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Sem florestas não tem acordo

O mecanismo REDD aparece no rascunho do acordo de Copenhague liberado no final da primeira semana de negociações. Sem queda generalizada no desmate, planeta esquentará mais de 2ºC.

Andreia Fanzeres ·
11 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás
 

A possibilidade de pela primeira vez a Convenção do Clima reconhecer a importância das florestas tropicais para reduzir os impactos do aquecimento global foi confirmada nesta sexta-feira, afastando o receio de que novamente este tema ficasse de fora. No texto preliminar resultado da primeira semana de negociações, o mecanismo de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) é citado como uma das maneiras de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, portanto merecedora de fundos promovidos pelos países de desenvolvidos e garantias para entrar em operação.

Para o pesquisador Richard Betts, diretor de impactos climáticos do Centro Hadley de Meteorologia do Reino Unido, isso é o mínimo que se pode esperar de negociadores ainda divididos entre admitir um limite máximo para elevação da temperatura de 1.5ºC ou 2ºC. Ele demonstrou que para que fiquemos abaixo dos 2ºC é imprescindível garantir uma queda expressiva no desmatamento global.

O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que a concentração de carbono equivalente (CO2e) – medida padrão para os gases de efeito estufa – precisa ficar estável na atmosfera entre 445 e 490 partes por milhão (ppm) para que a temperatura suba entre 2ºC e 2.4ºC, o que necessitaria uma redução de emissões em 2050 na ordem de 50% a 85% se comparadas aos níveis de 2000.

Pesquisador do Hadley Centre Richard Betts.
Pesquisador do Hadley Centre Richard Betts.

Segundo o pesquisador, a destruição das florestas tropicais aumenta entre 41 e 134 partes por milhão (ppm) a concentração de gás carbônico na atmosfera todos os anos, em média. Todos os outros gases de efeito estufa acrescentam ao ar 50ppm de CO2e ao ano. Em 2008, essa concentração já estava na casa dos 385ppm. O que Betts fez foi somar todas essas concentrações, chegando à conclusão que 476ppm superam o cenário para que a temperatura suba até os 2ºC.  “Quanto mais gás carbônico emitimos, mais prejudicamos a capacidade de absorção deste gás pelas próprias florestas tropicais. Então, ao destruí-las perdemos duas vezes”, diz o pesquisador. Estima-se que as florestas sejam capazes de absorver cerca de 17% do carbono da atmosfera.

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A boa notícia é que no que se refere aos mecanismos de pagamento por desmatamento evitado, o rascunho do acordo já cita o REDD plus, o que inclui a existência de salvaguardas na manutenção de biodiversidade, na área de obtenção de recursos financeiros, além de direitos de populações indígenas e comunidades locais assegurados. O texto sugerido pelo grupo de trabalho de aconselhamento tecnológico e científico (SBSTA) solicita ainda que os países em desenvolvimento identifiquem ações que resultem em redução de emissões e incremento na absorção de carbono pelo setor florestal. Também que desenvolvam sistemas transparentes de monitoramento de suas matas. Esses trechos, no entanto, ainda estão entre colchetes, o que indica que estes itens ainda não ganharam consenso das delegações envolvidas.

Mais cedo nesta semana, o embaixador brasileiro Luiz Figueiredo Machado, deixou claro em Copenhague que se mecanismos de REDD forem incluídos no acordo final da COP15, não haverá nenhum detalhamento sobre o assunto. Isso, para o pesquisador do Imazon Carlos Souza Jr, é suficiente por enquanto. “O que tem que constar no acordo de Copenhague é que os países reconheçam que o REDD pode ser uma das soluções para conter emissões provenientes de desmatamento”, considerou Souza Jr.

Para Laurent Micol, pesquisador do ICV, essa inclusão do REDD já poderá orientar possibilidades de investimentos iniciais. “Um acordo entre países vai ser mais difícil no curto prazo, mas é possível apenas com princípios básicos estimular projetos menores, entre estados por exemplo”, afirma Micol.

O Brasil, apesar de precisar melhorar e muito sua governança, já tem tecnologia para começar. De acordo com Carlos Souza Jr, um nível de incerteza no monitoramento das emissões de carbono na floresta hoje é de ordem de 15%, o que já é aceitável para a implantação das ações de REDD. “Também é possível construir estimativas históricas de desmatamento e degradação para áreas grandes”, ele lembra.

Armadilhas

Segundo membros do WWF, mecanismos de REDD são conhecidos e discutidos há pelo menos quatro anos, portanto já houve tempo suficiente para uma sofisticação nas discussões sobre este tema a fim de que o acordo de Copenhague seja ambicioso. “Não podemos nos contentar com uma mera citação do REDD no acordo, sem garantias de financiamento, à biodiversidade, aos direitos de comunidades indígenas”, diz Louis Leonard, diretor de assuntos climáticos da organização nos Estados Unidos. Como se viu no rascunho desta sexta-feira, essas salvaguardas foram pelo menos lembradas.

O temor é que algumas omissões se tornem verdadeiras armadilhas. Por exemplo, a definição de florestas até agora negociada inclui florestas plantadas para monocultura. “Não podemos olhar essa questão do ponto de vista apenas das emissões de carbono. O texto final deve conter uma menção explícita a garantias de que florestas nativas não poderão ser destruídas para que em seu lugar sejam colocadas outras cujo crescimento seja mais rápido para o seqüestro do carbono”, explica Emily Brickell, representante da área de clima e florestas da WWF Internacional.

Sem a garantia financeira de longo prazo também não há como sequer iniciar o processo de capacitação de instituições nos países em desenvolvimento para as primeiras ações relativas à redução do desmatamento, como monitoramento da floresta e estabelecimento das linhas de base nacionais, que servem como referências para o cálculo de emissões a serem reduzidas. “As organizações não governamentais recomendam pelo menos 42 bilhões de dólares por ano só na área de REDD para os países em desenvolvimento”, diz Brickell.

O diretor executivo da Coalização para Nações de Florestas Tropicais, Kevin Conrad, lembrou que se os mecanismos de remuneração não ficarem claros, corre-se o risco de premiar com recursos financeiros quem na verdade tira lucro de sua destruição. “Se você corta a floresta, se beneficia. Se muda de lugar e deixa de cortar, vai passar a poder receber por isso, e se resolve transformar a área aberta em plantação, ganhará novamente”, falou.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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