Vem da Quarta Vara Federal de Campo Grande a última palavra em placebo jurídico para tratar problemas ambientais. Sua receita está na solução que o juiz Pedro Pereira dos Santos deu à ação ordinária 2006.60.00.001696-3. O número parece complicado. Mas a sentença é simples. Ela resolve, com poucas palavras, mais uma pendenga da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul com o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, sob o argumento de que, seis anos depois de decretá-lo, o governo não cumpriu o prazo, que ele mesmo se concedera, para desapropriar as fazendas engolidas pela reserva.
Quer dizer que ele caducou? Sem dúvida, diz o juiz. “O decreto que declarou como de utilidade pública as terras destinadas à criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena foi publicado em 22 de setembro de 2000”. Ele argumenta. Logo, “a partir de então, começou a contar o lapso temporal de cinco anos para conclusão da desapropriação”. Em 2007, está mais do que evidente “a caducidade do decreto”.
Intime-se e cumpra-se
Portanto, os fazendeiros não poderiam continuar sujeitos a “restrições na exploração de suas propriedades, por força da declaração de utilidade pública”. E Santos deferiu-lhes o pedido para que “os órgãos públicos de fiscalização” examinem, dentro do parque, “projetos de exploração” dos recursos naturais.
A decisão saiu em fevereiro. Mas, como no Brasil inteiro este ano está custando a começar, só agora se alastrou pelos arredores da Bodoquena, com o boato de que o parque, antes mesmo de funcionar, acabou, liquidado por ordem judicial, com os “intime-se” e “cumpra-se” a que tem direito. Em outras palavras, a serra estaria devolvida não só aos pecuaristas, como a madeireiras, que passam na motosserra até as árvores da reserva indígena de Kadiwéu.
Mas essa é daquelas notícias que, quando aprendem a andar com as próprias pernas, vão longe. E o Ibama resolveu esta semana solicitar ao juiz que esclareça o sentido de sua decisão. Senão, dará um trabalho danado explicar aos interessados, em campo, que ele não disse o que os fazendeiros gostariam de ouvir.
Não foi o decreto de criação do parque que ele revogou. Nem poderia. Por sorte, dada a lerdeza com que essas providências se materializam no Brasil, qualquer parque nacional, uma vez decretado, só acaba se o seu atestado de óbito for lavrado em nova lei.
Caiu, com a sentença, exclusivamente o prazo para desapropriação – que, por sinal, caído estava e caído ficou. Fora derrubado, há muito tempo, pela ordem natural das coisas, que faz todos os prazos de cinco anos vencerem, por larga margem, seis anos depois. Vencê-los, diga-se de passagem, é tradição na história dos parques nacionais no Brasil. Se dependesse da pontualidade dos processos de regularização fundiária, não sobraria nem o parque de Itatiaia, o primeiro do país. Ele se prepara para comemorar, em junho, 70 anos. E sua desapropriação ainda não começou.
A primeira parte da sentença não passa de música aos ouvidos dos proprietários rurais na Bodoquena. Soa bem. Mas não muda os acontecimentos. A segunda é mais prática. Determina que os “órgãos públicos” – leia-se Ibama – examinem projetos de exploração nas fazendas. Ou seja, quem tiver uma proposta para extrair madeira de suas terras, pode encaminhar o pedido às autoridades competentes. E elas, depois de examiná-los, pode indeferi-los, mesmo porque a atividade madeireira na Bodoquena, com ou sem parque, está vedada pela Lei 11.428, de dezembro passado, que protege a vegetação nativa da mata atlântica. Quem quiser pedir licença, que peça. Mas se prepare para ouvir “não”.
Resta saber se o juiz conseguiu essa proeza por habilidade ou por acaso. Deu à federação o que era da federação, e ao parque, o que era do parque. Pode ter provocado, pela ambigüidade, uma certa confusão na serra que alimenta de rios cristalinos o turismo de Bonito, mas isso, no Brasil, é o de menos. Do jeito que o país anda confuso, não fazer nada com todo o rigor é lucro. A sentença deveria ser ensinada nos cursos de Direito.
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