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Biocombustíveis: uma luz no fim do túnel?

No papel é tudo lindo, mas o biodiesel em larga escala vai pressionar o meio ambiente por mais áreas de plantio. Melhor seria mudar nossos hábitos de consumo.

7 de julho de 2006 · 18 anos atrás

Deu no Wall Street Journal, de 17 e 18 de junho. O etanol, nosso popular álcool, está sendo proposto como a grande tacada dos Estados Unidos no mundo das energias renováveis. Eles estão cada vez mais dependentes do petróleo do Oriente Médio, o que é grave, pois todo mundo conhece a instabilidade política dessa região. Isso acaba pesando no bolso dos consumidores porque o preço do petróleo nunca foi tão alto, obrigando novas atitudes na área energética.

Apesar de não assinarem o Protocolo de Kyoto, é impressionante como boa parte da comunidade verde na terra do Tio Sam abraçou a causa, incluindo parte dos governos locais (estaduais e municipais) e do setor empresarial, que, voluntariamente, estão adotando medidas de controle de suas emissões. Exemplo disso é a criação da Chicago Climate Exchange, especializada na comercialização de créditos de carbono. As “vedetes” nos negócios verdes nos EUA têm sido programas de biocombustíveis. Já existem algumas experiências de adição de etanol à gasolina funcionando e também fala-se bastante em biodiesel.

O etanol norte-americano é produzido principalmente a partir do milho e sua produção se concentra no Mid-West, exatamente onde está Chicago. Não é à toa que haja um súbito interesse pela experiência brasileira do carro a álcool, a ponto do artigo no Wall Street Journal começar de forma provocativa: “‘Be like Brasil’ have never been words to live by except perhaps in soccer or samba”.

Se for viável, essa solução irá permitir conciliar a insaciável demanda norte-americana por automóveis (basta ver o novo desenho da Disney, chamado simplesmente de… “Carros”) com a redução do consumo de combustíveis fósseis, causa principal do aquecimento global. Por isso, tanto interesse no que parece ser o assunto do momento, que acaba também entusiasmando terras tupiniquins. A revista Exame, de 21 de junho, traz na capa “Etanol: A nova riqueza do Brasil” e, de recheio, logo nas primeiras páginas, a matéria “Etanol. O Mundo quer. O Brasil tem”.

Pois bem, parece que nos deparamos aí com a nova era dos combustíveis, e desta vez a iniciativa privada está investindo pesado na nova promessa. Considerando que a produção do etanol tem tudo para ser promissora, também existe a sorte de problemas como o atendimento a essa demanda mundial pelo produto e o aumento do desmatamento (aliás, pouquíssimo falado em todas as abordagens). Mais do que nunca cabe voltar um pouco o filme, e entender quais foram as razões para que o Pró-Álcool tivesse sido considerado por um bom tempo um malfadado programa governamental. Será que o patinho feio agora virou cisne?

Pressão dos plantios

Um problema que certamente virá à tona é a esperada pressão por mais terras de cultivo para a produção dos biocombustíveis. Dentro do agronegócio convivem empresários com responsabilidade social junto com segmentos que podem ser incluídos no que tem de mais atrasado no capitalismo brasileiro. Atualmente o setor sucroalcooleiro é liderado por empresas modernas, mas cabe sempre a questão: uma elevação da demanda internacional por álcool poderá encher de novo a bola dos “velhos” senhores de engenho, cuja mentalidade pouco evoluiu em termos de compromissos sociais e ambientais?

Em uma conversa com Roberto Schaeffer, do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esses problemas ficaram claros. Uma simples conta ajuda a nos remeter à realidade. Se o Brasil tivesse a mesma frota de veículos dos EUA, que é de 180 milhões de carros, seria necessário expandir em 100% a área plantada no Brasil, só para o cultivo de cana. Ou seja, tudo seria transformado em canavial. Salta aos nossos olhos: inviável. Atualmente a frota mundial é de 750 milhões de veículos. No Brasil é de 20 milhões. Como atender toda essa demanda? Boa pergunta.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao biodiesel. No papel, tudo é lindo, mas até que ponto temos garantias de que a biomassa necessária para sua elaboração será obtida de forma sustentável? O biodiesel pode ser feito a partir da soja. Vamos lá. O Brasil é um dos maiores produtores de soja. Todo ano, são contabilizadas toneladas de soja excedente, e isso acaba reduzindo o preço e o lucro do sojeiro. Agora, se esse excedente for canalizado para o biodiesel, a safra passa a ter um comprador certo. O biodiesel não seria então uma solução para a pressão dos produtores de soja para escoar a sobra não comercializada de grãos?

Não podemos esquecer que tanto o etanol quanto o biodiesel não são obtidos por um passe de mágica. O processo de preparação da terra, plantio e colheita além do próprio processamento e distribuição do combustível envolvem consumo de diesel e emissão de poluentes. Não podemos aceitar trocar “seis por meia dúzia”.

Investimentos em hidrogênio

Na Califórnia, Arnold Schwarzenegger parece estar usando todos aqueles músculos tão úteis nos filmes hollywodianos em investimentos em células de hidrogênio. O estado americano tem 35 milhões de habitantes e 24 milhões de veículos consumindo 16,4 bilhões de barris de gasolina e diesel por ano! A Califórnia ainda tem cinco das top 10 cidades americanas com maior nível de poluição do ar. Um guia pequeno, mas recheado de informações sobre as pesquisas em hidrogênio na Califórnia – o California Hydrogen and Fuel Cell Guide – mostra essas preocupações do governo, estudos de caso de empresas como BMW, Ford, GM, Nissan, Toyota, Siemens, DaimlerChrysler, e muitas outras, empenhadas em tornar as células de combustível uma realidade. Porém, operações em larga escala com veículos movidos a hidrogênio – um “exterminador de emissões do futuro” – continuam na ficção científica.

Os principais problemas para esse tipo de energia continuam sendo a obtenção do hidrogênio e sua dificuldade de armazenamento, já que é um gás extremamente volátil. A forma convencional de obter hidrogênio é através da hidrólise, processo em que uma corrente elétrica separa a molécula de água em hidrogênio e oxigênio. Um programa em larga escala requer grande quantidade de energia para separar as moléculas, e pelo princípio da entropia acaba-se gastando mais energia útil (eletricidade) do que a que fica disponível para as células de combustível (hidrogênio). Voltamos a trocar “seis por meia dúzia”?

Os Estados Unidos têm motivo de sobra para se preocupar com a qualidade do ar, emissões de gases de efeito estufa, preço do combustível… Os perigos do aquecimento global estão tornando as coisas mais fáceis para o lado verde, sem dúvida. Mas, lá no fundo, todos nós sabemos que o barril de petróleo a 75 dólares é que torna essa onda mais surfável. Infelizmente é a regra da sociedade. Mas, felizmente, apertou no bolso e alargou nas alternativas.

Todas as energias alternativas e renováveis juntas não supririam as projeções de padrão de consumo mundial. A nossa grande tacada é que não devemos entrar numa busca incansável de um novo padrão de energia e sim mudar o nosso padrão de consumo. As tecnologias estão aí: tem a solar, a eólica, a geotérmica, a das ondas e das marés, a biomassa, o biogás, as pequenas centrais hidrelétricas. Agora, nos resta saber quanto cada um está disposto a pagar por isso.

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