Imagine que você é uma pessoa ambientalmente correta, que detesta sujeira na rua, está passeando por São Paulo e de repente, sente uma fome danada. Para matá-la, entra numa padaria, compra um suco e um pão de queijo, bebe, come e sai à cata da lata de lixo mais próxima para se livrar do copo de plástico e guardanapos. Muito boa sorte. E se você achar uma, por favor, não deixe de dizer onde ela está para os habitantes da cidade. A esmagadora maioria deles há muito não vê uma lixeira na rua.
A petista Marta Suplicy, quando ocupou a prefeitura da capital paulista, jurou que resolveria o problema. Fechou contrato com a empresa Ecopav para instalação e manutenção de 140 mil cestos de lixo na cidade entre 2002 e 2005. No entanto, até 2003 apenas 8 mil tinham sido instalados. Problemas financeiros da companhia levaram à rescisão do contrato e, desde então, as lixeiras voltaram a sumir das ruas da cidade. Das que foram instaladas pela Ecopav, 6 mil acabaram destruídas por vandalismo da população.
E como antes deste contrato a prefeitura não contabilizava lixeiras porque elas praticamente não existiam, dá para dizer que as mais de 10 milhões de pessoas que moram na cidade têm à sua disposição no máximo 2 mil cestos de pequeno porte. O resultado disso é que lixo em mão de paulistano acaba, em geral, sendo jogado nas ruas. O que gera conseqüências que vão do desagradável ao grave, como poluição visual, mau cheiro, entupimento de esgoto e bueiros, que resultam na proliferação de ratos, insetos e doenças.
Quem mais sofre com a falta de lixeiras, depois dos seres humanos, são as árvores. “As pessoas acabam jogando lixo em qualquer buraco e muitas vezes esse buraco é o canteiro de uma árvore. Vejo muito saco plástico nas bases, o que impede a passagem da água, além de filtro de cigarro adoidado, garrafas pet, de vidro e latinhas. Tudo isso diminui sua capacidade de desenvolvimento e prejudica a qualidade do solo. Não é à toa que as árvores de São Paulo estão muito doentes”, afirma Alexandre Chut, acupunturista e fundador da ONG Projeto Plant-AR, que incentiva o cuidado e a plantação de árvores.
Problema caro
A situação também faz sangrar os cofres públicos. Com tanto lixo sendo jogado na rua, não há outra alternativa a não ser varrer a cidade. O Limpurb, departamento de limpeza urbana da prefeitura, gasta R$ 30 milhões por mês para fazer o serviço, que rende 2 mil e 500 toneladas por mês. “O prefeito José Serra chegou a afirmar que ‘o que existe de corrupção na varrição não está escrito’. No entanto, ele não desfez contratos anteriores, com valores acima de mercado. O contrato de varrição de emergência, por exemplo. Esse mesmo serviço poderia ser feito por mais empresas por um preço menor e com tanta qualidade quanto. Falta gestão, administração e vontade política para resolver o problema”, afirma o administrador Enio Noronha Raffin, consultor em limpeza urbana e autor do livro e do site Máfia do Lixo.
O poder público tem uma imensa parcela de culpa por esse estado de coisas. Mas a população da cidade também está longe de ser inocente. Não se tem conhecimento de que alguma vez ela tenha reivindicado lixeiras públicas. Pelo contrário. O que se tem certeza é que ela joga sujeira nas ruas com tal fervor que parece ter o secreto desejo de que São Paulo tivesse sido construída sobre um aterro sanitário.
“Cidadãos que acabam com quase todas as lixeiras instaladas estão praticamente dizendo ‘eu quero mesmo é que esta cidade fique imunda!’. Devemos, sim, cobrar o poder público, mas também precisamos educar os muitos “sujismundos” que têm por aí”, afirma Cândido Malta Campos Filho, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Raros são os paulistanos que, à falta de lixeiras, levam seu lixinho no bolso para dispensá-lo em casa ou no escritório. “As pessoas preferem imitar o Lula, flagrado jogando papel de bombom no chão atrás da cadeira da pessoa que estava do seu lado”, afirma Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu.
“Estudos nos Estados Unidos mostram que o que está estragando ou estragado, quebrando ou quebrado, atrai ainda mais desmazelo”, afirma Anna Verônica Mautner, psicóloga e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Ela diz que as pessoas jogam lixo nas ruas porque vêem sujeira em vias públicas, problema que é agravado pela falta de lixeiras. “Experimente jogar lixo no chão da Suíça. Vai ficar feio, porque o único papel da rua será o seu. Todo sacro santo dia que o sol nascer, a limpeza deve ser mantida, senão não adianta. Um hábito não se forma pela lei, mas pela eterna vigilância. O preço da limpeza é a eterna limpeza”, diz.
É nesse mote que o japonês Hideaki Ijima aposta para virar uma exceçãoo à regra no comportamento do habitante da capital. Ele é proprietário da rede de cabeleleiros Soho e presidente da ONG Zeladoria do Planeta, inspirada em similar do Japão. Todos os anos, voluntários da Zeladoria recolhem lixo em vários pontos de São Paulo, entre eles o Parque da Aclimação e a Paulista. Cada varrição na avenida cartão-postal da cidade junta 7 toneladas de lixo, das quais boa parte é separada para reciclagem. Ijima não pára por aí. Todos os dias pela manhã recolhe 2 sacos de lixo de 100 litros na rua onde mora.
Ele não é o único. O professor Campos Filho é outro exemplo de que com consciência e boa vontade, é possível criar um ambiente mais limpo e saudável. “Sou daqueles que cata lixo. Recolhi muito na praia do Lázaro, em Ubatuba. No início, me olhavam com estranheza. Afinal, não é normal ver um cara com certo nível social fazendo isso. Mas persisti por anos a fio. E sabe o que aconteceu? As pessoas que sempre me viam pararam de jogar lixo na praia e inclusive começaram a me ajudar”, conta.
A prefeitura promete que vai começar a fazer a sua parte para reduzir o lixo que se espalha pelas ruas de São Paulo. Em 30 dias, diz que começa a instalar 30 mil cestos de lixo na cidade. É pouco, mas é um começo. A população também poderia começar a fazer a sua parte e sair imitando gente como Ijima e o professor Campos Filho.
* Karina Miotto é jornalista em São Paulo, colunista de meio ambiente da revista Ragga, de Belo Horizonte, e autora do blog Eco-repórter-Eco.
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