Minha intenção era aproveitar o dia internacional do meio ambiente e falar um pouco a quantas anda a situação de nosso planeta, trazer fotos de diversas partes do mundo – China, Antártida, Amazônia e outros lugarzinhos que continuam a sofrer com problemas ambientais. Mas resolvi pegar o gancho de um acontecimento que trouxe à tona um velho assunto preocupante: o sufoco que os animais silvestres vêm passando com a expansão urbana. Nesta semana acompanhei mais uma vez o trabalho do Centro nacional de pesquisas para conservação de predadores naturais – CENAP/IBAMA. Na cidade de Extrema, divisa de São Paulo com Minas Gerais, um morador local estava sofrendo com a perda de galinhas para algum “gatuno”.
Acreditando que pudesse ser um cachorro (disse ele), montou uma armadilha e nela caiu uma onça-parda. A polícia florestal foi avisada e ela, obviamente, acionou o centro técnico. Veterinário e biólogos a postos, o bicho foi sedado, recebeu um chip subcutâneo, teve amostras de sangue tiradas, foi medido, pesado e solto num cinturão de mata não muito longe dali. Explicaram para o tal morador que provavelmente o animal voltaria já que aquela região era seu território. Comentaram da ilegalidade e do perigo da sua atitude em montar uma armadilha, pois se fosse um animal um pouco maior certamente teria se desvencilhado daqueles arames. E toda esta história aconteceu a menos de dois quilômetros do centro da cidade.
De acordo com a Conservation International, o Cerrado perde cerca de 3 milhões de hectares por ano, o que equivale a 2, 6 campos de futebol por minuto, taxa 10 vezes maior do que a Floresta Atlântica. E não vou nem citar a ‘menina dos olhos’ do mundo, a Amazônia, ou a ignorada Caatinga. Acrescente o êxodo rural para os grandes centros urbanos e sua conseqüente expansão, a proliferação de estradas, a caça de animais silvestres por aqueles que efetivamente não dependem disto como alimento, a necessidade natural do maior felino brasileiro de palmilhar um vasto território para sobreviver e pronto, tem-se o inevitável encontro. No caso da oncinha ‘mineira’ seu futuro foi garantido, pelo menos por enquanto – os policiais que participaram dessa captura noticiaram que há um mês atrás uma outra onça-parda fora atropelada na Rodovia Fernão Dias, não muito longe dali.
Nos últimos 12 meses, o CENAP registrou mais de 10 ocorrências de onças vistas e/ou capturadas próximas a cidades. Nos últimos 5 anos, foram quase 30 casos. Pode parecer pouco, não fosse o fato que estes felinos estão no topo de cadeia alimentar e possuem naturalmente uma baixa densidade populacional. Em agosto passado, na zona rural de Bragança Paulista, há 70 km de São Paulo, um morador encontrou uma outra onça-parda acuada em cima de uma árvore. Documentei também o trabalho do CENAP e caminhando por ali, num raio de 500 metros ao redor da casa, encontrei 3 armadilhas para pacas e tatus; carnívoro tem que comer e se não encontra suas presas naturais, vai buscar onde tem – a simples lógica da sobrevivência.
Mas talvez o caso mais trágico tenha sido das onças-pintadas encontradas – e mortas, na periferia de Corumbá, MT. Um casal com filhote juvenil utilizavam uma loca como abrigo na barranca do rio que beira a cidade. Antes que o IBAMA local e o CENAP fossem chamados, a infeliz tentativa da policia florestal de solucionar o problema causou a morte de um animal. Os técnicos então prepararam uma armadilha, e quando a outra onça estava para entrar, acidentalmente um policial disparou, quase atingindo o veterinário que esperava o momento certo para anestesiar. Depois de muitos esforços, conseguiram capturar a onça ferida, que veio a morrer por complicações cirúrgicas.
O filhote foi capturado e realocado em área natural. O alarmante desta história não está apenas nos procedimentos humanos, mas no fato de que até mesmo em Corumbá, considerada o ‘portal’ do Pantanal, esses felinos estão cada vez mais oprimidos pelas cidades. O fato é que a situação deste carnívoro, topo de cadeia alimentar, de importância vital para o equilíbrio natural das espécies, um dos animais mais imponentes e belos de nossos biomas (a emoção de encontrar uma onça em vida livre é algo que adjetivo nenhum pode descrever) têm minguado cada vez mais no peso do alicerce de um grande problema: o desmatamento. *
* terminei de escrever este texto às 9:30 h do dia 15/06. Ao meio-dia uma nova onça-parda foi capturada no telhado de uma casa, nos arredores de Ribeirão Preto, SP.
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