos?

Está em risco de perder não apenas a relevância, mas a legitimidade conseguida a duras penas nos últimos dez anos. O país demonstrou, por exemplo, que é capaz de ter governança sobre o desmatamento na Amazônia.

A destruição da floresta caiu 80% de 2005 para cá. Foi o país que mais contribuiu com reduções efetivas de emissões. Algo equivalente a todo o ETS europeu, o qual envolveu vários países.

O desmatamento agora aumentou em 30%. As MPs devem dar uma força nesta tendência. Qual a explicação para os brasileiros e para o mundo que o Brasil dará eu ainda não sei, mas será algo bem difícil de engolir.

Republicado de Deutsche Welle.

 

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Comentários 1

  1. Gustavo Romeiro diz:

    Excelente texto!!! Realmente, vale a pena ler de novo!!! "Essas MPs representam um caminho para a legalização futura de desmatamento ilegal. Elas dão o sinal governamental de que a invasão de áreas protegidas pode ser realizada que o poder publico depois vai dar um jeito na situação. É a receita para uma nova onda de grilagem."
    Entretanto, gostaria de enfatizar uma ressalva: A teoria de que a produção deve se intensificar nas áreas já desmatadas esconde uma armadilha: Se a intensificação da produção for baseada no atual modelo altamente dependente de insumos externos (adubos, agrotóxicos, sementes industriais, mecanização pesada), a valorização dessas áreas acaba valorizando, por um efeito dominó, áreas de floresta em locais mais remotos para a utilização pela pecuária bovina extensiva.
    Neste avanço, geralmente acompanhado pela infraestrutura de transportes; grandes empresas de armazenagem e processamento de grãos, plantas frigoríficas e outras empresas vinculadas ao agronegócio se estabelecem e toda essa teia social acaba por consolidar a situação de desmatamento ilegal, que geralmente resta aceita e legalizada.
    Portanto, o que se constata na Amazônia Legal brasileira é que as cadeias produtivas de regiões inteiras acabam estreitamente ligadas ao desmatamento e à ilegalidade, sem que exista um desenvolvimento socioeconômico que justifique esse fato.
    Entretanto, mesmo com baixos índices de desenvolvimento humano, a opinião pública nessas regiões tende a atribuir a perspectiva de desenvolvimento econômico à necessidade de mais desmatamento, o que gera pressões políticas que inibem a eficiência das ações de controle oficiais.
    Tal pressão somente pode ser alterada por uma regularização e ordenamento fundiário sério e eficiente; por um controle oficial eficaz, com altas taxas de penalização efetiva; e pela valorização da biodiversidade nativa, a partir de produtos oriundos de sistemas agroflorestais que satisfaçam numa perspectiva crescente, a forte demanda por óleos, proteínas, carboidratos e madeira. Ou seja, a AGRICULTURA SINTRÓPICA!!!