As pressões causadas por crimes ambientais como desmatamento, garimpo ilegal e grilagem de terras, associadas aos impactos visíveis da crise climática no cotidiano das comunidades, estão provocando sintomas de ecoansiedade na juventude da Amazônia brasileira. Essa realidade foi confirmada pela pesquisa Amazônia Jovem 2025, produzida pela Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem), cujos resultados foram divulgados no âmbito da programação da Free Zone Cultural. Esse foi um espaço de debates e atividades artístico-culturais abertos ao público durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP30), realizada em Belém (PA) de 10 a 22 de novembro.
Partindo de levantamento de dados e de depoimentos de 667 jovens dos nove estados da Amazônia Legal, as análises indicaram que 78% dos entrevistados vivem em contextos de conflitos socioambientais e que 80% desse contingente têm sintomas de ansiedade em relação ao futuro dos seus territórios. “Esses jovens crescem em meio à luta e à insegurança. Isso afeta sua saúde mental e sua relação com o território”, observa o pesquisador Pedro Mota, doutorando em Geografia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), que atuou na coordenação do estudo, juntamente com o Núcleo de Pesquisa do coletivo Cojovem.
Apesar de haver dificuldades de logística de deslocamento nessa região de grande complexidade pelas longas distâncias geográficas, entre outros fatores que tendem a dificultar o acesso a áreas remotas, a metodologia da investigação envolveu contatos presenciais combinados com o uso de ferramentas de comunicação virtual. “Mobilizamos pessoas para aplicar os formulários em campo e garantir que todas as vozes fossem ouvidas”, afirma Mota.

As análises indicaram que o desmatamento é o principal problema ambiental percebido pelos jovens e como os seus efeitos já são associados às questões climáticas como o aumento da temperatura e outros impactos na qualidade de vida nos territórios, ampliando, dessa forma, desigualdades históricas existentes na região. “A juventude amazônica sente os efeitos da crise todos os dias, nas enchentes, secas e ondas de calor”, exemplifica Mota.
Apesar de relatos sobre mudanças socioambientais já percebidas em territórios marcados pela violência, a juventude também tem esperança em transformações dessa realidade pelo engajamento em causas coletivas. O sentimento de pertencimento de cada um a esses contextos, tanto de pressões como de inúmeras possibilidades de mudanças pelo exercício de cidadania, também foi identificado na pesquisa.
Para fins desse estudo foi adotada uma definição ampliada de juventude, que varia entre 18 e 35 anos, a chamada “juventude tardia”, marcada tanto por responsabilidades precoces como por oportunidades adiadas.
Dos problemas às demandas por políticas públicas inclusivas para a juventude
Inúmeros problemas socioambientais se conectam com a realidade que revela a ecoansiedade já percebida junto à juventude amazônida. “Quando nós analisamos o Atlas Digital de Desastres no Brasil, nós percebemos que a Amazônia Legal realmente tem os municípios que mais sofreram com algum tipo de desastre”, observa Ana Beatriz Nahum, gerente da pesquisa em relação a dados disponíveis de 1991 a 2024. Sobre o contexto geográfico e econômico dessas regiões ela chama atenção para a presença de corredores logísticos como a BR-230 (a chamada Transamazônica, que liga a Paraíba ao Amazonas) e a BR-163 (conecta as regiões Norte, Centro-Oeste e Sul) que impulsionam uma infraestrutura urbana muito negligenciada, “ou seja, a população que reside próximo fica muito isolada de serviços básicos como saúde e até mesmo de acesso à internet”, exemplifica.
Ana Beatriz explica que consequentemente, os jovens e as pessoas que são mais atingidas por um cenário de demandas reprimidas, associadas ao contexto de violência e inúmeras pressões, são aquelas que estão nas regiões ribeirinhas, além de povos indígenas, quilombolas e famílias que residem em zonas periféricas. “E um desses principais impactos sociais começa desde o básico [não suprido pela gestão pública]”. Nesse sentido, a gerente argumenta que a partir do momento em que um jovem não consegue exercer o direito de ir e vir, por problemas como alagamentos na sua comunidade, tanto a sua presença é reduzida na escola, como seus pais ficam impossibilitados de chegar aos locais de trabalho.

Segundo a pesquisadora Wanessa Paixão, os jovens entrevistados identificam que nas suas cidades, a cobertura vegetal vem diminuindo cada vez mais. “Eles também enfrentam os conflitos mais recorrentes relacionados ao garimpo ilegal nos seus territórios e sentem ansiedade por conta desses problemas”, observa. Ela também exemplifica que questões como as secas em determinadas localidades e as enchentes em outras são percebidas com maior frequência pela juventude. “Diante de tudo isso, quando eles olham para o futuro, eles têm um olhar preocupante por conta de como as coisas estão ocorrendo no presente e de como as políticas ambientais são frágeis em relação a isso”, analisa.
“Porém, existe uma esperança, sobretudo, por conta da COP30”, afirma a pesquisadora sobre a perspectiva positiva da juventude quanto à ressonância dos problemas e das potencialidades da Amazônia para o Brasil e o mundo em função da Conferência do Clima realizada em Belém. “A pesquisa mostra que os jovens têm consciência da realidade deles e se enxergam dentro desse processo. Eles conseguem perceber as mudanças acontecendo no clima e no ambiente, estão preocupados com isso, mas em relação ao futuro eles conseguem ter esperança”, conclui.
Além da perspectiva esperançosa, mesmo diante de cenários adversos, o crescimento do sentimento de pertencimento da juventude foi considerado como outro resultado relevante da pesquisa. Em dois anos de investigação, o número de jovens que se reconhecem como amazônidas subiu de 50% para 80%. “Quando o jovem se reconhece como parte da Amazônia, ele passa a agir e se engajar nas soluções”, opina o coordenador Pedro Mota.
A pesquisa gerou dois policy briefs com recomendações para orientar tomadas de decisão sobre transição energética justa e adaptação climática, reafirmando o protagonismo das juventudes na construção de políticas públicas que considerem suas percepções, demandas e realidades. “O futuro só existirá com qualidade se investirmos na juventude agora”, conclui o pesquisador.
Acesse os dois documentos de recomendações da pesquisa aqui:
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