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Energia do mar: soluções para o aquecimento global

O mar é uma esperança futura para produção de energias limpas. Já há tecnologia para obter eletricidade por ondas, correntes, ventos, temperatura e diferença de salinidade.

19 de março de 2007 · 18 anos atrás
  • Frederico Brandini

    Oceanógrafo e líder Avina que participou de várias expedições do Programa Antártico Brasileiro. Trabalhou como Professor do C...

Nesse clima global de ameaça ao clima global por conta da poluição por combustíveis fósseis e até pum de cupim, parece que finalmente nossos governantes acordaram ou limparam os ouvidos. Agora já discutem e escutam com mais atenção o alerta da comunidade científica sobre o aquecimento da Terra. A poluição atmosférica e seus efeitos climáticos, uma ameaça real e iminente para as próximas gerações, de proporções catastróficas, faz com que vários países retomem as pesquisas no sentido de tornar economicamente viável a geração de energia limpa a partir de fontes alternativas. E o mar inspira e lidera cada vez mais iniciativas tecnológicas na busca de soluções em curto prazo para o pior que vem aí. Se é que ainda dá tempo. Clique aqui para conhecer, em imagens, alguns desses projetos.

No mar a energia elétrica pode ser obtida a partir de ondas, correntes de maré, ventos, gradientes horizontais de salinidade e gradientes verticais de temperatura. Já existem protótipos e projetos em estágios mais avançados de funcionamento e aqui estão alguns exemplos:

Energia das marés – O mais estável e previsível dos processos oceanográficos com potencial para extração de energia elétrica é a circulação diária das marés. Existem basicamente duas possibilidades de extrair energia das marés: usinas de barragem e turbinas aquáticas. O primeiro é formado por uma barragem com turbinas na base que aproveita o desnível da água de ambos os lados da barragem em função do ciclo de marés.

A maior usina de barragem de maré funciona no estuário do rio Rance, no norte da França, com capacidade de produzir 240 MW. Atualmente, para atender ao protocolo de Kioto, que regula a emissão de carbono na atmosfera, o governo da Grã-Bretanha está estudando a possibilidade de gerar um quinto da demanda de eletricidade do país com a construção de uma usina de barragem no estuário do rio Severn. Também existem turbinas semelhantes no Canadá (20 MW) e China (40 KW). O maior problema com esse sistema é o impacto ambiental decorrente da construção da barragem em regiões estuarinas. No Brasil isso seria uma catástrofe do ponto de vista ambiental e sócio-econômico. Veja algumas dessas barragens.

Do ponto de vista ambiental, a tecnologia mais apropriada de obtenção de energia das marés é a instalação de turbinas subaquáticas como as da empresa Marine Current Turbines Ltd. Funcionam como moinhos de vento, mas são submersos e captam a energia das correntes geradas pelos ciclos de maré. Cada unidade gera entre 750 e 1500 KW dependendo da corrente local. Confira imagens das turbinas.

Energia das ondas – Estima-se que a energia contida nas ondas em todos os oceanos seja de aproximadamente dois trilhões de watts (o equivalente a 2 mil GW). Estudos feitos na costa oeste americana estimam que em média cada metro linear de onda produza entre 40 e 70 KW. Projetos de extração de energia diretamente do movimento das ondas na superfície, ou das variações de pressão em subsuperfície decorrentes do movimento ondulatório no mar vêm sendo investigados por Escócia, Canadá, Austrália, África do Sul e Estados Unidos. A empresa Ocean Power Delivery prevê extrair 2,25 MW de suas máquinas Pelamis nas costas de Portugal. São quatro cilindros de aço inox com juntas articuladas que se movimentam com as ondas gerando energia elétrica. Veja imagens e vídeo dos projetos.

Gradientes térmicos verticais – Diferenças de temperatura entre a superfície ensolarada e o fundo escuro são características permanentes em regiões tropicais. Quem já teve o prazer de ir fundo no mar durante o verão já sentiu como a água é mais fria lá embaixo. Esse é um gradiente térmico vertical, que os oceanógrafos chamam de termoclina, pode ser diário quando se considera as diferenças de temperatura nos primeiros centímetros da água entre o dia e a noite; pode ser sazonal, ocorrendo apenas durante o verão em regiões temperadas, ou permanente como ocorre nas águas tropicais onde a radiação solar esquenta a superfície do mar o ano todo, mantendo diferenças térmicas marcantes entre a superfície e o fundo que podem chegar a 10 graus.

A idéia de energia elétrica extraída a partir de gradientes térmicos no mar foi concebida na França pelo físico Jacques Arsene d’Arsonval, em 1881. O princípio do sistema OTEC (Ocean Thermal Energy Conversion) é evaporar amônia com a água quente de superfície que se expande movimentando turbinas que geram energia elétrica. Em seguida a amônia é condensada pela água fria bombeada dos níveis abaixo da termoclina permanente, retornando ao sistema na forma líquida e fechando o ciclo. Clique para ver as turbinas.

Em 1930 George Claude, discípulo de Arsonval, construiu em Cuba a primeira planta de geração de energia a partir do gradiente de temperatura, e uma outra no Brasil em 1935. Eram protótipos que foram destruídos pelo mau tempo. Uma nova tentativa foi feita mais tarde na década de 50 pelos franceses na Costa do Marfim, África. Os custos operacionais inviabilizaram sua construção e a idéia foi novamente abandonada. Mas uma boa idéia não deixa de ser boa só porque não foi executada corretamente.

A partir de 1974 os Estados Unidos assumiram a liderança na pesquisa de novos OTECs na tentativa de reduzir custos de construção e atingir a viabilidade econômica. Além dos sistemas fechados com amônia, existe um sistema aberto no qual a água quente da superfície é bombeada para uma câmara de vácuo, evaporando e expandindo-se, movimentando turbinas. A água fria profunda bombeada para o sistema condensa o vapor formando água doce, que é aproveitada para consumo. Em 1979, uma parceria entre o governo americano e empresas privadas viabilizou um pequeno sistema OTEC em um navio ancorado ao largo do Hawaii. O sistema produziu energia suficiente para iluminar o navio e manter os computadores ligados. O sistema OTEC também canaliza a água fria profunda para sistemas de refrigeração e resfriamento de solos, viabilizando a agricultura de espécies de clima temperado em clima tropical.

Gradientes osmóticos – No mar existem diferenças de salinidade no plano horizontal e vertical, sobretudo na zona costeira. Quando rios desembocam no mar (isto é, os estuários), o encontro da água doce com a água salgada forma gradientes salinos marcantes, que podem gerar energia. Quem não se lembra do termo osmose? Quando uma solução menos salgada é separada de uma outra solução com mais sal por uma membrana semipermeável (isto é, que só deixa passar a água e não o sal que esta nela dissolvido), a água atravessa essa membrana no sentido “menos salgado para o mais salgado” buscando o equilíbrio osmótico. Ou seja, após algum tempo as duas soluções têm a mesma concentração de sal. Esse fluxo de água através de membranas semipermeáveis para equilibrar a pressão osmótica pode ser usado para girar turbinas.

Trata-se de uma tecnologia limpa, que no futuro pode ser usada em nossos estuários, sobretudo nos da região amazônica, mais carente em energia limpa. Não há impacto ambiental, a não ser aquele decorrente da própria construção, uma vez que o sistema não consome água ou sais, e não interfere no fluxo natural de água doce para o mar.

Ventos offshore – A tecnologia de extração de energia elétrica do vento desenvolveu-se exponencialmente nos últimos 25 anos, sobretudo na Europa e Estados Unidos. Mas o potencial dos ventos em regiões distantes da costa (ventos offshore) é maior. O único obstáculo são as instalações em águas com mais de 30 metros de profundidade. Nesse caso, o sistema precisa ser ancorado como ilustrado na figura. O potencial estimado de energia a partir de ventos offshore entre 5 e 50 milhas náuticas ao longo de toda a costa americana foi estimado em 907 GW, ou seja, maior que a capacidade total instalada no país.

Não foi à toa que os franceses selecionaram o Brasil para sediar uma das primeiras OTECs experimentais em 1935. Nosso país é privilegiado em relação a gradientes ambientais com potencial para geração de energia elétrica a partir dos ventos costeiros e gradientes termohalinos tendo em vista a ocorrência de termoclinas permanentes e próximas à superfície (e.g., regiões central e nordeste) e estuários ao longo de quase toda a costa brasileira. O sistema OTEC pode ser aplicado no nordeste para refrigeração de prédios públicos e para a cultura de espécies de clima frio. A geração de energia de marés pode ser uma alternativa na região norte (p.ex., Golfo Maranhense) onde as variações de maré são maiores.

O potencial no Brasil em relação à energia eólica em áreas de plataforma rasa também é enorme, sobretudo no norte e nordeste com a incidência constante dos ventos alíseos que, por enquanto, só movimentam jangadas. Já existem moinhos costeiros no Município de Osório (RS) em funcionamento. Não há porque não expandi-los para outras partes da região sudeste-sul e, principalmente para o norte-nordeste, onde a incidência dos ventos alíseos permite a viabilidade econômica de projetos dessa natureza.

É isso aí, gente! O mar é uma esperança futura de produção de energia limpa. O salvador de todas as pátrias em termos energéticos. Só resta esperar pela escassez e conseqüente aumento do preço dos combustíveis fósseis para que energias limpas extraídas do potencial marítimo tornem-se comercialmente competitivas e vençam a batalha pela demanda cega e desenfreada de nosso consumo suicida.

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Comentários 1

  1. Mario augusto simi diz:

    Maravilhoso texto, realmente a sabedoria do homem bem aplicada satisfaz a contento um futuro mais limpo e sustentável, li e reli o texto
    e admirei as fotos e os projetos de tecnologia avançadas. Gostei muito.