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Lei n. 14.844 cria Área Especial de Interesse Turístico no Vale do Panema

A área, contudo, não cumpre com os requisitos para ser considerada uma Unidade de Conservação

26 de junho de 2024
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

Em 24 de abril de 2024, o Presidente da República sancionou a Lei n. 14.844, que institui a região turística “Vale do Panema” como Área Especial de Interesse Turístico (AEIT). Essa região está situada nas proximidades da fronteira entre São Paulo e Paraná e compreende o reservatório da Usina Hidrelétrica de Jurumirim, a maior do estado, e suas áreas circundantes. Abrange dez municípios: Piraju, Cerqueira César, Arandu, Tejupá, Avaré, Paranapanema, Itaí, Taquarituba, Itatinga e Angatuba.

O autor da proposta que originou a Lei 14.844 argumentou que o turismo, especialmente náutico e pesqueiro, é uma das principais atividades econômicas da região. Dessa forma, o reservatório da usina hidrelétrica de Jurumirim e seu entorno cumprem as condições para serem considerados uma Área Especial de Interesse Turístico. A área é reconhecida por seus atrativos naturais, que incluem as praias dos Holandeses, Branca e da Ilha do Sol, além dos loteamentos Santa Cristina e Enseada Azul.” (Fonte: Agência Senado)

Cabe aqui indagar se referida lei criou uma unidade de conservação federal no Estado de São Paulo.

Por tratar-se de norma geral, a Lei 9.985/2000 não exclui a competência suplementar dos Estados membros da República Federativa do Brasil. Estes poderão, eventualmente, manter ou criar diferentes modalidades de Unidades de Conservação. Unidades de conservação estaduais ou municipais não integradas ao sistema brasileiro de unidades de conservação da natureza podem ser regulamentadas por legislação estadual em tudo o que não contrariarem as normas gerais presentes na Lei 9985/2000. Exercem aqui os Estados Federados sua competência legislativa suplementar, prevista no art. 24 da Constituição do Brasil. Assim sendo, é certo que a relação de UCs elencada na lei federal (doze ao todo) não é exaustiva.

Embora a Lei do SNUC tenha procurado contemplar todas as modalidades de unidades de conservação da natureza existentes no país, admitiu a possibilidade de virem a integrar o SNUC, excepcionalmente e a critério do Conama, unidades de conservação estaduais e municipais que, concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma de suas doze categorias, desde que suas características permitam, em relação a estas, uma clara distinção (art. 6º, par. único).

De acordo com o art. 3º da Lei 6.513/77, Áreas Especiais de Interesse Turístico são trechos contínuos do território nacional, inclusive suas águas territoriais, a serem preservados e valorizados no sentido cultural e natural, e destinados à realização de planos e projetos de desenvolvimento turístico.

Locais de Interesse Turístico, por seu turno, são trechos do território nacional, compreendidos ou não em Áreas especiais, destinados por sua adequação ao desenvolvimento de atividades turísticas, e à realização de projetos específicos, e que compreendam: I – bens não sujeitos a regime específico de proteção; Il – os respectivos entornos de proteção e ambientação (art. 4º).

O art. 1º desta lei enumera exemplificativamente o que venham a ser Áreas Especiais e Locais de Interesse Turístico: I – os bens de valor histórico, artístico, arqueológico ou pré-histórico; Il – as reservas e estações ecológicas; III – as áreas destinadas à proteção dos recursos naturais renováveis; IV – as manifestações culturais ou etnológicas e os locais onde ocorram; V – as paisagens notáveis; VI – as localidades e os acidentes naturais adequados ao repouso e à prática de atividades recreativas, desportivas ou de lazer; VII – as fontes hidrominerais aproveitáveis; VIII – as localidades que apresentem condições climáticas especiais; IX – outros que venham a ser definidos, na forma desta Lei.

A Lei n. 9.985/2000 não revogou expressamente a Lei 6.513/77. No entanto, é forçoso reconhecer que a hipótese do inc. II do art. 1º supra está tacitamente revogada, por incompatibilidade com o art. 9º, § 2º, que proíbe visitação pública e, por consequência, o turismo em seu perímetro.

O art. 8º, § 3º, do Decreto 86.176, de 26/7/1981, dispõe que, independentemente de pronunciamento específico dos órgãos da administração ambiental (à época IBDF e SEMA), os planos e projetos de natureza turística observarão as determinações dos planos de manejo, de interpretação e de zoneamento ecológico dos parques nacionais, das reservas biológicas, das estações ecológicas e das demais unidades de conservação da natureza, assim como contemplarão as medidas de proteção à fauna, como pré-condição a sua utilização para fins turísticos

É curioso observar que em documento disponibilizado pelo CONAMA, até então confessava-se  desconhecer se a Lei 6.513/77 ainda era aplicável, dando a impressão de que a ausência de revogação expressa decorrera de mero esquecimento dos autores da Lei 9.985/2000:

Não se sabe efetivamente se esta Lei se mantém “politicamente” ativa, porém seu conteúdo é de extrema pertinência no contexto desta publicação. Parece que legislações subsequentes, especificamente a Política Nacional de Meio Ambiente, acabaram por neutralizar os efeitos de alguns de seus itens, notadamente com relação às paisagens notáveis, reservas ecológicas e recursos naturais. [1]

Com a edição da Lei 14.844/24, esta dúvida não mais persiste. Mas daí a concluir que uma AEIT é modalidade não sistematizada de unidade de conservação vai uma distância.

Embora o turismo não seja uma atividade cultural totalmente alheia aos objetivos do SNUC, estando até mesmo previsto no art. 4º, inc. XII, da Lei 9.985/00 o favorecimento das condições e a promoção do turismo ecológico, ao lado da educação e interpretação ambiental e da recreação em contato com a natureza, parece evidente que a Lei 6.513/77 não tem por escopo a conservação da natureza, embora procure cercar-se de cuidados para evitar o turismo predatório. O autor do projeto foi bastante explícito ao justificar as razões que o levaram a redigi-lo: o turismo, especialmente náutico e pesqueiro, é uma das principais atividades econômicas daquela região. Não se trata, portanto, de finalidade precipuamente ecológica.

Registre-se, contudo, que o IAT – Instituto Água e Terra, do Paraná arrola as Áreas de Especial Interesse Turístico em seu CEUC – Cadastro Estadual de Unidades de Conservação e Áreas Protegidas, classificando-as como unidades de uso sustentável. Aliás, também prevê outra modalidade de UC, as Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR), existentes apenas naquele Estado Federado.[2] Feita esta ressalva, hoje praticamente todos os estados e municípios se adequaram à classificação apresentada pela Lei 9.985/2000 e que, salvo em hipóteses excepcionais (como no caso do SEUC paranaense, as AEITs não constituem, prima facie, modalidade não sistematizada de unidade de conservação.

Notas

[1] O Turismo e as Leis Federais de Ordenamento do Território e de Proteção do Meio Ambiente e da Cultura. Online: https://conama.mma.gov.br/index.php?option=com_sisconama&task=documento.download&id=14755 – Acesso em 19.06.2024.

[2] https://www.iat.pr.gov.br/Pagina/Unidades-de-Conservacao-UCs-e-suas-categorias-de-manejo -Acesso em 23.06.2024.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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