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Polícia para quem precisa

O Governo Federal prepara mais um Projeto de Lei, para transformar oficialmente em crime a biopirataria. Pode ser justamente o que o país não precisa.

20 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Perdoem-me a insistência sobre um mesmo ponto, mas enquanto os nossos governantes não se cansarem de abordar as questões ambientais pelo ângulo errado, não há muito como fugir do tema. Reza a lenda – ou, ao menos assim foi noticiado – que o Governo Federal está cozinhando mais um Projeto de Lei com o intuito de inserir o crime de biopirataria – que normalmente consiste na apreensão e na exportação ilegal de espécimes de nossa fauna e flora –, na Lei de Crimes Ambientais.

No jargão legal, o ato de inserir uma determinada conduta em um artigo de lei é conhecido por “tipificar”. A importância disso é que, de acordo com um princípio jurídico conhecido por Princípio da Legalidade, previsto na Constituição Federal, ninguém pode ser punido por qualquer conduta que não seja expressamente proibida em lei. É por isso que o artigo 121 do Código Penal, que tipifica o crime de homicídio, diz simplesmente “matar alguém”. Nessa linha, desde a promulgação daquela Lei, portanto, matar alguém passou a ser crime passível de punição. Antes disso, não. Trata-se de uma garantia de que dispõe todo cidadão de que não será punido arbitrariamente.

No caso da biopirataria, hoje ela é punida com base no art. 29 da Lei de Crimes Ambientais, que tipifica como crime, punível com pena de seis meses a um ano de prisão, “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”. O inciso III do mesmo artigo imputa a mesma pena para quem “vende, expõe a venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente”.

Como se nota, a biopirataria está tipificada, mas de forma no mínimo indireta. Além disso, temos que considerar que penas tão brandas permitem que o acusado responda ao processo em liberdade, o que dá à maioria estrangeira de “biopiratas” a chance de escapar do país antes de sofrer qualquer punição. Um Projeto de Lei que viesse para mudar isso, permitindo a punição dessas pessoas seria muito bem vindo e, ao que tudo indica, estamos indo na direção correta, certo?

Na minha opinião, não é bem assim. Acho que nossos neurônios e preciosos minutos de atividade parlamentar estariam mais bem empregados na criação de meios para melhorar a fiscalização de nossas reservas naturais, em sentido amplo. Os benefícios seriam, sem dúvida, maiores. Não adianta criar leis de boa qualidade, como temos feito, se não há quem fiscalize e imponha o seu cumprimento. De que serve tipificar a biopirataria se só conseguimos pôr as mãos em uma parcela ínfima das pessoas que a praticam?

O Ibama dispõe, segundo dados oficiais, de 360 fiscais – muitos já remanejados de outras regiões – para fiscalizar os mais de 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Brasileira. São cerca de 13,9 mil quilômetros quadrados de matas e rios para cada fiscal ficar de olho não apenas em biopiratas, mas em madeireiros, garimpeiros, traficantes, queimadas, índios, fazendeiros e caçadores. Não é preciso ser o Oswald de Souza, o ex-matemático oficial do Fantástico, para perceber que essa conta não fecha. E isso para falar só na região amazônica, sem tocar no já delicadíssimo e negligenciado tema do cerrado.

O triste paralelo desta constatação é a atual crise de segurança vivenciada pelo Rio de Janeiro. Tráfico de entorpecentes, homicídio e corrupção, entre tantos outros, estão devidamente proibidos por lei e são punidos com penas severas, mas de que isso nos tem adiantado? De quase nada, porque a polícia carioca é mal preparada, mal armada, corrupta e em todos os sentidos ineficiente. A lei sozinha não serve de nada. E de nada prestará uma nova lei criminalizando a biopirataria se não se consegue, em primeiro lugar, localizar e prender os criminosos e devolver às nossas matas o que delas foi irregularmente retirado. As queimadas também servem a este propósito. São um dos maiores problemas ambientais que temos e, apesar de serem visíveis de longe, raramente se ouve falar de alguém punido pela sua prática na Região Norte.

Por outro lado, é válida uma pausa para se analisar o lado positivo da biopirataria. Muitas vezes, as espécies exportadas ilegalmente ainda não foram descritas ou catalogadas e o serão no exterior, em laboratórios privados. Essa evasão de patrimônio genético é uma grande perda para o Brasil e uma pena pesada a ser paga por todos os brasileiros, pela nossa incompetência em promover a pesquisa sobre nossos próprios recursos naturais. Por outro lado, é infinitamente melhor que essas espécies sejam estudadas pela via transversa do que condená-las à extinção antes mesmo de sua descoberta.

Está na hora de o Brasil acordar para a necessidade de investir em pesquisa e fiscalização. Uma única aranha brasileira pode ser vendida na Europa por até 11 mil reais. É o quanto vale a nossa fauna para quem sabe valorizá-la.

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