A notícia já não é nem tão nova assim, mas cabe perfeitamente no momento. No último dia 15 de fevereiro, o Greenpeace conseguiu uma decisão judicial ordenando que o governo britânico refaça todo o processo de consultas públicas que obrigatoriamente antecede a instalação de uma nova geração de usinas nucleares no país.
O processo baseava-se na alegação feita pelo grupo ambientalista de que as consultas levadas adiante pelo governo eram, na verdade, um embuste, um procedimento pro forma, que não atendia aos seus verdadeiros propósitos. Segundo a ação, o governo deixou de apresentar propostas claras o informações importantes sobre temas tão relevantes quanto a disposição final dos resíduos radioativos e o custo financeiro das novas usinas.
Os Juízes que compõem a High Court inglesa, em sua maioria, concordaram. Em seu voto vencedor, o Juiz Sullivan criticou o procedimento levado adiante pelo governo. Segundo ele, as consultas duraram pouco tempo, continham lacunas graves, induziam a população a erros e eram “procedimentalmente injustos”, além de basearem-se em um documento que não continha qualquer proposta concreta e não apresentava informações suficientes para permitir à população uma “resposta inteligente”, o que evidenciaria que “algo estava clara e radicalmente errado” com as consultas.
Segundo uma reportagem publicada no jornal The Independent, a decisão também teria se baseado em uma denúncia feita, no próprio jornal, por dois cientistas, de que Tony Blair teria manipulado um relatório apresentado por um grupo independente sobre o assunto, alterando trechos sobre as alternativas existentes à energia nuclear, com o intuito de dar confiança à população sobre o seu projeto e acelerar a construção das novas usinas.
Agora, o governo britânico está às voltas com uma batata quente de boas proporções. A construção das novas usinas é considerada fundamental para manter a saúde e a independência energética do país e para as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa impostas pela União Européia. Sem elas, ficará muito difícil o Reino Unido atingir ambos os objetivos, o que significa que o governo sequer deverá recorrer da decisão, preferindo refazer o processo de consultas públicas para dar início, o quanto antes, às obras o que deve, de fato, acontecer ainda este ano.
O processo e a decisão, é preciso que se diga, não entram, em momento algum, no mérito da discussão sobre a energia nuclear. O que se discute, mais uma vez, é a forma adequada de se fazer uma consulta à população sobre temas ambientalmente relevantes. É um caso bem parecido com o que impede, hoje, o andamento das obras da UHE Belo Monte, embargadas pelo Ministério Público por falta de adequada oitiva das comunidades indígenas afetadas.
Desde que apareceram na legislação brasileira, tais audiências públicas têm sido encaradas por governo e empreendedores particulares como apenas mais uma formalidade inútil no caminho do progresso. E é isso o que elas têm se tornado, enquanto geralmente são mal divulgadas, apresentam — para a meia dúzia de ambientalistas e pessoas que a elas comparecem — informações incompletas ou manipuladas e ou apenas fingem dar ouvidos ou ignoram solenemente a “opinião pública” nelas manifestada. Ou seja, um embuste como o que Tony Blair estava orquestrando.
Eu não me lembro de jamais ter ouvido falar em um único empreendimento que tenha sido suspenso ou modificado por conta do que foi dito em alguma dessas audiências. Me corrijam se eu estiver errado. A impressão que se tem é justamente a de um procedimento pro forma, apenas para ganhar mais um carimbo dos órgãos licenciadores. Se ninguém compareceu, não faz mal, e o que se disse, não importa. A “audiência” aconteceu.
Legalmente falando, não poderia ser assim, e todo mundo sabe disso. A audiência pública é um procedimento que tem um objetivo claro e relevante e, por isso, quando realizada nas coxas, só para “cumprir tabela”, deveria ser dada como não ocorrida.
Ambos os casos — assim como vários outros — deveriam ser suficientes para mostrar que, ao contrário do que afirmou Lula, a culpa pelo atraso ambiental no “desenvolvimento” de um país normalmente não é do bagre que nada nos rios, mas das antas que comandam a política.
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