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Retrospectiva eleições 2022: indígenas ampliaram representatividade na política

A campanha indígena marcou a luta dos povos originários para evitar o avanço dos retrocessos vivenciados durante o governo Bolsonaro. Mesmo com apoio de Lula, os próximos anos deverão seguir sendo de enfrentamento à bancada ruralista

Débora Pinto ·
30 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

As eleições de 2022 foram desafiadoras e determinantes para os povos indígenas brasileiros. Desde sua primeira campanha eleitoral, em 2018, o presidente Jair Bolsonaro (PL)  deixou clara qual era a sua visão de desenvolvimento e como enxergava as populações tradicionais de um forma nada sutil.  

Bolsonaro repetiu seguidas vezes que não demarcaria nem um centímetro de território indígena em sua gestão e, em discurso no clube A Hebraica do Rio de Janeiro, em abril de 2017, chegou a afirmar que os quilombolas do Vale do Ribeira, região paulista que guarda o maior remanescente de Mata Atlântica do país, não serviam nem para procriação, comparando o peso deles com arrobas.

Em entrevista ao ((o))eco durante a campanha eleitoral, a então candidata a deputada federal Sônia Guajajara  (Psol/SP) afirmou que esta atitude do atual mandatário foi o estopim para que o movimento idígena passasse a enxergar  a importância da representatividade indígena no campo da política institucional, e um alerta de que era o momento de agir de modo coordenado e assertivo. 

“Eu estou entrando nessa luta de outro lugar, que é o da institucionalidade, porque o Bolsonaro chamou a gente para a briga. Ele disse em campanha que em seu mandato não haveria um centímetro de terras demarcadas para indígenas e assumiu isso transformando a não demarcação em política pública. Então, para nós ficou o recado de que era preciso partir para cima dentro da institucionalidade. A gente ficar batendo pé aqui fora não está sendo suficiente para evitar tantos retrocessos. Os territórios já demarcados estão sendo totalmente invadidos, com exploração ilegal de garimpo, de madeira, de caça, e o avanço da grilagem. Tudo isso levou a gente a tomar a decisão de ter mais representantes indígenas ocupando espaços no Legislativo”, afirmou.

Sônia Guajajara não esteve sozinha em seu intento de fazer com que a representatividade indígena no Congresso e nas assembleias se ampliasse. Ao todo, as eleições de 2022 contaram com 182 candidaturas indígenas, um recorde histórico desde que se iniciou o processo de autodeclaração, em 2014. 

Levando em conta porém que existem 305 povos indígenas no Brasil e que a diversidade desses povos também passa pelo pensamento político, para organizar um movimento coeso e efetivo em prol do meio ambiente e das populações indígenas, a Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib), juntamente com suas organizações associadas e outras entidades de mesmo espectro político, como a Parla Índio, apoiaram candidaturas a partir de um conjunto de critérios que passaram pela indicação das candidaturas pelas comunidades e o compromisso com a defesa dos povos e seu territórios, visando à defesa do meio ambiente.

Protagonismo feminino

A única representante indígena no Congresso, eleita após uma lacuna de 36 anos – o último havia sido o deputado  Mário Juruna, Joênia Wapichana (Rede/RR) foi considerada como uma referência de que era possível atuar na política institucional, para além da representatividade. De acordo com o Monitor do Congresso, de ((o))eco, ela foi a única deputada federal de Roraima a votar contra todos os projetos de lei do chamado pacote da destruição, que reúne um conjunto de medidas apoiadas pelo executivo capazes de causar amplos danos ambientais. 

Joênia Wapichana, Luiz Inácio Lula da Silva e Sônia Guajajara durante a campanha presidencial

Durante as eleições, além de sua postura política, Joênia também esteve em consonância na construção da campanha indígena no sentido pelo protagonismo político feminino proposto pelo movimento.

“Eu faço parte do bioma Cerrado e estou saindo candidata a deputada porque nós não aguentamos mais a devastação, a mineração, o estupro aos territórios. Ninguém fica indignado com o fato de que em meio a 513 deputados presentes no Congresso Nacional existe apenas uma representante dos povos indígenas. Em Minas Gerais esse placar é pior ainda, porque nós temos 53 deputados estaduais e nenhuma pessoa indígena. E nesse momento, se você olhar para o Congresso, quem é que vai ter condições de enfrentar a bancada ruralista se não a bancada indígena e a bancada do cocar?”, questionou Célia Xakriabá (Psol/MG) durante a campanha para deputada federal em entrevista ao ((o))eco. Seu lema de campanha foi “Contra a mineração, só a Mulheração”. 

Também parte deste movimento, Vanda Witoto (Rede/AM) escolheu participar das eleições como forma de escrever uma nova história para o meio ambiente brasileiro e os povos indígenas. “A gente quer nesse capítulo escrever novas histórias, de vitórias, não só de sofrimento, não só de resistência, não só de luta mas de conquistas importantes que nós temos hoje protagonizado que é relevante, para que outras mulheres, outros jovens se inspirem que é possível nos mobilizarmos coletivamente e construirmos novas histórias juntos”, explicou para ((o))eco em live

Além das mulheres, importante liderança do povo Suruí, Almir Suruí também concorreu a uma vaga no Congresso, com uma visão contemporânea sobre o desenvolvimento econômico possível aos territórios indígenas com a manutenção dos preceitos de cuidado com os territórios e o respeito à Constituição Federal. Ao todo, a Apib apoiou institucionalmente 31 candidaturas.

Bancada do Cocar 

Os esforços da Campanha Indígena renderam frutos. Embra Joênia Wapichana não tenha conseguido se reeleger, Sônia Guajajara e Célia Xakriabá ocuparão cadeiras no Congresso a partir de 2023, levando adiante os planos da formação de uma Bancada do Cocar, com o interesse de atuar em prol dos povos originários e a preservação de seus territórios. 

Além delas, outros cinco representantes autodeclarados indígenas também se elegeram, mas não é possível afirmar que terão o mesmo comprometimento. Uma possível  exceção é Juliana Cardoso (PT/SP), que também é voltada para a defesa ambiental. 

GT dos povos indígenas no governo de transição. Foto: Divulgação

Exemplo dessas contradições, a também indígena eleita ao Congresso Silvia Waiãpi (PL/AP) tem forte ligação com o bolsonarismo, proximidade com a senadora eleita pelo Distrito Federal Damares Alves (Republicanos/DF) e uma atuação questionável à frente da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) durante o governo Bolsonaro. 

No Senado, Wellington Dias (PT/PI) se elegeu com a autodeclaração indígena, mas não atuará em plenário já que irá assumir o Ministério do Desenvolvimento Social do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a pasta que comanda o Bolsa Família, uma das mais estratégicas da gestão petista.  O outro senador indígena eleito foi o atual presidente Hamilton Mourão, que teve a sua identidade  colocada em dúvida durante a campanha e não demonstrou grande habilidade para cuidar do território amazônico quando esteve à frente do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL).

A ampliação da representatividade indígena no Congresso contará com o reforço do Ministério dos Povos Originários, nova pasta criada por Lula. Mas, as especificidades da luta indígena, como assinalaram todos os indígenas durante a campanha eleitoral, é a de possibilitar o trânsito político  e o avanço de pautas também em outras pastas, como Saúde, Educação e, é claro, Meio Ambiente. 

Os próximos quatro anos certamente não serão simples para os políticos indígenas, mesmo que agora exista apoio por parte do executivo. a bancada ruralista segue forte no Congresso e no Senado, defendendo pautas que vão contra os interesses dos povos originários e que ainda carregam uma visão de desenvolvimento econômico que coloca os indígenas e a proteção aos seus territórios como entraves ao desenvolvimento. 
O Grupo de Trabalho dos Povos Originários já solicitou a Lula a demarcação de 13 Terras Indígenas sem nenhum tipo de entrave legal para serem sancionadas nos primeiros trinta dias do próximo governo. E esperam que os quilômetros demarcados deixem para trás um dos momentos mais sombrios da história dos direitos indígenas no Brasil.

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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