Depois de longa tramitação e mais de 100 emendas incorporadas na Câmara, o Projeto de Lei (PL) de Gestão das Florestas Públicas foi aprovado pelo Senado na noite desta quarta-feira, por 39 votos a favor contra 13 contrários e duas abstenções. Mas a aprovação de três novas emendas do relator José Agripino (PFL-RN) faz o texto retornar ao julgamento dos deputados federais, em regime de urgência urgentíssima, antes de seguir à sanção de Lula. Eles têm dez dias para votar a proposta, que permite que áreas florestais pertencentes aos estados e à União sejam exploradas pela iniciativa privada em regime de concessão.
As emendas de José Agripino continuam sendo uma pedra no sapato do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Especialmente aquela que submete ao Senado qualquer projeto de concessão em área superior a 2.500 hectares. Ela inviabiliza a proposta, pois na Amazônia é impossível fazer manejo sustentável em áreas menores do que isso. Ou seja, praticamente todos os pedidos de concessão teriam que passar pela Casa.
O senador azedou a aprovação do PL desde que assumiu a relatoria no lugar de Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Bateu o pé pelas novas emendas e, no fim de novembro, avisou que só encaminharia seu relatório ao plenário se o governo liberasse dinheiro para a construção de uma ponte que vai ligar Aracaju a Barra dos Coqueiros, no Sergipe. Em dezembro, o governo federal garantiu os recursos: R$ 90 milhões. As obras começam em agosto e a ponte será a maior das capitais do Nordeste. Até a inauguração já está programada, para dezembro.
Dinheiro assegurado e obra agendada, restou ao senador manter até o fim o argumento da necessidade das emendas. Afirmou que elas são “de interesse do Brasil”, mas que não pretende atrapalhar a aprovação do projeto. Garantiu a O Eco que vai pessoalmente conversar com os líderes do PFL e do PSDB na Câmara derrubar os entraves à nova lei. Já o senador Jéfferson Peres (PDT-AM), na terça-feira, alertava para as dificuldades que o projeto deve enfrentar voltando à Câmara. “Com essas emendas, a ferida do PL estará novamente aberta, e isso não terá mais fim”, disse.
Ministério comemora
As agruras que estão por vir ainda não preocupam os principais assessores de Marina Silva. Às 23h desta quarta, no fim de quase cinco horas de sessão no Senado, João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas, sorria de orelha a orelha. Comentava que o número de votos a favor do projeto superou as expectativas do governo.
O alívio se justifica. A proposta tramitou durante todo o ano passado na Câmara dos Deputados e por pouco não acabou engavetada para sempre. Mas mesmo que vire lei nos próximos dias, a nova política florestal brasileira não deve vigorar a pleno vapor neste governo. Até o ministério reconhece que vai ser difícil colocá-la em prática em 2006. “Este ano será de transição e de vigência provisória”, adianta André Lima, do Instituto Socioambiental (ISA).
Segundo ele, o MMA iniciará ações isoladas. O primeiro “distrito florestal” deve ser nas proximidades da BR-163. Trata-se de uma área na região da rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), a ser usada para a gestão de florestas. Dos 16 milhões de hectares em terras públicas na região, 5 milhões serão destinados ao manejo. Mais que o dobro da área de Sergipe. O MMA calcula que 205 empresas florestais possam explorar a região, gerando 18 mil empregos diretos e produzindo 1,5 milhão de metros cúbicos de madeira, com renda bruta de 185 milhões de dólares.
Em seguida, outros distritos serão criados, prioritariamente no sul do Acre, Amazonas e oeste de Rondônia. O governo prevê a concessão de até 13 milhões de hectares durante os primeiros dez anos de vigência da lei. Até lá, segundo Tasso Azevedo, diretor de Florestas do ministério, o sistema estará sendo testado, sujeito a sofrer mudanças se for preciso.
Prós e contras
Os defensores do projeto ressaltam como uma de suas principais vantagens o fato de criminalizar a grilagem ou qualquer exploração em florestas públicas sem autorização prévia. Atualmente, só se consideram crimes as agressões a unidades de conservação, como parques e reservas. Além disso, o regime de concessão não dá a posse da área para a empresa vencedora da licitação. A floresta continua sendo pública. Outra novidade será a criação do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), uma nova autarquia ligada ao MMA que ficará responsável pela gestão das florestas e fiscalização do cumprimento dos contratos, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF), que vai administrar as receitas das concessões de florestas públicas e utilizá-las para fomentar atividades sustentáveis e o aprimoramento tecnológico.
“Pelo menos agora o Brasil tem um projeto para a Amazônia. Antes não tínhamos nada. O pior cenário é não ter coisa nenhuma. Tiramos a briga da rua e a transferimos para um ringue onde possa ser arbitrada”, disse Tasso Azevedo, antes de sair às pressas dos corredores do Congresso, de certo para comemorar.
Embora reconheçam que a indefinição fundiária na Amazônia precisa de solução, ambientalistas recebem a nova lei com ressalvas. As principais críticas concentram-se na abertura para a exploração da Mata Atlântica (já quase inteiramente devastada), no pouco tempo estabelecido para os ciclos de corte (no máximo 40 anos) e na desconfiança quanto à eficácia do governo em finalmente fazer valer uma nova ordem, sustentável, de exploração da Amazônia.
“Jamais houve um caso bem-sucedido de políticas de manejo em florestas tropicais no mundo”, diz Marc Dourojeanni, colunista do O Eco e que já dirigiu projeto semelhante voltado às florestas públicas peruanas. “Não consigo entender como pessoas de boa fé estão achando que isso vai resultar em grande benefício para a Amazônia. Uma nova lei não soluciona nossos problemas. Já temos a melhor legislação ambiental do mundo. Não precisamos de muito mais do que isso. Precisamos é do cumprimento da legislação”, completa Maria Tereza Pádua, também colunista do O Eco e ex-presidente do Ibama. Ela lembra que as Florestas Nacionais já possibilitam concessões florestais, e isso nunca foi realizado, justamente pela ineficácia do Incra e pelos problemas fundiários do país.
Na verdade, ao propor um modelo de gestão de florestas públicas aberto à iniciativa privada, o governo reconhece sua incapacidade de proteger, por conta própria, o patrimônio natural. Diante da exploração desenfreada, que não consegue evitar, decidiu, pelo menos, ordená-la. A questão é saber se isso é viável. A resposta caberá ao próximo governo federal.
Leia também:
O PL segundo o governo – Tasso Azevedo
Projeto de risco – Maria Tereza Jorge Pádua
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