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Tropa de Elite

Filme sobre o Bope leva colunista a refletir sobre suas experiências com a polícia na época em que dirigia o Parque da Floresta da Tijuca. Ela tinha um comportamento exemplar.

24 de setembro de 2007 · 17 anos atrás

Elite da Tropa é o título do filme de José Padilha que retrata o Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM do Rio, uma das unidades mais bem treinadas da polícia brasileira. A fita é inspirada no livro do mesmo nome de autoria do sociólogo Luiz Eduardo Soares, de Rodrigo Pimentel e de André Batista, ambos oficiais reformados da Polícia Militar com passagem pelo BOPE, como o batalhão é conhecido. Como é do conhecimento geral, o longa metragem foi pirateado antes de sua entrada em cartaz e, reproduzido aos milhares, foi vendido a preço de banana pela camelotagem carioca. O filme, ao que parece, é bom. Quem viu, recomenda mas, mais do que diversão, Elite da Tropa tem gerado um debate saudável sobre o papel das polícias e de diversos outros setores da sociedade na situação caótica e sem lei que vivemos hoje.

Cresci em meio à ditadura militar, acostumado a uma polícia corrupta, arbitrária e violenta. No início da década de 1980, quando comprei meu primeiro carro e comecei a me aventurar pelas matas da Floresta da Tijuca, era comum ser parado por uma patrulhinha que fazia ponto em frente à Cachoeira do Quebra, na estrada da Vista Chinesa. Praticamente arrancavam o dinheiro da sua carteira. IPVA atrasado, um pisca-pisca quebrado, um pneu mais careca ensejavam sempre a cervejinha que, na realidade brasileira, sela o acordo tradicional entre corruptor e corrupto. Para mim, pagar aquela eventual propina era quase como aceitar um desconto financeiro e, em chateações, na multa que tomaria pelo fato de meu automóvel estar com algum item irregular.

À medida que fui ficando mais velho, lendo e viajando pelo mundo afora, entretanto, dei-me conta do absurdo desse pacto e do círculo vicioso que ele nos impõe. Parei de furar sinal, deixei de comprar ingressos de cambistas e nunca mais tentei resolver meus problemas pessoais com um dinheirinho para o guarda. Afinal, em uma democracia, a lei é o espelho da vontade popular tal como legislada por representantes eleitos pelos cidadãos. Se nos recusamos a cumprir o pacto social expresso na legislação, instaura-se a regra geral do cada um por si, na qual força, poder e dinheiro sempre levam a melhor. Em suma, o que faz a lei ser cumprida não é a polícia, nem a justiça. O que faz a lei ser respeitada é a pressão social que segrega e repele os indivíduos que teimam em incidir naquilo que é entendido como inaceitável pela coletividade. A polícia e os tribunais existem para lidar com as exceções. Aqueles sujeitos que, mesmo sob forte rejeição da família, amigos e público, insistem em transgredir o que a sociedade deplora. Por isso é que no Brasil há leis que pegam e leis que não pegam. Pedofilia e estupro são feitos às escondidas. Seus perpetradores, quando descortinados, viram párias. Já, consumo de maconha, camelotagem e estacionamento irregular são socialmente tolerados. Tem-se medo da polícia mas não vergonha do ato. Por isso eles proliferam.

Ora, em vez de discutirmos o que deveria ser legal ou ilegal, e nesse debate envolvermos a sociedade como um todo, preferimos evitar a via da coletividade e resolver eventuais problemas diretamente com a polícia. Isto é, se flagrados cometendo um ilícito, pagamos uma pequena propina ao guarda para nos livrarmos – não da vergonha pública – mas do inconveniente burocrático a ser causado por uma ficha suja. As forças policiais, por sua vez, compostas de brasileiros que vêm do mesmo saco dos corruptores, não poderiam ser diferentes. Preferem resolver o problema de seus salários na base individual. Em lugar de lutar por soldos dignos, a tropa e a tiragem engajam em uma guerra diária na qual complementam os vencimentos com os arrêgos, e subornos dos cidadãos que surpreendem violando a lei, tal como expressa no ordenamento jurídico.

Quando fui diretor do Parque Nacional da Floresta da Tijuca, me dei conta de como a corrupção no Brasil é sistemática e perpassa todos os setores e classes sociais do país. Nos dois anos que lá estive confrontei-me diariamente com esse câncer social que nos está consumindo. Fiscais do Ibama, montanhistas, empresários, visitantes e policiais, todos temos culpa no cartório. No caso específico da Polícia, contudo, posso dizer sem medo de errar que conhecer o BOPE deu-me alento e esperança que um dia será possível viver em um Brasil melhor.

Meu primeiro contato com o BOPE não foi com a unidade propriamente dita. Quando assumi a Floresta, fui procurado pelo Superintendente da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, Paulo César Amêndola. Queria me oferecer o emprego de 28 guardas municipais no Parque. Após longa conversa, Amêndola aceitou que esses guardas fossem todos voluntários, que tivessem treinamento especial dado pelo Parque que os transformasse em Guardas-Parques e, mais importante de tudo, aceitou que ficassem operacionalmente subordinados ao Parque.

Fiquei impressionado que Amêndola aceitasse abrir mão do comando operacional de seus guardas. Nunca em minha vida, havia visto tanto desprendimento corporativo. Aos poucos me dei conta que Amêndola não tinha feito essa deferência por conta de meus belos olhos, mas porque acreditava em um Brasil melhor e entendia que o espírito público obriga o servidor a uma lealdade maior à Sociedade do que à corporação à qual eventualmente pertença.

Quando tivemos o maior incêndio da história do Parque, Amêndola colocou à nossa disposição 220 guardas. Não se tratava de coisa pouca. Além do efetivo, o Superintendente da Guarda Municipal também estava abrindo mão do comando dos seus homens que aceitara subordinar aos oficiais do Corpo de Bombeiros, bem como dos holofotes da imprensa que ficaram para o IBAMA.

Mas que Guarda era essa que Amêndola sonhava construir? Um dia, após uma reunião de trabalho finalmente lhe perguntei. A resposta surpreendeu. “Quero fazer uma Guarda como a PM. A minha PM. A PM que sempre servi, que é honesta, que quer um Brasil melhor e que existe, embora grande parte da sociedade a desconheça”. Amendôla é tenente-coronel reformado da Polícia Militar. Foi sob sua inspiração que o BOPE foi criado em 1978.

Por intermédio de Amêndola, conheci o então tenente-coronel PM Sérgio Woolf Meinicke, outro Caveira, como os integrantes e ex-oficiais do BOPE são conhecidos. Meinicke assumiu o comando do Batalhão Florestal quando essa unidade se encontrava desmoralizada e era tida como altamente corrupta. Minha experiência com esse batalhão sempre foi a melhor possível. Nos apoiou em diversas operações que nos permitiram desmontar 70 acampamentos de caçadores. Para o Coronel Meinicke e sua tropa não havia tempo ruim. Se houvesse problema, havia solução. Nunca recebi uma reclamação sequer de corrupção ou de desvio de conduta de seus homens. Todos admiravam o Coronel Meinicke que, segundo um sargento, era bom atirador, excelente comandante e honesto como um “caveira”.

Quando fui ameaçado de morte por estar tentando resolver o problema das bandalhas do Corcovado, outro caveira entrou em cena. Alertado para o problema por Amêndola, o então comandante do BOPE, Major PM Penteado, me telefonou e disse: “Diretor, se precisar de proteção é só avisar. A causa é boa”.

Assim, não me surpreendi quando recentemente visitei a sede do BOPE no bairro de Laranjeiras, que o Batalhão divide com o Fluminense Football Club, outra instituição de elite. Vi um quartel imaculadamente limpo e bem organizado, onde os soldados vestem fardas impecáveis das quais demonstram ter inequívoco orgulho. Fui recebido pelo Comandante da unidade, tenente-coronel Pinheiro Neto. O oficial, sempre solícito, convidou-me a almoçar. Depois mostrou suas instalações. Durante todo esse tempo não conversamos sobre o filme, mas sobre a Favela Tavares Bastos, vizinha ao quartel e completamente livre do tráfico e pacificada. Vimos o do-jô do BOPE que é disponibilizado para crianças carentes, falamos sobre a academia de ginástica da tropa que o comandante deseja ver servindo membros da comunidade, visitamos um mirante de onde a vista alcança a baía de Guanabara. Lá de cima, apontando para a favela Tavares Bastos o coronel perguntou; “quer descer lá embaixo comigo? Vou fardado e desarmado. Você vai ver o apreço que os habitantes têm pela polícia. Aqui eles gozam de segurança e, sem segurança não há liberdade. As crianças da Tavares Bastos só conhecem assassinatos pela televisão”. Observo que a mata da APA São José, que circunda a favela, está intacta. A resposta vem rápida. O BOPE fiscaliza os ecolimites e impede que a favela sofra expansão horizontal às expensas do meio ambiente. Além disso, Pinheiro Neto me assegura que em conjunto com a Prefeitura o BOPE plantou 10 mil árvores em seu terreno. Não consigo deixar de pensar no 22º Batalhão da PM na favela da Maré e no 2º BPM ao pé do Dona Marta. Se o BOPE pode liberar e pacificar o seu entorno, porque outros batalhões não podem? Penso também no Batalhão Florestal, sediado em Columbandê, tão longe dos parques e florestas fluminenses. Hoje, sem o coronel Meinicke o Batalhão Florestal não é mais o mesmo. Talvez se estivesse dentro das unidades de conservação ficasse tentado a desenvolver um trabalho melhor…

Acordo do meu devaneio. É o coronel Pinheiro Neto querendo me pedir algo. Ele deseja que eu o ajude a conseguir treinamento para seus homens em Portugal, onde vou morar. A Polícia lusitana é das melhores do mundo em negociação e resgate de reféns e o BOPE quer aprender com ela.

Não vi “Elite da Tropa” e até acredito que mostre desvios de doutrina inaceitáveis para uma sociedade democrática. Mas certamente o BOPE que eu conheço não comunga com esses supostos desvios. Seus integrantes, até onde pude aquilatar, querem um Brasil melhor para todos e têm demonstrado ser gente séria e idealista. Gostaria que esse BOPE a que me refiro servisse de exemplo moral para a Polícia e para a sociedade como um todo. Mas não sou tão ambicioso. Já ficaria feliz se o Batalhão Florestal fizesse na floresta o que o BOPE faz na cidade.

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