Após duas semanas de intensas negociações, a 28ª Conferência do Clima da ONU (COP 28) terminou com uma decisão histórica: pela primeira vez em três décadas de discussões, cerca de 200 países concordaram em eliminar gradualmente os combustíveis fósseis de suas matrizes energéticas. A decisão foi comemorada, mas com ressalvas.
Chamado de “Consenso dos Emirados Árabes Unidos”, o texto final das negociações trouxe importantes avanços para manter ao alcance a meta de aquecimento global em 1,5ºC.
Entre os principais pontos está a menção explícita à necessidade de ouvir o que diz a ciência, o compromisso de triplicar as energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030, além de criar uma nova arquitetura para o financiamento climático.
A parte mais esperada do documento, no entanto, era aquela que trazia a menção à eliminação dos combustíveis fósseis. Durante os últimos dias do evento, várias versões do texto apareceram e desagradaram pela falta de ambição e urgência frente à crise climática.
O que os países vulneráveis esperavam é que a linguagem trouxesse algo como “eliminação gradual dos combustíveis fósseis”. No último momento, ela entrou como “transição para a saída” do uso de tais fontes de energia.
Não era o texto desejado, mas diante da possibilidade de não haver menção qualquer, ele foi comemorado.
“Embora não tenhamos virado a página da era dos combustíveis fósseis em Dubai, este resultado é o princípio do fim. Estas conferências sobre o clima são, obviamente, um processo baseado em consenso, o que significa que todas as Partes devem concordar com cada palavra, cada vírgula, cada topo completo. Isso não é fácil”, disse Simon Still, Secretário Executivo da UNFCCC, ao pontuar os avanços e os desafios daqui para a frente.
O Consenso dos Emirados Árabes também estabelece que a descarbonização deve começar pelos países ricos. Isto é, eles é que devem ser os primeiros a buscar a meta de zero emissões. A sugestão foi feita pelo Brasil e acatada pelas partes.
O texto, embora comemorado, ainda carece de substância, principalmente em relação ao financiamento para transições justas. Também há certa ambiguidade sobre as fontes de energia que serão usadas nesse processo.
“Continuaremos a trabalhar para melhorar o processo e ajudar as Partes a ir mais longe, de forma mais rápida e justa”, disse Still.
Brasil nas negociações
Com a liderança da ministra Marina Silva, o Brasil atuou ativamente nas negociações, um sinal claro de que a diplomacia brasileira voltou.
“Aprovamos aqui um acordo basilar, que dá concretude aos compromissos que assumimos no âmbito do Acordo de Paris. O compromisso que acabamos de assumir redireciona nossas ambições, mas também nossas responsabilidades. O nosso comprometimento em todas as suas dimensões: mitigação, adaptação e meios de implementação, alinhados a 1,5°C, são agora incontornáveis”, discursou a ministra Marina Silva, logo após o fim oficial da COP 28.
“Trabalhamos muito para que saíssemos daqui com as bases e pela primeira vez saímos com um mapa com a trajetória. Países em desenvolvimento e países ricos, todos comprometidos com responsabilidade comum, porém diferenciada”, disse a ministra.
Repercussão da sociedade civil
Após o fechamento oficial da 28ª Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, representantes das organizações não-governamentais fizeram um balanço do evento. Leia:
“Apesar de não termos um plano claro sobre como se dará a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, o ganho real da COP 28 foi colocar tais combustíveis no centro do debate, responsabilidade que nenhuma das 27 Conferências do Clima anteriores tinham assumido. Também celebramos que as partes tenham adotado a proposta dos negociadores brasileiros de se criar um conjunto de atividades para se alcançar a meta de limitar o aquecimento global em 1,5°”, afirma Camila Jardim, especialista em Política Internacional do Greenpeace Brasil.
“O resultado da COP 28, forte nos sinais, mas fraco na substância, significa que o governo brasileiro precisa assumir a liderança até 2024 e lançar as bases para um acordo da COP 30 em Belém que atenda às comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo e à natureza. Pode começar por cancelar a sua promessa de aderir à OPEP, o grupo que tentou e não conseguiu destruir esta cimeira. Sem uma ação real, o resultado do Dubai não será celebrado entre as comunidades de todo o mundo que sofrem com eventos climáticos extremos”, disse Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
O Diretor Geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na The Nature Conservancy, Andrew Deutz, destaca o trabalho diplomático que transformou o texto que estava dividindo os países, em um caminho para seguirmos em meio à emergência climática. “Até a última hora, parecia provável que não haveria nenhum progresso significativo na conferência deste ano. O que os negociadores concordaram na manhã desta quarta-feira representa, portanto, um passo na direção certa: um chamado para uma transição global que nos afaste de todos os combustíveis fósseis no texto final sinaliza que os governos estão finalmente abertos a lidar com o elefante na sala”, diz o diretor da TNC.
Andrew Deutz ressalta ainda outros compromissos significativos que surgiram nas últimas duas semanas, como o fundo para Perdas e Danos – que arrecadou quase 800 milhões de dólares em promessas – e o maior reconhecimento da contribuição das florestas, oceanos e outros ecossistemas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas.
“O resultado da COP 28 reforça a importância de o Brasil se engajar fortemente no estreitamento da confiança entre os países para alcançarmos os resultados necessários na COP 30. Isso precisa começar já, durante a presidência do G20, onde será possível reforçar o comprometimento climático das maiores economias do planeta. Porém é preciso liderar pelo exemplo, o que significa que temos um grande desafio interno, já que parte do governo ignora a crise climática e trabalha para alinhar o Brasil ao grupo das nações responsáveis pelo quase fracasso da COP 28. Prova disso é o leilão da ANP, que numa perversa coincidência acontece no mesmo dia em que a Conferência se encerra. A ciência é clara: a eliminação dos combustíveis fósseis é urgente e necessária para mantermos o planeta em níveis saudáveis”, alerta Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.
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