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O quinto elemento

Siderúrgicas no Pará e no Maranhão correm risco de pagar quase R$ 778 milhões em multa por uso de carvão ilegal. Seus nomes e destino estão nas mãos do Ibama.

Carolina Elia ·
15 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

A floresta amazônica enfrenta um novo inimigo. Como se não bastassem os grileiros de terra, os madeireiros, os criadores de gado e os agricultores de grãos, ela agora também é desmatada para fornecer carvão vegetal a siderúrgicas do Pará e Maranhão. Em 5 anos, oito empresas investigadas pelo Ibama sonegaram a origem de 7,7 milhões de metros cúbicos de carvão. A atividade ilegal movimentou cerca de R$ 385 milhões e pode resultar numa multa de R$ 778 milhões por crimes ambientais. Para Antônio Carlos Hummel, diretor de florestas do Ibama, trata-se da abertura de uma nova fronteira econômica, com a consequente derrubada de grandes extensões de floresta, como aconteceu recentemente com o setor agrícola.

De acordo com um relatório do Ibama obtido pelo O Eco e pelo jornal O Estado de São Paulo , essas siderúrgicas utilizam carvão de procedência ilegal, consomem mais do que declaram e não reflorestam o equivalente ao que queimam para a produção de ferro gusa – como é exigido por lei. A diretoria de Florestas do Ibama decidiu verificar as atividades dessas empresas quando notou uma significativa expansão dos parques siderúrgicos do Pará e Maranhão nos últimos anos, o que necessariamente implica numa demanda maior por carvão.

Os dois estados começaram a atrair siderúrgicas por causa da proximidade com o pólo Carajás e pela abundância de matéria-prima florestal para a produção de carvão. Tanto no Pará quanto no Maranhão, novas siderúrgicas serão inauguradas nos próximos meses. As empresas afirmam que o carvão que queima em seus fornos provém de babaçu, reflorestamento, desmatamento autorizado, resíduo de serraria e manejo de outros resíduos, como pastos em processo de regeneração.

Mas ao comparar a quantidade de carvão que as siderúrgicas declararam utilizar entre 2000 e 2004 com a produção de ferro-gusa no mesmo período, o Ibama descobriu que a conta não fechava.Para produzir o que estava no papel foi necessário queimar muito mais carvão do que o anunciado pelas empresas. E boa parte tem origem ilegal e autorizações para transporte de produto florestal (ATPF) – documento que legaliza a circulação da madeira extraída – frias. Ao vistoriar uma siderúrgica, técnicos do Ibama encontraram uma tabela de preço afixada na parede que estipulava quanto valia uma saca de carvão com ATPF e sem ATPF. Eles também constataram uso de carvão de desmatamento sem plano de manejo nem autorização do Ibama. Os flagrantes renderam R$ 1,5 milhão em multas.

As ATPFs serviam para acobertar o transporte de carvão proveniente do desmatamento ilegal, realizado principalmente em matas secundárias e em estado de regeneração. Em algumas empresas, os técnicos fiscalizaram caminhões carregados com carvão de lenha cuja carga constava como sendo carvão de resíduos. As siderúrgicas declararam que 50% do carvão utilizado em seus fornos eram de resíduos de serraria. Por ser um percentual muito alto, o Ibama decidiu investigar e descobriu que isso era matematicamente impossível. Não existia na região madeira legal suficiente para suprir a demanda.

Em 2004, as empresas disseram que consumiram o equivalente a pouco mais de 22 milhões de metros cúbicos de toras em forma de resíduos e transformadas em carvão. Mas dados do IBGE mostram que a produção nacional de toras para serraria girou, no mesmo ano, em torno de 26 milhões. E no Pará, o maior produtor de toras do país, a produção foi de 11 milhões. Numa pesquisa inédita e ainda não divulgada pelo Imazon, o setor madeireiro afirmou só destinar 28% do que sobra das toras usadas na serrarias para o carvão. Portanto, mais uma vez, a conta não fechou. O Ibama descobriu ainda que para gerar o volume de resíduos declarado no ano de 2004 seria necessário explorar uma área de 550 mil hectares. Mas só foi autorizado o uso de 290 mil hectares.

Os nomes das empresas ainda não podem ser divulgados porque elas não foram notificadas. Além de multá-las em quase R$ 780 milhões, o Ibama quer obrigá-las a reflorestarem o equivalente ao que consumiram em carvão. Daria 41.380,51 hectares de árvores no Pará e 18.455,56 hectares no Maranhão. O dado mostra como o índice de ilegalidade encontrado no Pará foi bem maior do que no estado vizinho. Segundo Hummel as empresas já sabem dos resultados do relatório e querem negociar uma solução com o Ibama. A reunião deve acontecer até outubro.

O presidente do conselho de meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Justiano Neto, disse que a federação prima pela legalidade, mas não quis opinar sobre os dados do relatório porque não teve acesso ao documento. Curiosamente, a maioria das siderúrgicas envolvidas faz parte da Associação das Siderúrgicas de Carajás (ASICA), que criou um fundo florestal com o objetivo de financiar o reflorestamento de eucalipto para assegurar a oferta de carvão para produção de ferro-gusa na região.

Nesta sexta-feira, 16 de setembro, Hummel apresenta o resultado do relatório a funcionários do Ibama no Maranhão e no Pará para decidir o que será feito daqui para frente. Segundo Ademir Martins dos Reis, gerente-executivo do Ibama em Marabá, há anos se apreende caminhões carregados de carvão ilegal por ali. O que ele espera do documento são mudanças.

Por enquanto, o Ibama apenas comparou a demanda de carvão apresentada pelas empresas à produção final declarada pelas mesmas. Mas para Hummel, a situação pode se agravar quando os dados das siderúrgicas forem cruzados com as informações disponíveis nos escritórios regionais e gerências executivas. “Os resultados podem piorar e outras siderúrgicas serem incluídas”, admite. E não pára por aí. Em outubro será a vez do pólo siderúrgico de Minas Gerais passar pelo crivo do Ibama.

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