De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e divulgado em abril, mais de 7, 3 milhões de pessoas visitaram no ano passado as Unidades de Conservação federais, principalmente Parques Nacionais. Esse número é recorde. Representa um aumento de 13,9% em relação a 2013, e é o maior registrado desde 2007, ano em que o ICMBio foi criado e passou a ser o órgão responsável por fazer a gestão das unidades de conservação. O próprio Instituto, no entanto, reconhece que ainda existem falhas na contabilização do número de visitantes, que vão desde a subnotificação até à falta de controle do acesso.
Uma leitura atenta dos números computados pelo ICMBio mostra que ainda há muito a conquistar para que o uso público das UCs federais realize o seu potencial. Desde 2007 no topo da lista das Unidades mais visitadas, o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, e o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, têm sua frequência “bombada” por dois dos maiores ícones do turismo brasileiro: o Cristo Redentor e as Cataratas do Iguaçu. Em 2014, cerca de 3,1 milhões de pessoas passaram pelo parque carioca, enquanto 1,5 milhão visitaram o Parque do Iguaçu: “A tendência de se ter um número maior de visitantes naqueles pontos que são icônicos não acontece só no Brasil, é no mundo inteiro”, diz Sérgio Brant, diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio.O complemento do “top five” dos Parques Nacionais mais visitados em 2014 aponta para outros problemas. Terceiro colocado com mais de 400 mil visitantes (400.400), o Parque Nacional de Jericoacara, no Ceará, só começou a ter sua visitação contabilizada em 2013, quando registrou cem mil visitantes. O número redondo e o inexplicável aumento de visitantes em apenas um ano mostram que algo vai errado nessa tardia contagem. Já o quarto (Parque Nacional de Brasília, com 229 mil visitantes) e o quinto (Parque Nacional da Serra dos Órgãos, com 217,8 mil visitantes) colocados são Unidades com grande fluxo de pessoas devido a proximidade de centros urbanos ou grandes rodovias. Seus números parecem abaixo do que se percebe: “A subnotificação existe”, diz Brant.
Outros parques chamam a atenção por jamais terem passado nem perto da lista das dez UCs mais visitadas, embora sejam bastante conhecidos. É o caso do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, no Mato Grosso do Sul, que não teve registrada a entrada de um único visitante no ano passado e acumula apenas 306 visitantes desde 2012, quando passou a ter sua visitação contabilizada. Segundo o ICMBio, a falta de infraestrutura e pessoal atrapalha o controle sobre a visitação do parque.
Leia a seguir a íntegra da entrevista exclusiva de Sérgio Brant ao ((o))eco:
Na visão do ICMBio, quais foram as principais causas da quebra do recorde de visitações às UCs federais em 2014?
Se você observar a curva de crescimento, verá que ela tem mantido uma tendência semelhante há algum tempo. O ICMBio está há alguns anos trabalhando nessa linha de tentar estimular mais a visitação e de criar mais oportunidades de divulgação das Unidades de Conservação. Isso já vem acontecendo. Qualificar e melhorar a visitação é uma determinação do Instituto. Eu acho que isso já começou a se arraigar na sociedade como uma nova opção de turismo e lazer que vem acontecendo de forma regular ao longo dos anos.
O fato de 2014 ter sido ano de Copa do Mundo no Brasil foi determinante para a quebra do recorde de visitações às UCs federais?
O ICMBio se organizou minimamente para atender no período da Copa. Focamos principalmente em algumas Unidades mais próximas das sedes dos jogos e procuramos reforçar nosso staff. Em alguns locais houve realmente um incremento de visitação durante o período da Copa, sobretudo no Rio e em Foz do Iguaçu, mas não foi nada muito significativo. Há outros fatores que também influenciam a visitação. Houve um incremento significativo da visitação em alguns parques atrelado ao programa Globo Repórter, que tem falado sobre determinadas Unidades. Por causa daquela novela [Império], a visitação ao Parque Nacional do Monte Roraima cresceu de maneira quase incontrolável, foi muito grande a demanda. A mesma coisa aconteceu com Aparados da Serra e com a Chapada Diamantina, ambos depois de um Globo Repórter. Há eventos de divulgação específicos que sensibilizam as pessoas e geram uma demanda crescente para alguns locais.
Algum planejamento especial para as Olimpíadas de 2016?
A gente está planejando, sim, e trabalhando para poder melhorar a oferta de atrações e serviços nessas Unidades, principalmente no próprio Rio de Janeiro e áreas próximas. Vamos trabalhar com o Parque da Tijuca, com Serra dos Órgãos, com Itatiaia. Mas, também focando em outras áreas que poderão ser roteiros alternativos.
O número de visitantes às UCs federais continua alto em 2015? Existe a perspectiva de nova quebra de recorde?
Acho que a gente pode chegar a um resultado semelhante ou até melhor que em 2014.
Tijuca e Iguaçu, os dois parques mais visitados do Brasil abrigam o Cristo Redentor ou as Cataratas do Iguaçu, dois ícones do turismo nacional dois ícones do turismo? Existe algum programa que valorize outras áreas desses parques?
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A tendência de se ter um número maior de visitantes naqueles pontos que são icônicos não acontece só no Brasil, é no mundo inteiro. Em Yellowstone, por exemplo, todo mundo vai ver o Geiser World Festival, quem visita o Grand Canyon vai às vistas mais importantes, mas vai também a outros lugares. Todo mundo que vai ao Parque do Iguaçu vai às Cataratas, até porque a nossa via hoje de uso público inclui as Cataratas em todos os roteiros. Hoje, nós estamos trabalhando em alternativas, mas a gente não tem a menor expectativa de que o mesmo número de turistas que vai às Cataratas se desloque para outros locais. Mas, a ideia é diversificar as ofertas exatamente para que você tenha alternativas de roteiro. Têm pessoas que querem às vezes um tipo de visita diferente. Então, a gente está trabalhando nisso.
No caso da Tijuca, apesar de o Corcovado ser um ponto icônico, nos preocupa bastante melhorar o atendimento porque há muitas reclamações em relação às filas e condições de espera. Isso é uma coisa que nos incomoda muito, porque o que queremos é que o visitante seja bem tratado no parque que ele vai visitar. O Parque da Tijuca, além do Corcovado, tem ‘ene’ outras áreas muito legais, e a visitação nessas áreas também é bastante significativa. No ano passado, quando o Parque teve mais de três milhões de visitantes, 74% foram visitar o Cristo. Mas, foram apenas na Floresta da Tijuca mais de 400 mil pessoas. Somente na Pedra Bonita, mais de 70 mil, e na Vista Chinesa, mais de 270 mil. Há pontos importantes do Parque que são bem visitados.
Temos projeto para melhorar a estrutura no alto do Corcovado, mas é sempre difícil lidar com essas áreas que têm uma demanda muito grande. Nas Cataratas, a gente começa a falar em como limitar o número de visitantes em dias de muita demanda porque há dias de feriado ou férias em que você tem um nível de demanda absolutamente impossível de atender, por melhor que sejam o serviço e a estrutura.
Itatiaia ou Serra dos Órgãos, Parques Nacionais conhecidos, registram visitação que parece aquém do esperado. Identifica-se razão para isso? Há subnotificação do número de visitantes?
A subnotificação existe. Em Serra dos Órgãos temos um problema sério porque foi feita uma concessão para uma série de atividades de uso público, que inclui o controle de visitantes, e essa concessão tem dado bastante problema. Mas, ela está em fase de revisão e de mudança. Existia um total descontrole sobre essa questão de visitantes. O controle era precário e estamos trabalhando para corrigir isso agora.
No caso de Itatiaia, eu não sei exatamente. Às vezes, essa sensação de que tem menos gente pode ser em função do tipo de controle que é feito. Mas, no caso de Itatiaia, pode ser uma mera impressão de que tem mais gente do que parece. O Parque tem uma visitação bastante grande na parte baixa, onde existem ainda propriedades privadas e muita gente entra sem ser contabilizado como visitante. O controle fica difícil para nossa equipe porque existem sítios privados aonde as pessoas vão como visitantes, mas não são contabilizadas como tal. Como isso está em processo de solução, a tendência é que logo tenhamos números mais corretos.
Por que Parques Nacionais sabidamente muito visitados, como, por exemplo, Pantanal Matogrossense, praticamente não têm registros de visitantes?
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O controle estatístico no Pantanal é muito mais limitado. Existem várias portas de entrada sem um controle específico. O Pantanal não é um parque que tem muitos visitantes. O acesso é muito difícil, a área que a gente tem para recepção é muito limitada, então estamos trabalhando hoje para a ampliação do Parque Nacional. O Parque é praticamente todo água, há um aterro de um hectare onde a gente recebe os visitantes e desenvolve toda a nossa infraestrutura. Estamos trabalhando na incorporação de uma área de pastagem que é vizinha ao parque, uma área maravilhosa e com diversas possibilidades de uso público em termos de caminhada, em termos de observação da fauna, mais até do que na parte aquática do parque. Esse processo vai permitir que, aí sim, a gente tenha uma estrutura melhor.
O Pantanal é um local difícil de chegar porque não tem nenhuma infraestrutura no entorno. Você não tem onde se hospedar, onde se alimentar. A visitação no Parque Nacional do Pantanal hoje acontece muito de forma embarcada, mas com frequência não é o tipo de visitação que a gente quer, pois são grupos de pesca que saem de Corumbá. Então, na verdade, acaba havendo certo conflito de interesses, pois são visitantes que estão mais na expectativa de pescar do que de fazer qualquer outra coisa mais compatível com a Unidade.
A atual estrutura de visitação às unidades de conservação federais na Amazônia é considerada satisfatória? Se não, o que é mais urgente fazer para melhorar essa estrutura?
No caso da Amazônia, há uma série de problemas para serem resolvidos. Primeiro, o acesso. Segundo, a infraestrutura local, é onde temos menos gente. Terceiro, a própria infraestrutura regional para que as pessoas acessem os parques. Às vezes, você tem como receber o visitante na Unidade, mas não existe infraestrutura nas cidades do entorno, seja em termos de hospedagem, de alimentação ou de transporte. Isso dificulta.
Uma coisa que nós estamos fazendo de forma bastante intensa é treinamento de pessoal na área de uso público, e nosso foco tem sido muito na Amazônia, até para podermos ter mais pessoas qualificadas para lidar com esse assunto lá. Nós firmamos uma cooperação com o serviço florestal dos Estados Unidos e agora estamos conseguindo começar a trazer de volta para trabalhar aqui gente do serviço de parques nacionais dos EUA.
Temos feito um programa intensivo de treinamento em todas as áreas, para todos os tipos de servidores do ICMBio, seja das Unidades de Conservação, da área jurídica ou da área administrativa, para trabalhar naqueles processos que são importantes para que a gente consiga avançar com qualidade e velocidade nessa questão de oferta de serviço público para os visitantes. Estamos enviando profissionais ao exterior para serem treinados e trazendo profissionais de instituições do exterior para nos ajudar na formação de nosso pessoal. Estamos investindo bastante nisso.
Algum novo parque foi aberto para visitação em 2014? E em 2015?
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Essa história de abrir parque é errada porque na verdade não existe parque fechado. Tem parque que tem problema de invasão, conflito com índios, essas coisas. O que estamos tentando fazer nesses últimos tempos é qualificar a visitação, criar mais oportunidades, melhorar a infraestrutura para atender ao público. A questão da abertura é muito relativa porque todo parque recebe algum tipo de visitação. A gente não tem controle de visitação em todas as áreas. Por isso você não vê muito registro de visitação em Floresta Nacional, porque controlar visitante depende de você já ter uma estrutura estabelecida, ter uma porta de entrada única, ou mais de uma, e todas elas com staff permanente, o que nem sempre acontece em todas as áreas.
O ICMBio tem carência de pessoal e isso não é novidade para ninguém. É difícil, a gente tem procurado priorizar algumas áreas e começamos a concentrar mais pessoal nessas áreas para prestar um melhor serviço. Aquelas áreas que têm menos demanda, a gente deixa para uma etapa seguinte.
Os Estados Unidos receberam 282 milhões de visitantes em seus Parques Nacionais em 2014. Como o Brasil pode prosseguir para se aproximar desse patamar?
Em minha opinião, o número de visitantes nos parques brasileiros é bem maior do que as estatísticas. Exatamente por isso que a gente está conversando, pois existe uma contagem que ainda não é muito consistente. Os Estados Unidos, por exemplo, contabiliza o visitante que está de passagem. Imagine se a gente for contar como visitante todo mundo que transita pela Floresta da Tijuca… Essa estatística de visitação depende muito da maneira como você contabiliza esse número de pessoas. A nossa preocupação no ICMBio não é inflar esse número, entendeu? Nossa preocupação é que a gente ofereça um serviço melhor, mais qualificado e com mais opções para as pessoas realmente visitarem as áreas. E, com o tempo, essa questão de controle estatístico vai melhorar e a gente vai ter números mais reais que irão, inclusive, nos ajudar nesse processo de planejamento.
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Excelente matéria e é importante organizar e sistematizar de modo a ter métricas consistentes!