Reportagens

Candidatos ao governo do Amazonas apresentam propostas de alto risco ambiental

Tanto Wilson Lima (UB), quanto Eduardo Braga (MDB) desconsideram alta do desmatamento; e propõe reabrir BR-319, fortalecer a mineração e ampliar a exploração de gás

Fabio Pontes ·
14 de outubro de 2022 · 2 anos atrás

Apesar de o Amazonas apresentar um dos piores índices de preservação e proteção da Floresta Amazônica entre os estados da região Norte, os planos de governo dos dois candidatos que estão no segundo turno concorrendo ao governo deixam a desejar na apresentação de propostas que revertam o atual cenário. 

Em alguns casos, pelo contrário, os governadoráveis até defendem iniciativas que contribuem, ainda mais, para impulsionar o processo de devastação do bioma dentro de seu território, atingindo áreas tidas hoje como intocadas.     

O segundo turno pelo governo amazonense é disputado entre o atual ocupante da cadeira, Wilson Lima do União Brasil, e o ex-governador e senador pelo MDB, Eduardo Braga, que esteve no cargo entre 2003 e 2010. Os dois representam a polarização da disputa presidencial. Lima é o candidato do presidente, Jair Bolsonaro (PL), enquanto Braga é aliado do petista, Luiz Inácio Lula da Silva.   

De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento (RAD), do Mapbiomas, em 2021, a área de floresta derrubada no Amazonas foi de 194.498 hectares; alta de 50% em relação a 2020. O estado saiu da quarta para a segunda colocação do ranking do desmatamento no país, atrás somente do Pará. 

Em 2022, o Amazonas ficou em terceiro lugar no registro de focos de queimadas entre os nove estados da Amazônia Legal. Até setembro, segundo o Inpe, foram 18.571 registros de focos de calor.    

Entre os temas mais sensíveis tratados a cada disputa eleitoral no estado está a repavimentação da BR-319, entre Manaus e Porto Velho, prevista no plano de Wilson Lima. A obra é tida como estratégica, do ponto de vista econômico, mas também como grande potencializadora de danos ambientais a uma das regiões mais preservadas da Amazônia. 

Mesmo com o aumento expressivo das taxas de desmatamento nos últimos anos, o Amazonas tem grande parte de seu território conservado. Maior estado do Brasil em extensão territorial (com mais de 1,5 milhão de km2), o Amazonas mantém uma cobertura florestal de 91%. 

E a reconstrução da BR-319 é apontada como grande ameaça para toda essa área de floresta, pois levaria o chamado “arco do desmatamento” para a porção mais norte da Amazônia. Hoje, o desmatamento se concentra na parte sul do Amazonas, nos municípios acessíveis pelo trecho pavimentado da BR-319 e a Transamazônica. 

É o caso de Apuí, Lábrea e Humaitá que, em 2021, conforme dados do Mapbiomas, figuram entre os 10 municípios brasileiros com as maiores áreas desmatadas. Eles estão localizados na tríplice divisa do Amazonas com o Acre e Rondônia, chamada de Amacro, e que passou a ser conhecida como a nova fronteira do desmatamento.

Wilson Lima e Jair Bolsonaro. Foto:Crédito: Ascom/PR

Candidato oficial do presidente Jair Bolsonaro (PL), o governador Wilson Lima quer “somar esforços com o governo federal para agilizar ações de competência do estado visando a recuperação da BR-319”. 

O plano de seu adversário, Eduardo Braga (MDB), não fala especificamente sobre a recuperação da rodovia, mas de usá-la como corredor para escoar a produção de minérios. A mineração é uma das principais propostas do ex-governador e atual senador para a pauta econômica do Amazonas. 

Além de repavimentar o traçado principal da rodovia, o plano de Wilson Lima ainda estipula a recuperação dos ramais que dão acesso às comunidades localizadas ao longo da BR-319. Caso de fato saia do papel, a proposta reforçaria o efeito chamado de “espinha de peixe”, que é a abertura de estradas paralelas – os ramais – ao longo da rodovia pavimentada.  

Defendida por parcela da sociedade manauense – capital do Norte com maior colégio eleitoral – a recuperação da BR-319 é tida como essencial para tirar a capital do isolamento rodoviário com o restante do país. 

Atualmente, ela só é trafegável nos meses secos do “verão amazônico”, que varia entre junho e meados de outubro. Hoje, a maior parte da logística de transporte de cargas para Manaus é feita por balsas pelas hidrovias dos rios Madeira e Amazonas. 

Nos planos de governo apresentados por Wilson Lima e Eduardo Braga, não há detalhes sobre eventuais estratégias de mitigação ambiental para a ligação rodoviária permanente entre Manaus e Porto Velho. 

Em 2018, o então presidenciável Jair Bolsonaro prometia destravar o processo de licenciamento da obra como forma de obter votos do eleitorado amazonense. Agora em 2022, como forma de cumprir a promessa, o Ibama emitiu, às pressas, a licença prévia para a reconstrução do trecho do meio.  Conforme reportagem do Observatório do Clima, a licença não leva em consideração as normas técnicas do próprio instituto. 

Por conta do poder eleitoral que a proposta de reconstrução da BR-319 tem entre os eleitores, Lula também não se manifesta contrário a ela. No início de setembro, durante entrevista a uma rádio de Manaus, o presidenciável afirmou que “não existe tema proibido” ao se falar sobre a preservação da floresta, numa referência à rodovia. 

“É plenamente possível você trabalhar corretamente a questão climática, trabalhar corretamente a questão ambiental e você dar a segurança necessária para que possa fazer boas estradas que possam interligar o estado do Amazonas com o restante do país”, disse o petista, à época. 

“Mineração sustentável” 

O Amazonas está entre os cinco estados da Amazônia Legal onde Lula recebeu mais votos do que Bolsonaro: 49,58% e 42,80%, respectivamente. A boa avaliação do ex-presidente é apontado como o principal fator a levar Eduardo Braga ao segundo turno, numa disputa marcada por reviravoltas. Até dias antes do primeiro turno, ele aparecia em terceiro lugar nas pesquisas. 

Eduardo Braga com Lula em comício em Manaus. Foto: Ricardo Stuckart

Ele superou a votação recebida pelo também ex-governador e velho cacique da política local, Amazonino Mendes (Cidadania), que até o fim de agosto liderava isolado as sondagens de intenção de voto. Ao todo, Eduardo Braga ficou com 20,99% dos votos válidos. Wilson Lima recebeu 42,82%. 

Além de não apresentar propostas para a área ambiental, o plano de governo de Braga – resumido em seis páginas – defende propostas econômicas que representam consideráveis impactos para o meio ambiente. Entre elas está a exploração de silvinita para sua transformação em potássio, que, por sua vez, poderia ser utilizado como fertilizante pelo agronegócio do país. 

Segundo o documento, tal exploração minerária garantiria ao “Amazonas uma participação no mercado do agronegócio brasileiro numa escala de 8 a 10 bilhões de dólares em fertilizantes, com baixo impacto ambiental e usando o corredor de logística do Rio Madeira e a BR 319 para escoamento”. 

Outra proposta do emedebista é potencializar a exploração de gás natural. O Amazonas detém a maior concentração de gás natural fora da costa litorânea. Hoje o estado já explora o gás por meio da Província Petrolífera de Urucu, no município de Coari, localizado no médio Solimões.   

“O Amazonas concentra a exploração apenas no uso menos nobre do produto, na transformação em energia elétrica. A exploração do gás mais nobre, na industrialização e na indústria gás química introduzirá o estado no mercado nacional e internacional de fertilizantes, sem derrubar uma única árvore”, diz o texto. 

O candidato ainda defende o que classifica como exploração “racional e inteligente” dos recursos florestais, sejam os de origem madeireira ou não-madeireira. 

Já o candidato à reeleição, Wilson Lima, faz uma abordagem nem tão enxuta para o meio ambiente, mas trata as propostas por tópicos curtos e sucintos. O governador fala em fortalecer o Programa Guardiões da Floresta caso reeleito. 

O programa realiza o pagamento financeiro às famílias moradoras de unidades de conservação do estado como incentivo pela preservação destas áreas; o plano ainda diz que fortalecerá iniciativas de bioeconomia para as comunidades da floresta.  O documento também sinaliza com intenções de criação do marco legal para o mercado de carbono, estabelecendo o programa (de pagamento por desmatamento evitado) REDD+ Amazonas.

  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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Comentários 2

  1. Gabriela Brandao ferreira diz:

    Estou apaixonada! Como escreve bem!! Que texto magnífico.


  2. Elionai Mendes diz:

    Texto maravilhosamente redigido que proporciona leitura sobremodo aprazivel. Parabéns, Dr. Marcos Rodrigues pelo excelente conteúdo!