Resiliência é um termo emprestado da física que significa a capacidade de um corpo voltar ao seu estado natural depois de uma adversidade. Quando se fala em mudança climática, a palavra pode ser entendida como o quanto uma nação ou cidade está preparada para contornar as conseqüências trazidas pelo aquecimento global e se adaptar a elas. Atualmente, cidades de todo o mundo começam a despertar para o problema, mas as ações ainda são muito localizadas e dizem respeito a apenas alguns dos aspectos da mudança climática, segundo estudos de órgãos internacionais.
Documento divulgado pelo programa da Organização das Nações Unidas para a Habitação, a ONU – Habitat, durante o 5º Forum Urbano Mundial, mostra que, hoje, mais da metade da população mundial vive a menos de 60 quilômetros do mar e três quartos de todas as grandes cidades estão localizadas em região costeira, o que as torna particularmente vulneráveis aos eventos climáticos, como elevação do nível do mar, por exemplo.
Além disso, a ONU prospecta para as cidades um futuro em que as temperaturas elevadas afetarão a saúde humana e a produtividade das plantações, intensificarão eventos naturais, como inundações, incêndios florestais e ciclones, e impactarão diretamente as provisões de água, de serviços sanitários e energia. Por isso é tão importante estar preparado.
Lição asiática
A taxa de crescimento urbano na Indonésia é uma das maiores do globo: 3,3% ao ano, enquanto a média mundial é de 1,1% ao ano. Por ser formado por ilhas, o país está entre os primeiros a serem impactados pela elevação da temperatura da terra. Mesmo estando em uma região do globo com altos índices de pobreza, a cidade de Semarang, na Indonésia, colocou em prática, em 2009, um plano para se tornar resiliente. Ele consiste em três passos principais: 1) identificação dos envolvidos – governo local, setor privado e entidades não governamentais; 2)identificação dos principais problemas – inundações, erosões, deslizamento de terra e seca; 3) criação de times para desenvolvimento de projetos em cada uma dessas áreas.
O plano de Semarang, apresentado no Rio de Janeiro na última semana, mostrou que, a partir de uma estratégia bem montada, soluções simples podem resolver vários problemas. No caso da erosão da costa, a cidade investiu na introdução de espécies nativas e na construção de barreiras de contenção ao longo dos pontos mais críticos, por exemplo. “Podemos fazer muito, sem muito dinheiro”, garantiu Pak Gunawan Wicaksono, representante municipal, durante sua apresentação.
Para que o plano saísse do papel, Semarang teve de enfrentar desafios, como falta de acesso a oportunidades – física a economicamente falando – e trabalhar pesado na identificação de líderes locais, que atuariam na resistência e mudança de comportamento nas comunidades, além da conscientização das pessoas, principalmente as mais pobres. “Para superar esses desafios, trabalhamos sobre alguns pontos-chave, como o envolvimento dos atores nas cidades, acessibilidade de dados e informações e o envolvimento político”, disse Wicaksono. Semarang é uma das duas cidades da Indonésia – a outra é Bandar Lampung – que fazem parte da Rede de Cidades Asiáticas Resilientes às Mudanças Climáticas (ACCCRN, na sigla em inglês), apoiado pela Fundação Rockefeller.
Primeiros passos
A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (ECLAC, na sigla em inglês), das Nações Unidas, firmou com o Banco Mundial em dezembro passado acordo para produzir uma série de estudos sobre a economia das alterações climáticas em oito países sul-americanos – Brasil incluso. Além de analisar o impacto das mudanças climáticas na América do Sul e suas implicações para o meio ambiente, economia e sociedade, os estudos vão avaliar o alcance e valor financeiro das atividades de adaptação desenvolvidas em cada um dos países estudados, independente de acordos internacionais.
Resultados preliminares destes estudos, ainda inéditos, mostram que a América Latina e Caribe ainda dão os primeiros passos para se tornar resilientes. Segundo Ricardo Jordan, coordenador de Projetos de Gestão Urbana do ECLAC, os programas climáticos para a região ainda são muito pontuais e voltados para temas específicos – lixo, energia, transporte e setor industrial –. Falta uma visão integrada dos impactos e dos vários setores envolvidos para sua solução. “O processo apenas começou. O LAC [América Latina e Caribe] precisa investir mais em infraestrutura e precisa investir melhor. Nós ainda não abraçamos de verdade o problema”, disse Jordan a O Eco.
Relatório publicado em dezembro passado pelo ECLAC concluiu que América Latina e Caribe podem gastar até 137% de seu PIB regional em curso até 2100, caso as discussões internacionais não cheguem a um acordo para mitigar os efeitos das alterações climáticas e ações locais não sejam implementadas.
Para Fawad Khan, economista do Institute for Social and Environmental Transition no Paquistão, o investimento prévio em ações de adaptação e mitigação valem a pena, mesmo quando os valores são altos, já que as nações gastarão muito mais na reconstrução, depois de impactadas. No entanto, ele alerta que não adianta investir a partir de meras suposições do que pode acontecer. “O investimento tem que vir associado a estudos sobre quais podem ser os impactos e a intensidade deles”, disse.
No Brasil, algumas cidades já estão com forças-tarefa instaladas para esta adaptação, grande parte apoiada pela organização ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade. São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Santos são exemplos, mas, segundo Raquel Biderman, do Centro de Estudo em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, é necessário que o país invista mais em recursos financeiros e humanos para que o trabalho de mapeamento das vulnerabilidades seja efetivado no Plano Nacional de Mudança Climática.
Atalhos: –
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – ONU –
Institute for Social and Environmental Transition – ISET
ICLEI – Brasil
Rede de Cidades Asiáticas Resilientes às Mudanças Climáticas – Fundação Rockfeller
Leia também
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →
Governo lança plataforma de monitoramento ambiental da pecuária
AgroBrasil+Sustentável pretende reunir em um só lugar várias informações ambientais de produtores, até então esparsas em diferentes bases. Adesão é voluntária →