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Início de um diálogo

Os Princípios do Equador, que obriga bancos a levar em consideração o impacto ambiental no financiamento de projetos, são vagos. Mas não devem ser subestimados.

20 de agosto de 2004 · 20 anos atrás

Em junho de 2003, um grupo de dez bancos internacionais anunciou que a partir daquele momento suas operações de project finance – empréstimos para o financiamento de grandes projetos, geralmente nas áreas de energia e infraestrutura – estariam sujeitas aos Princípios do Equador, uma série de regras com o objetivo de avaliar (e mitigar, quando necessário) o impacto ambiental e social desses projetos. Desde então um número cada vez maior de bancos vem se unindo a essa iniciativa inteiramente voluntária, trazendo o total de participantes para 27, das quais três brasileiras. Mas até que ponto a adesão aos Princípios representa um comprometimento com a sustentabilidade?

Os bancos, e especialmente a atividade de project finance, estão hoje entre os principais objetos de fiscalização das ONGs ambientais, pois sem financiamento é impossível levar adiante grandes projetos. Além disso, bancos vivem da sua credibilidade e portanto são muito sensíveis a danos à sua reputação. Dentro da atividade bancária, a área de project finance é um alvo natural, pois envolve grandes projetos de extenso impacto ambiental – usinas hidrelétricas, oleodutos e gasodutos, por exemplo – e por deixar muito clara a vinculação entre a origem dos recursos e seus usos, pois, ao contrário do que ocorre com empréstimos bancários normais, o dinheiro é levantado para uso em projetos específicos.

Respondendo a essa pressão das ONGs, e com um empurrão amigável do IFC – International Finance Corporation, braço do Banco Mundial voltado para o setor privado – esse grupo de bancos procurou desenvolver uma abordagem comum para o problema do impacto social e ambiental dos projetos que financiam. Alguns deles alegam que já tinham seus sitemas de avaliação interna, mas a competição no mercado dificultava a tarefa: temerosos de perder negócios para competidores menos conscientes, eles buscavam uma solução coletiva.

A solução encontrada foi a adoção dos princípios utilizados pelo IFC na avaliação dos projetos que financia. Os projetos – acima de US$ 50 milhões – são classificados pelos próprios bancos em três categorias, A, B e C, de acordo com o seu tipo, localização, sensibilidade, escala do projeto e magnitude do impacto potencial. Para os projetos de alto e médio risco (categorias A e B) o tomador deve fazer um relatório de impacto ambiental cobrindo não apenas o seu efeito sobre o habitat mas também sobre grupos vulneráveis, minorias étnicas, migrações forçadas e possíveis efeitos sobre sítios de valor cultural. Além disso, para os projetos de alto risco tornou-se obrigatória também a elaboração de um plano de manejo ambiental, preparado pelo tomador ou por especialista, após consultas com as comunidades da área afetada. Cabe a cada banco desenvolver os processos e controles internos para garantir que os princípios serão respeitados.

As vantagens para os bancos de adotar esses princípios são claras. Em primeiro lugar está a preservação da sua reputação. Pode parecer cinismo, mas é com isso que contam os órgãos da sociedade civil que baseiam sua atuação na denúncia de malfeitores corporativos. Além disso, o impacto ambiental dos projetos financiados é cada vez mais um fator de risco, e uma avaliação cuidadosa desses fatores antes do início da sua implantação é uma maneira de mitigá-los.

O anúncio dos Princípios foi recebido com um certo ceticismo pela comunidade ambientalista. A principal dúvida era quanto à transparência do processo, interno aos bancos e não sujeito a qualquer tipo de auditoria ou acompanhamento externos. A sua interpretação ficaria entregue aos próprios bancos. Outros lamentaram a ausência de sanções para os signatários que desrespeitassem os Princípios. Houve também quem criticasse a timidez do documento, menos exigente que os princípios que orientam a atuação do Banco Mundial, e que não proíbe a atuação dos bancos em regiões geográficas ou ramos de atividade sensíveis. Não há nada nos princípios que proíba (por exemplo) a construção de um gasoduto dentro da floresta amazônica. No que parece ter sido a primeira batalha de um longo enfrentamento, os porta-vozes dos bancos responderam que em primeiro lugar não faz sentido exigir deles, que são instituições privadas, os mesmos padrões de comportamento de órgãos multilaterais. Que não podem quebrar o sigilo da relação com o cliente; e que um foco exclusivo nos aspectos ambientais ignora outras dimensões importantes dos projetos, como a geração de renda para aliviar a pobreza.

Uma iniciativa voluntária como essa jamais poderia satisfazer todo o espectro de opiniões das organizações não governamentais. Para as ONGs mais moderadas, o dilema apresentado é agudo. Por um lado há o desejo de exigir mais avanços. Por outro, há o temor de alienar justamente aqueles bancos que parecem mais abertos à cooperação, deixando o campo aberto para os mais irresponsáveis.

Diante do dilema, só resta acompanhar a implementação. Pouco mais de um ano depois do anúncio dos Princípios, ainda é muito cedo para qualquer conclusão definitiva. O conjunto de bancos participantes já é bastante representativo, compreendendo instituições responsáveis por mais de 80% do volume total de project finance do mundo. Mas muitas das instituições participantes ainda estão se estruturando para seguir as regras, processo que pode ser acelerado pela crescente troca de informações e experiências entre os vários bancos.

O teste prático, através da aplicação a projetos específicos, ainda gera polêmica. Apesar das dificuldades causadas pelo sigilo dos bancos, já é possível analisar projetos aprovados dentro do novo contexto. O exemplo mais discutido é o do oleoduto Baku-Tibilisi-Ceyhan, que ligará os poços de petróleo do Azerbaijão a um porto na Turquia. O projeto, o maior classificado na categoria A, conta com o financiamento do IFC e de oito bancos signatários dos Princípios. ONGs que se opõem à construção do oleoduto dizem que ele viola centenas de pontos do acordo, mas o IFC celebra o caso como um sucesso, pois os bancos foram capazes de lidar com o assunto. De fato, a margem para interpretação dos princípios é grande, especialmente na classificação do projeto nas categorias de alto, médio e baixo risco.

Será que ao menos a experiência terá servido para estimular o diálogo entre empresas e ONGs? O número de conferências cresceu, mas há sinais de que as línguas faladas pelos dois lados ainda são diferentes. Isso ficou evidente no início do ano, quando 12 dos bancos do Equador resolveram escrever ao presidente do Banco Mundial para expressar sua opinião contrária a um relatório que defendia a suspensão de empréstimos multilaterais para projetos de extração de óleo e carvão. Muitas ONGs não gostaram.

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