Reportagens

Matar para conservar

Artigo na revista Science propõe o fim dos atuais Santuários de proteção das baleias e a volta da caça comercial. E diz que isso é melhor para preservá-las.

Lorenzo Aldé ·
18 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

A melhor maneira de proteger as baleias é acabar com as áreas que as protegem. A difícil tarefa de explicar esta tese coube a dois pesquisadores americanos e um canadense, e o resultado foi publicado pela revista Science no dia 28 de janeiro.

O artigo reacendeu a disputa que há anos paralisa os trabalhos da Comissão Internacional da Baleia (CIB), entre os países que pedem a volta da caça controlada e os países que defendem a continuidade de sua proibição. Como são necessários 3/4 dos votos para aprovar mudanças na política da Comissão, os dois grupos não têm conseguido emplacar seus objetivos.

Mas a polêmica se deve muito mais à respeitabilidade da Science no meio científico do que à qualidade dos argumentos apresentados. O artigo “Do the Largest Protected Areas Conserve Whales or Whalers?” (“As maiores áreas protegidas conservam baleias ou baleeiros?”), assinado por Leah Gerber, David Hyrenbach e Mark Zacharias, questiona a eficácia dos Santuários de Baleias para a conservação das espécies, mas não apresenta provas de que sem eles a situação seria melhor.

A principal alegação dos cientistas é a de que todas as espécies de baleias migram, entrando e saindo das áreas protegidas. Por isso seria impossível relacionar o crescimento de suas populações à existência de Santuários. Além disso, segundo o artigo os Santuários não protegem as baleias de outras ameaças que não a caça, como poluição, degradação dos ecossistemas e mudanças climáticas. Para uma análise científica, não contar com dados que permitam comparações estatísticas é um problema, e os autores se queixam disso. “Baleias que habitam os oceanos Índico e Antártico teriam que ser comparadas com aquelas que habitam os oceanos Pacífico e Atlântico. Como as ameaças são desiguais nos diferentes oceanos, comparações podem não ser cientificamente válidas”.

Queixam-se também da falta de regulação da caça “com fins científicos” promovida pelos países baleeiros, e pedem o fim desta modalidade de licença para matar. Esta proposta é obviamente aplaudida pelos defensores das baleias. Desde 1986, com base numa brecha legal do texto da moratória que impede a caça comercial em todo o mundo, o Japão consegue todo ano permissão para abater baleias “para estudo”. E a cada ano mata mais. Entre 2002 e 2003, o país sacrificou 684 animais para aprimorar suas pesquisas. Integrante do Projeto Baleia Franca e da delegação brasileira na CIB, Karina Rejane Groch diz que isso não é necessário. “A informação que eles têm já é mais do que suficiente. Querem manter a caça para forçar a liberação. E ainda aproveitam as baleias que caçam para consumo. Hoje em dia já existem diversas técnicas que permitem o estudo das populações sem matar”.

No Brasil, baleias francas e jubarte são individualmente identificadas, por meio de observação, marca e recaptura. Esses métodos permitiram aos nossos cientistas acompanhar as taxas de crescimento das populações, que no caso das francas estão entre 7% e 8% ao ano. Estima-se que de 7 mil a 8 mil baleias francas vivam atualmente no Hemisfério Sul. Muito pouco ainda, perto da população original, calculada em 100 mil animais. Karina concorda que não se pode relacionar de forma direta o crescimento da população de baleias aos Santuários, mas considera óbvio que eles ajudam. Assim como a moratória.

Esta é a grande contradição do artigo da Science. Recheado de raciocínios corretos quanto à dificuldade de medir a eficácia das áreas protegidas, às outras ameaças que rondam as baleias e ao absurdo da caça “científica”, ele chega a uma conclusão difícil de engolir: os Santuários atuais devem acabar, sendo substituídos por Planos de Manejo estabelecidos a partir de critérios ecológicos, com monitoramento bem definido e avaliação dos resultados. Traduzindo a linguagem cientificamente correta: a caça deve voltar, num sistema de cotas e de acordo com áreas e épocas do ano mais propícias. Só assim será possível medir a eficácia das políticas protetivas.

Em release divulgado na semana passada, José Truda Palazzo Jr., Vice-Comissário do Brasil junto à CIB e colunista do O Eco, diz que “a proteção já conferida às baleias pela moratória da caça comercial e pela criação dos santuários já em vigor (na Antártida e no Oceano Índico) exibe resultados práticos – não nos modelos matemáticos de população, mas no mundo real”. Entre os benefícios citados por Truda estão o crescimento da população de baleias e a exploração do ecoturismo de observação por países como Brasil, Argentina, Uruguai e África do Sul. Por isso, ao invés de acabar com as atuais áreas protegidas, o Ibama e a delegação do Brasil defenderão, na próxima reunião anual da CIB, em junho, a criação de novos Santuários no Atântico Sul e no Pacífico Sul.

A proposta já foi apresentada várias vezes, sem sucesso. Por outro lado, os países baleeiros – Japão, Noruega e Islândia – vêm tentando em vão implantar os planos de manejo para liberar a caça. Ficando tudo como está, ganham as baleias, que apesar de vítimas dos “estudos” japoneses vêm aumentando sua presença nos mares graças à proibição do abate comercial. Com ou sem modelos científicos que expliquem isso.


Colaborou Ana Antunes.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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