Reportagens

O vai e vem das árvores

A Marina da Glóra vai ampliar suas instalações para receber o Pan. Para isso, algumas árvores vão mudar de lugar, outras vão sumir e centenas devem aparecer.

Juliana Tinoco ·
2 de junho de 2006 · 19 anos atrás

Quem chega ao Rio de Janeiro pelo aeroporto Santos Dumont é recebido por um extenso jardim plantado na década de 60, sobre parte da Baía de Guanabara, conhecido como Aterro do Flamengo. O parque margeia a praia do Flamengo, ocupa 120 hectares de uma área nobre da cidade e abriga 11 mil árvores de 119 espécies nativas e exóticas. O projeto foi assinado por conceituados nomes do paisagismo e da arquitetura brasileira, como Roberto Burle Marx e Sérgio Bernardes, mas agora terá 221 árvores transplantadas e 54 cortadas por causa dos jogos Pan Americanos de 2007, que serão realizados em solo carioca. Para não ficar mal na história, a Secretaria de Meio Ambiente do município mandou encher o parque com outras 988 árvores.

O parque do Flamengo é tombado pela prefeitura, mas há uma exceção: a área de 100 mil metros quadrados na Enseada da Glória, cedida à Marina da Glória em1984. Os organizadores do Pan afirmam que a marina precisa ser ampliada para sediar as competições náuticas. No projeto original do parque, o local escolhido para a ampliação deveria abrigar um espaço com plantas ornamentais, um pavilhão de flores, um aquário público e uma área para piquenique. Funcionam ali hoje instalações administrativas da Comlurb, da Guarda Municipal, da Rio-Luz e da Fundação Parques e Jardins, além de uma estufa de mudas. Mas tudo isso já está sendo demolido.

O que vai surgir no lugar é um complexo turístico, com um centro de convenções, dois salões de exposição, dois grandes restaurantes, uma praça de alimentação, um salão de eventos, um estacionamento externo e um coberto. Do outro lado da marina, próximo ao aeroporto, ficará o hangar de embarque e desembarque dos veleiros que participarão das provas. Contornando a marina, pelo projeto, será construído um muro de proteção transparente, feito de policarboneto. A população que visitar a área só poderá apreciar a vista dos morros que compõem o Pão de Açúcar através do muro.

Para que tudo isso aconteça, 221 árvores serão mudadas de lugar para ceder espaço à obra. Outras 54, que não constam do projeto original de Burle Marx e nasceram por polinização, como amendoeiras e leocenas, simplesmente sumirão. Todo o processo já possui licença dos orgãos ambientais federais e estaduais e a primeira árvore foi arrancada no dia 28 de abril. Como compensação para os freqüentadores do Aterro, que vira área de lazer nos fins de semana e feriados, a Secretaria de Meio Ambiente exigiu o plantio de 988 árvores no local.

“Elas serão plantadas no bosque que faz parte da Marina da Glória (foto acima) e vão entrar pelo terreno que será do estacionamento. Outras irão substituir as árvores desta área que estão morrendo”, explica Vera Mafra, consultora ambiental da Marina da Glória. Segundo ela, as árvores plantadas serão das mesmas espécies encontradas no parque e não há nenhum perigo da área virar uma grande floresta. “Elas ficarão bem espalhadas. Tudo será feito obedecendo o projeto paisagístico do parque”, afirma. 

Atropelo

Haruyoshi Ono, diretor do escritório Burle Marx, só foi avisado formalmente da obra dia 24 de maio, quase um mês depois de retroescavadeiras terem sido vistas retirando árvores durante a noite. “Deveriam ter nos contactado antes, mas agora vamos analisar a questão. Qualquer plantio será feito dentro da ordenação do projeto original, com nossa supervisão. Grande parte dessas árvores irá ocupar a área que pertence à marina. Nós esperamos que haja espaço. Se nem todas as árvores couberem, temos que tentar plantá-las em outro lugar da cidade”, explica. Mas as primeiras árvores já foram transplantadas, mesmo sem o parecer do escritório Burle Marx. “Precisamos ainda avaliar quais espécies suportam o transplante”, diz Haruyoshi.

Representantes das associações de moradores dos bairros próximos ao Aterro, AMA Flamengo, AMA Glória e AMA Centro, além de uma série de simpatizantes do parque, estiveram em uma audiência pública no dia 1o de junho para reivindicar que a Marina da Glória pare a obra de ampliação. “Esta obra é uma apropriação do espaço público, é um ato arbitrário. Vai descaracterizar todo o projeto do Aterro”, diz Ana Rosa de Oliveira, pesquisadora do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico e da obra de Burle Marx.

Cláudia Girão, arquiteta do IPHAN lamenta ter sido tão tolerante com os constantes pedidos de ampliação feitos pela marina. “Começavam pedindo para construir uma lojinha, quando se via já tinham várias. Agora querem construir um pavilhão de dezoito metros de altura. Vão cobrir toda a vista para a Baía de Guanabara”, conta. Segundo Mauro Vidal, presidente da AMA Glória, os moradores não foram consultados quanto à realização da obra. “Estão todos se aproveitando do Pan para fazer obras. Isso só atende a interesses particulares”, reclama. Virgínia Murad integra o Comitê Social do Pan, um grupo que reúne associações e sindicatos diversos por um objetivo comum: apontar os impactos sociais e ambientais nas obras do Pan. “Esse projeto para a marina já existe desde 1995 e possui oito processos contra. Ele só pôde ser retomado por que usou o Pan como desculpa”, revela. As árvores que se cuidem.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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