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Meio ambiente e fofoca

A proteção do anonimato estimula denúncias irresponsáveis na área ambiental. Numa democracia, a vontade de salvar o mundo não atenua o crime de calúnia.

15 de abril de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Aqueles poucos homens e mulheres de boa vontade que se dispuserem a ler este artigo poderão, com toda liberdade, pensar que o articulista endoidou de vez. Afinal de contas, o que o meio ambiente tem a ver com a fofoca? Bem, em primeiro lugar, não podemos esquecer que já tivemos, na época da “gloriosa”, o chamado Serviço Nacional de Intrigas – SNI –, que foi a consubstanciação da fofoca e ainda cobrava um elevado preço dos alvos da bisbilhotice oficial. Falar mal da vida alheia é um dos esportes mais populares deste nosso país. Logo, não haveria qualquer motivo para que o meio ambiente ficasse imune à fofoca, como se fosse uma unidade de conservação da categoria proteção integral.

Aliás, é bem ao contrário: fofoca-se, e muito, em matéria ambiental. Já contei aqui a história do papagaio da minha amiga. Devido a uma denúncia anônima, o Ibama mobilizou a sua estrutura de fiscalização para investigar a situação. Estou certo que ao fim das investigações a instituição se convencerá de que o papagaio está sendo bem tratado e não corre nenhum risco, mandando arquivar a denúncia. O caso do papagaio é apenas um aspecto anedótico do problema. O que pretendo tratar nesta coluna é da questão de fundo.

A sociedade brasileira, não é de hoje – e nesse caso, a culpa não é só da “gloriosa” -, não está acostumada a conviver com regimes democráticos e os mecanismos institucionais e políticos inerentes à Democracia. Ainda que possa parecer um papo reacionário, expressão que arqueologicamente precede o politicamente incorreto, assumo o risco de receber um epíteto que, segundo o impagável Nelson Rodrigues, é pior do que ter a mãe xingada, “Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário”. Não posso deixar de registrar o fato de que em sociedades democráticas, a liberdade é inseparável da responsabilidade, pois uma não existe sem a outra.

Ora, a Constituição Brasileira estabeleceu toda uma série de direitos e garantias individuais que, como se sabe, são exercidas em face do Poder Público. Há uma ampla série de institutos processuais e administrativos aptos a garantir os direitos dos cidadãos, inclusive, no que tange ao oferecimento de denúncias de danos ao meio ambiente ou corrupção administrativa. Existe o crime de denunciação caluniosa, que é aquele no qual uma pessoa dá causa à instauração de uma investigação contra outra que sabe inocente (1). Existem, também, os crimes de calúnia, injúria e difamação que são atentados à honra subjetiva de uma pessoa. O simples fato de que alguém ache que com as suas denúncias está salvando o mundo, ou a mata atlântica, ou mesmo o simpático mico-leão dourado, não se constitui em Hábeas Corpus preventivo, ou indulgência plenária.

Apesar disto tudo, em pleno regime democrático, estão se proliferando os serviços de denúncias anônimas que aceitam toda e qualquer denúncia, mesmo que nenhum elemento concreto seja fornecido pelo denunciante. Basta que alguém mande uma carta para um desses serviços afirmando: “fulano de tal é corrupto” para que se inicie uma investigação com conseqüências, no mínimo, desagradáveis para o investigado. Eu sei do caso de uma pessoa que responde a mais de 30 inquéritos policiais por supostos crimes de desobediência e que vêm sendo todos arquivados por falta de tipicidade penal.

Nos diferentes órgãos ambientais, a quantidade de servidores processados por improbidade administrativa é extraordinária. Caso todas as ações de improbidade administrativa fossem julgadas procedentes, chegaríamos à triste conclusão de que o grupo de Ali Babá era até pequeno, pois ele só tinha quarenta. Infelizmente, diversos grupos utilizam o anonimato para promover vinganças pessoais, desestabilizar servidores públicos em função de destaque, impedir obras, etc. Muitas vezes são interesses comerciais prejudicados que se transformam em verdadeiros “cavaleiros verdes da defesa ambiental“. É bastante comum que grupos sem a devida informação atribuam a prática de crimes ambientais a torto e a direito, levantando acusações na maioria das vezes irresponsáveis. Hoje, qualquer cidadão tem o direito de se dirigir a um órgão público, formular uma denúncia e pedir sigilo. Aliás, existe um programa federal de proteção a testemunhas. O que implica na responsabilidade e comedimento com a qual o denunciante deve agir.

A aceitação de denúncias anônimas não impede que, em tese, eu formule uma denúncia anônima para mim mesmo e, ato seguinte, passe a realizar uma devassa na vida do meu inimigo, desde que eu esteja ocupando um cargo público adequado para tal. Uma vez que a sociedade não é feita de santos é necessário que existam salvaguardas adequadas para que não voltemos aos tempos no qual qualquer bobagem era motivo para a instauração do IPM (inquérito policial militar). Muitas vezes, sob a fachada de uma falsa legalidade e de uma igualmente falsa apuração de crimes ambientais, a estrutura do Estado serve de instrumento para a defesa do interesse de terceiros e que, nem de longe, guarda qualquer relação com o interesse público.

É necessário que as denúncias “anônimas” sejam definitivamente banidas do universo ambiental, sob pena de que aqueles que a elas dêem curso sejam eles próprios enquadrados no crime de denunciação caluniosa, pois qualquer um sabe que afirmações simplistas não podem ser provadas judicialmente. É importante que os autores de denúncias ambientais, de requerimentos ao Ministério Público, à polícia do meio ambiente e aos órgãos ambientais em geral tenham a exata consciência das conseqüências das imputações que fazem a terceiros. Listas sujas de poluição, outdoors denunciando empresas e pessoas como poluidores, são mecanismos úteis para a proteção do meio ambiente. Contudo, caso não expressem uma verdade, podem dar margem a processos contra aqueles responsáveis pelas “denúncias”. E aí não se trata de intimidação a ambientalistas, ou a quem quer que seja. É a pura e simples aplicação das regras do jogo democrático.

Enfim, os mexericos da Candinha não devem ser aceitos por totalmente incompatíveis com a democracia.

***

Presidente Márcio Braga, Corinthians B, não dá. Logo, logo, a torcida do Flamengo vai ter que ser protegida pelo Ibama, pois com estes resultados pífios, estou tendo que enrolar a Carina, minha filha de 3 anos, para ela torcer pelo Mengão!!!

1. Código Penal: “Artigo 339 – Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém imputando-lhe crime de que o sabe inocente. Pena- reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de Sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. § 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.”

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