Mais de seis milhões de hectares de terras brasileiras estão sob algum tipo de compromisso ou obrigação legal de restauração ambiental. Mas, de acordo com o novo Monitor da Recuperação, lançado na semana passada (23) pela rede MapBiomas, apenas 23% dessas áreas mostram sinais efetivos de recomposição da vegetação nativa. O levantamento, baseado em uma ampla consolidação de dados públicos, lança luz sobre uma lacuna histórica: o país sabe onde precisa restaurar, mas ainda não consegue garantir que a recuperação aconteça.
A plataforma cruza informações de embargos estaduais e federais por desmatamento, projetos voluntários e programas oficiais de restauração. Ao sobrepor essas bases com os mapas anuais de cobertura e uso da terra, os pesquisadores conseguiram rastrear, pela primeira vez, a evolução da vegetação nas áreas onde a restauração é obrigatória ou declarada.
O resultado é um retrato inédito da lentidão e, em alguns casos, da estagnação dos processos de recomposição ambiental no Brasil. “Existem milhões de hectares de áreas que deveriam estar sendo restauradas com vegetação nativa. Entender se essas obrigações e compromissos estão sendo cumpridos é fundamental para acelerar o processo de restauração dos biomas brasileiros”, afirma Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas.
Entre 2000 e 2025, o Monitor identificou 6,9 milhões de hectares com algum tipo de compromisso de recuperação. A maior parte dessas áreas (quase dois terços) é resultado de embargos aplicados pelo Ibama e órgãos estaduais. Apenas o Ibama responde por 4,5 milhões de hectares, ou 64,8% do total registrado.
Os dados indicam uma forte concentração na Amazônia, que abriga 80% das áreas com obrigação de restauração, seguida pelo Cerrado, com 12%. No mapa, o Pará aparece como o estado com maior volume de áreas embargadas e sob compromisso de recomposição (37,8%), seguido por Mato Grosso (20%) e Amazonas (16,5%), três territórios que, juntos, também lideram o ranking nacional de desmatamento.
“O monitor da recuperação atende a uma demanda antiga: reunir em um único sistema as áreas com compromissos de restauração para entender o que está acontecendo nelas. Até agora, o país via apenas a ponta do problema, o desmatamento. Faltava observar o outro lado da curva: o que realmente está sendo restaurado”, explica Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.
O cruzamento das imagens de satélite mostra que, além das 23% de áreas em recuperação e das 11% sem sinais de recomposição, quase dois terços das áreas analisadas estão em situação “inconclusiva” – ou seja, não apresentam um padrão claro de mudança. Segundo os pesquisadores, parte desses casos se refere a compromissos recentes; em outros, o monitoramento ainda não foi capaz de distinguir se há regeneração em curso.
“Reduzir as áreas inconclusivas será um dos principais objetivos nas próximas atualizações”, diz Paulo Teixeira, pesquisador da equipe. Ele explica que a metodologia, baseada na variação do índice de vigor da vegetação obtido por satélites Landsat, permite identificar o que cresce ou regride em cada polígono cadastrado. “O desmatamento derruba o índice de vegetação de forma brusca. Quando há recuperação, vemos uma ascensão gradual, indicando aumento da área foliar e do vigor da vegetação”, detalha Kenia Mourão, coordenadora do Monitor.
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