Nos últimos sete anos, o Cerrado perdeu 128 mil quilômetros quadrados de vegetação e ganhou uma ninharia em áreas protegidas. No balanço histórico oficial, 48,2% do bioma já foram para o beleléu. Mas, daqui pra frente, tudo vai ser diferente. A promessa governista tomou forma em um pacotão anunciado hoje, projetado para conter o desmatamento, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e proteger milhões de hectares.
Pelos cálculos do Ministério do Meio Ambiente, a degradação anual do Cerrado lança na atmosfera tanta poluição quanto à emitida pela destruição da Amazônia. A informação pede uma revisão no plano nacional de mudanças do clima e no olhar da cúpula do governo e de outros ministérios para a dramática situação do bioma, aposta o ministro Carlos Minc. “Até hoje, o foco de atuação do Brasil e do mundo foi a Amazônia, enquanto outros biomas sempre foram relevados”, disse.
O coordenador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho ressaltou o alto impacto da degradação do bioma para a contribuição nacional ao aquecimento do planeta. “Além do desmate para abertura de frentes produtivas, o aquecimento global está trazendo secas anuais cada vez severas e prolongadas, elevando a probabilidade de incêndios florestais no Cerrado. Na Amazônia, eles emitem tantos gases estufa quanto o desmatamento”, ressaltou.
Conforme o especialista, a estréia do monitoramento continuado do Cerrado é um avanço fundamental para que ele deixe de ser o bode-expiatório da Amazônia. “Parte do governo e do setor produtivo pregam que não é preciso derrubar mais árvores na Amazônia, porque sempre há o Cerrado”, disse. “O país tem mais de cem milhões de hectares de pastagens degradadas que podem ser usados para atividades produtivas, principalmente no Cerrado e na Amazônia, mas ainda é mais barato desmatar. Por tudo isso o Cerrado precisa ser muito mais valorizado pelo poder público”, disse Moutinho.
Com ocupação desregrada e desenfreada desde os anos 1960, o Cerrado ainda cede espaço à agropecuária, que encontra cada vez mais resistências e menos espaço na Amazônia. Entre 2002 e 2008, o segundo maior bioma do país perdeu em média 21 mil quilômetros quadrados por ano. Essas taxas são mais altas que as verificadas na Amazônia, monitorada por satélite há mais de duas décadas. Por essas e outras que já sumiram do mapa 48,2% do Cerrado original. O índice é pouco menor que o adiantado por O Eco no dia 1º de setembro e 6,3% superior aos 41,9% de 2002. E no que resta, a vegetação é um mosaico altamente fragmentado. Porções mais íntegras de florestas, só no centro e norte do bioma.
Tamanha destruição se deve a atividades econômicas que sempre viram no Cerrado um terreno desimpedido para sua expansão. Os plantios de cana-de-açúcar ocupam boa parte do Triângulo Mineiro e São Paulo. Carvoejamento é registrado em Minas Gerais, oeste da Bahia e Goiás. A produção de soja avança sobre Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Piauí. As boiadas freqüentam mais os estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Enquanto queimadas e incêndios ocorrem em todo o Cerrado.
Municípios da degradação
Um terço da degradação do bioma se concentra em 60 municípios (imagem ao lado). Encabeçam a lista Formosa do Rio Preto, São Desidério, Jaborandi e Correntina, todos no oeste baiano, onde a vegetação nativa cedeu espaço ao plantio de grãos, como a soja. Mato Grosso, Minas Gerais, Tocantins e Goiás são líderes históricos em desmatamento. Maranhão, Bahia e Mato Grosso do Sul têm altas taxas de perdas de vegetação desde 2002.
O governo ainda não sabe quanto do desmatamento ocorreu em unidades de conservação e terras indígenas, ou quanto foi autorizado pelos órgãos ambientais. Mas reconhece que as derrubadas legais têm grande peso no Cerrado, onde as reservas florestais obrigatórias ocupam 20% das propriedades rurais. Na Amazônia, o índice é de 80%. E no Cerrado da Amazônia (áreas de transição) é de 35%. A pulverização das frentes de desmatamento é outra realidade. No Cerrado não há um arco do desflorestamento nos moldes amazônicos, mas várias regiões onde a área verde só encolhe.
Por isso a pasta ambiental avisa que R$ 400 milhões serão investidos até 2011 em fiscalização, incentivo a economias menos agressivas, melhorias do monitoramento por satélite e criação de áreas protegidas no Cerrado. O total de recursos pode crescer, com o programa de revitalização do São Francisco e outras empreitadas oficiais. Com ano eleitoral pela frente e poderosos interesses econômicos contra a proteção do Cerrado, é ver para crer. “A guerra para proteger o que resta do Cerrado será muito mais difícil do que a da Amazônia”, avaliou Minc.
O plano oficial de ação pelo Cerrado fica em consulta pública até 10 de outubro e pode ser acessado pela Internet.
Manter o que resta e recuperar a saúde do Cerrado é um desafio e tanto. Se não for cumprido, pode trazer impactos negativos para muito além das perdas de biodiversidade. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, proteger as mais de 12 mil espécies de plantas, animais e outras riquezas do bioma é importante para manter grandes rios do país, como o Tocantins e São Francisco, e até a capacidade brasileira para geração de energia nos moldes atuais. Metade do potencial hidrelétrico nacional (já explorado ou planejado) está no Cerrado.
Conservação atrasada
A gestão Lula/Marina Silva foi farta na criação de parques nacionais e outras unidades de conservação, mas fora do Cerrado. Desde 2006, nenhuma área foi oficialmente protegida no bioma. Antes disso, foram decretadas apenas as reservas extrativistas da Chapada Limpa (MA), Recanto das Araras de Terra Ronca e Lago do Cedro, ambas em Goiás, o parque nacional da Chapada das Mesas (MA) e a ampliação do parque nacional Grande Sertão Veredas (MG/BA). Juntas, somam a bagatela de 348 mil hectares protegidos no Cerrado desde 2003.
O bioma tem hoje 7,5% de seus mais de dois milhões de quilômetros quadrados em unidades de conservação federais e estaduais, 4,6% de uso sustentável, como reservas extrativistas e áreas de proteção ambiental. A Amazônia tem 24% de seu território protegido, três vezes mais que seu primo pobre, o Cerrado.
O governo espera proteger ao menos 10% dele até o fim do ano que chega. Assim, cumpriria metas internas e internacionais de conservação. Mas o buraco nas contas tem cerca de cinco milhões de hectares distribuídos em 22 propostas para unidades de conservação. O Ministério do Meio Ambiente só tem estudos prontos para 400 mil hectares, incluindo a criação ou a ampliação de reservas extrativistas e parques nacionais. Ao todo, 17 milhões de hectares de Cerrado são avaliados para possível proteção ambiental.
Na Casa Civil, há cinco propostas para criação de áreas protegidas, apenas uma no Cerrado, com cerca de mil hectares.
Atalho:
Monitoramento do Cerrado/MMA (PowerPoint 3,5 Mb)
Saiba mais:
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