O corte raso da vegetação em centenas de km da BR-262 é defendido pelo governo para reduzir as colisões entre veículos e animais, protegendo estes e os motoristas. A necessidade da medida é criticada.
A chapa está quente no Pantanal do Mato Grosso do Sul. No estado estão nove em cada dez hectares desmatados no bioma, taxas que podem ser inchadas pela eliminação das matas junto a 284 km da BR-262.
Entre as cidades de Corumbá e de Anastácio, o trecho é o mais mortal para a vida selvagem na rodovia. Entre 2011 e 2021, a média diária de atropelamentos saltou 530%, de 1,67 animais para 10,5 animais.
Isso se deve ao maior tráfego de carros e caminhões, incêndios, melhor monitoramento e à “pouca efetividade” de ações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), descreveu por email o Ibama.
Entre 2013 e 2019, foram instalados alguns radares, cercas e passagens para animais, mas a mortalidade crescente da fauna fez o DNIT propor a ampliação e reforma das estruturas. O desmate foi sugerido pelo órgão ambiental.
“[Técnicos do Ibama] recomendaram a necessidade de adoção de medidas emergenciais pelo DNIT, como a limpeza e supressão da vegetação na faixa de sete metros, a partir do acostamento”, reconhece.
Isso evitaria a ocupação do local pela fauna e facilitaria sua visualização pelos motoristas, ajudando a conter as mortes de animais selvagens.
A última licença do Ibama para desmate ao longo da BR-262, de 2017, estimou que seriam produzidos quase 8.500 m3 de “lenha” e que deveriam ser poupadas áreas protegidas e aroeiras, desde que não tragam risco de acidentes.
A superintendente estadual do Ibama, Joanice Lube Battilani, afirmou ao Correio do Estado que a vegetação será mantida em 30 metros de cada lado da pista quando perto de córregos e onde devem ser instaladas pontes para animais como macacos e quatis.
Curvas perigosas
Concorrendo com as intenções da autarquia federal, documentos e fontes consultadas pela reportagem driblam o corte total da vegetação nas laterais daqueles 284 km da BR-262.
A consultoria que embasou as propostas do DNIT para conter os acidentes com animais na rodovia, da empresa ViaFauna, cita apenas a supressão das plantas de menor porte no trecho.
Associado à Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET), o biólogo Helio Secco avalia que o corte raso atenderia mais a pequenos animais do que onças, tamanduás e antas, todos ameaçados de extinção.
“Essas grandes espécies são tolerantes a ambientes abertos e algumas tendem a se movimentar mais à noite. Se a intenção é reduzir essas ocorrências, o desmatamento faz pouco sentido”, afirma.
O especialista destaca que um eventual desmate não será efetivo sem medidas adicionais contra as colisões, como melhorar e ampliar a sinalização, radares, cercas e passagens de fauna.
“A BR-262 tem o problema histórico da mortandade de animais, mas uma solução não pode ser “tirada da cartola”. O desmatamento pode ser uma resposta rápida de eficiência discutível”, diz Secco.
As propostas da ViaFauna incluem aperfeiçoar e implantar passagens inferiores e pontes, além de recuperar e instalar por volta de 142 km de cercas nas duas laterais da rodovia, sempre onde há mais risco a animais e pessoas.
Simultaneamente, a consultoria reconhece que o “plano de mitigação visa a redução de mortalidade por atropelamento e incremento de conectividade para (…) mamíferos de médio grande e mamíferos arborícolas”.
Desta maneira, o planejamento não garantiria resultados na redução das colisões para outras espécies.
“Todas as medidas precisam ser monitoradas continuamente para medir sua efetividade. Isso permitirá seu eventual aprimoramento e reduzirá a resistência a ações contra os atropelamentos em rodovias”, recomenda Helio Secco, da REET.
O DNIT não atendeu nossos pedidos de entrevista até a publicação da reportagem. Por e-mail, disse estar “sem porta voz” e que “aguarda resposta do IBAMA para dar início ao processo de licitação e contratação do Programa de Mitigação [das colisões com fauna na BR-262]”.
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Não creio que a supressão da vegetação diminua as mortes de animais silvestres sem que haja estruturas de contenção de velocidade, passagens de fauna, sinalizações e fiscalização contínua.
Ah, “o ser humano”… Desmatar para preservar! Tenho que aplaudir! É óbvio que alguém (uma empresa) vai se beneficiar dessa “empreitada para a salvação das espécies”, aproveitando a lenha. Derrubar uma árvore com centenas de anos é muito fácil. Quero ver é REALMENTE fazer uma devida compensação florestal, com o replantio, como preveem as diferentes legislações. Mas eu acho que em MT e MS, além de outras unidades da federação, o crime é deixar árvores “em pé”…
talvez radares e velocidade limitada…. embora sejam 284km, mas se supressão de vegetação não resolve, acho que limite de velocidade ajuda
O desmatamento na beira da rodovia vai dar na mesma os animais andao a noite