Reportagens

Deputados querem retirar Anvisa e Ibama da avaliação de agrotóxicos

O que você prefere: comer um alimento com agrotóxicos ou defensivos fitossanitários? A adoção do nome menos "depreciativo" é apenas uma das mudanças previstas no chamado PL do Veneno

Fernanda Wenzel ·
16 de maio de 2018 · 7 anos atrás
O Brasil é campeão no consumo de agrotóxico. Foto: Codevasf.

Nesta quarta-feira (15) deputados se reuniram em Brasília para tentar votar o parecer sobre o Projeto de Lei 6299, conhecido como o PL do Veneno. Enquanto isso, em Porto Alegre, especialistas e autoridades de órgãos de fiscalização ambiental discutiam os impactos dos pesticidas no meio ambiente. Para os participantes, o I Seminário Internacional de Fiscalização Ambiental de Agrotóxicos não poderia acontecer em momento mais oportuno. A pressão de órgãos de pesquisa, de defesa do meio ambiente e da sociedade civil – reforçada por uma manifestação da modelo Gisele Bündchen – se fez sentir no Congresso. Após mais de três horas obstruindo os trabalhos, parlamentares da oposição conseguiram adiar a votação do parecer até o dia 29, quando acontece a próxima reunião da comissão.

O PL 6299 foi protocolado em 2002 pelo então senador e atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT), primo de Eraí Maggi, o maior produtor individual de soja do mundo. O objetivo é substituir a Lei de Agrotóxicos, que desde 1989 serve de base para o registro, controle e fiscalização dos pesticidas no Brasil. O principal argumento da bancada ruralista é de que a atual legislação é defasada e excessivamente burocrática, dificultando o registro de novos produtos junto aos órgãos reguladores.

Para o procurador do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul, Marco Antônio Delfino de Almeida, o fato de a lei ser antiga não significa que ela não seja moderna. Segundo o procurador, a lei brasileira é tão avançada que acabou influenciando a mudança da legislação europeia, ocorrida em 2009: “E mais. Quando ela foi realizada em 1989, nós não tínhamos uma série de documentos que indicam claramente um nível de periculosidade e toxicidade dos agrotóxicos e o vínculo deles tanto com danos à saúde como ao ambiente, como temos hoje. Então não há como se promover um retrocesso na legislação quando justamente nós deveríamos adotar uma legislação que seja mais protetiva”. Delfino foi um dos palestrantes do Seminário promovido pelo Ibama, e uma das diversas vozes críticas ao projeto de lei.

Um novo nome para os agrotóxicos

O que você prefere: comer um alimento com agrotóxicos ou defensivos fitossanitários? A adoção de um nome menos “depreciativo” – nas palavras do relator Luiz Nishimori (PR-PR) – é apenas uma das mudanças previstas no Projeto de Lei 6299.

O projeto também centraliza o poder de registro de novos agrotóxicos no Ministério da Agricultura, no que Delfino descreve como uma “mistura de interesses econômicos com fiscalização”. Atualmente, essa responsabilidade é compartilhada com Ibama e Anvisa.

No que diz respeito ao registro de novos produtos, o PL também cria um Registro Temporário para aqueles agrotóxicos que não tiverem as solicitações avaliadas dentro dos prazos definidos pela nova lei. Nestes casos, o produtos serão automaticamente liberados, desde que estejam registrados para culturas similares em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).       

O deputado Luiz Nishimori (PR-PR) é o relator do projeto que muda a lei de agrotóxicos. Foto: Antonio Augusto/Câmara dos Deputados.

Mas para Delfino, o que mais impressiona na nova lei é o artigo que restringe a prática de crime a quem “produzir, armazenar, transportar, importar, utilizar ou comercializar” produtos “não registrados ou não autorizados”, ignorando a quantidade, o local e o modo de aplicação. “Ou seja, se eu passar com um avião [pulverizador de veneno] em cima de uma escola, desde que seja um agrotóxico permitido, tá ok? Os produtores rurais não são uma casta que deva receber qualquer tipo de privilégio só porque produzem e supostamente tem uma contribuição significativa para o superávit”, conclui o procurador.

Polêmica isola Ministério da Agricultura

O PL 6299 criou um racha dentro do governo Temer e isolou o Ministério da Agricultura (MAPA), único órgão que vem se manifestando a favor da nova legislação. Em nota enviada no dia 4 de maio ao jornal Estado de São Paulo, o MAPA afirmou que o texto vai permitir a modernização da legislação. O Ministério também defendeu a eliminação do termo “agrotóxico”, que no entender do órgão é “neologismo brasileiro, único no planeta”.

Do outro lado, estão Ibama e Anvisa, que já emitiram notas contrárias ao projeto de lei. A presidente do Ibama, Suely Araújo, concorda que a legislação pode sofrer modificações, mas acredita que as mudanças devem ser feitas pela simples articulação entre os órgãos ou por um decreto, sendo desnecessária uma nova lei.  Suely afirma que as divergências são saudáveis dentro de uma democracia, mas destacou o caráter técnico da posição do Ibama: “Eu acho importante que a sociedade saiba o que os técnicos do Ibama acham do processo e pressionem junto dos parlamentares para fazer aquilo que sociedade quer”.

A Fiocruz também emitiu nota de repúdio ao PL 6299. A instituição destacou que vem realizando pesquisas sobre os impactos negativos do uso de agrotóxicos, e classificou a nova lei como um “retrocesso que põe em risco a população, em especial grupos populacionais vulnerabilizados como mulheres grávidas, crianças e os trabalhadores envolvidos em atividades produtivas que dependem da produção ou uso desses biocidas”.

Brasil registra 8 casos de intoxicação por dia                 

Foto: Defesa Agropecuaria de São Paulo.

O Brasil é o líder mundial de uso de agrotóxicos, respondendo por um quinto de todo o veneno consumido no planeta. Além dos danos ambientais, o uso indiscriminado afeta diretamente a saúde da população, principalmente nas áreas rurais.

O Atlas dos Agrotóxicos, produzido pela pesquisadora do Departamento de Geografia da USP, Larissa Mies Bombardi, fez um levantamento e concluiu que 25 mil pessoas morreram no Brasil por contaminação por pesticidas entre 2007 e 2014 (período em que os dados foram disponibilizados pelo Ministério da Saúde). São 8 intoxicações por dia. Mas como a subnotificação é muito grande, a Fiocruz estima um total de 1 milhão 250 mil pessoas intoxicadas. Segundo o levantamento, os casos de intoxicação resultaram na morte de 1.186 pessoas, o equivalente a uma morte a cada dois dias e meio.

O Atlas foi desenvolvido durante o doutorado de Larissa, cursado em uma universidade da Escócia. Neste período, ela também pôde comparar o modo como Brasil e União Europeia lidam com a questão dos agrotóxicos. O que mais impressionou a pesquisadora é o risco a que estão submetidos os consumidores brasileiros: “O que mais me chocou foi a quantidade de resíduos que a gente permite no alimento e na água. Já é grave atingir a população rural, mas vulnerabiliza a população como um todo. Para piorar, a gente não tem fiscalização dos limites de resíduos no Brasil, nem nos alimentos nem na água”. A quantidade de glifosato (herbicida mais utilizado no Brasil) permitido na água potável no Brasil, por exemplo, é 5 mil vezes maior do que aquela permitida na União Europeia.

 

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  • Fernanda Wenzel

    Fernanda Wenzel é jornalista freelancer especializada em Amazônia e meio ambiente.

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Comentários 16

  1. MARTA METELLO JACOB diz:

    Muito boa matéria. Creio que deputados da Bancada Ruralista não poderiam, por questões de conflitos de interesse, ser relator e presidente da comissão que julga o assunto, pois são eleitos com financiamentos dos lobistas da Monsanto, Singenta , Bayer e outros gigantes mundiais. Se aprovado o PL vai piorar a saúde do brasileiro e enriquecer mais os grandes produtores que poderão escoar para o seu quintal do terceiro mundo toda a porcaria que a União Européia proíbe há anos como o famigerado PARAQUAT.


  2. Paulo Ramos diz:

    Já tiraram o T dos produtos transgênicos e derivados. Vão retirar as caveiras dos rótulos dos agrotóxicos que indicam o perigo de manuseá-los e apresentar outros termos, tais como, defensivos, fitossanitários. A enorme quantidade de agrotóxicos despejada sobre as lavouras brasileiras não é somente uma questão climática ou ecológica. Se trata mesmo do modelo adotado para a produção de commodities de soja, milho, algodão, cana de açúcar e algumas outras. Importante toda a pressão para barrar o projeto de lei que mais uma vez retira o IBAMA e ANVISA de suas obrigações institucionais de garantir a segurança para a saúde e meio ambiente. Afirmo retira mais uma vez o IBAMA e ANVISA, porque isto já aconteceu com a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que foi criada para aprovar todos os transgênicos de interesse das grandes agroquímicas. Monsanto, Bayer, Syngenta, Basf, Dow e Du Pont, as maiores vendedoras de agrotóxicos e transgênicos no mundo conseguem modificar leis, criar normas legais, usando os cientistas e políticos cooptados em cada país para atingirem seus objetivos de dominar a produção de commodities agrícolas. Alem de pressionar para impedir a aprovação dessa lei infame que deixará os brasileiros mais inseguros e mais envenenados, deveríamos pressionar, também, para a extinção da CTNBio e fazer voltar para o IBAMA e ANVISA a tarefa de avaliar os transgênicos e as novas biotecnologias, cada vez mais perigosas que estão emergindo, tal como a tecnologia CRISPR/Cas9 Reagentes Plamídeos para Expressão de RNA e Edição de Genes. Chamo a atenção para a necessária extinção da CTNBio pelo mesmo motivo que queremos agora barrar a expulsão da ANVISA e IBAMA dos processos de licenciamento de agrotóxicos. A CTNBio aprovando todos os transgênicos é responsável por tornar o Brasil o campeão mundial de consumo de agrotóxicos. Sem os transgênicos estaríamos talvez num outro patamar de envenenamento. Enfim, só vejo sentido em impedir a aprovação desta lei dos defensivos se no bojo da luta incluir também a extinção da CTNBio. Não há biossegurança no país!


  3. Leonardo Szigethy diz:

    Uma lei criada pela bancada ruralista que flexibiliza o controle frente aos agrotóxicos. Visivelmente tirando o IBAMA e a ANVISA do processo de avaliação dos agrotóxicos e passando ao MAPA (que é dominado pela bancada ruralista) é uma jogada descarada do agronegócio para liberarem agrotóxicos sem a segurança adequada. Concordo inteiramente com a presidente do IBAMA sobre a real modernização da legislação e não essa imposta pela bancada ruralista


  4. Fabio diz:

    Veneno e pesticidas são exatamente o termo correto. Querer usar termos como "defensivo" é daqueles joguinhos de palavras do Agro Tosco.
    Já que a ideia é simplificar as coisas, que tal agilizar as coisas e só aprovarmos para a comercialização os pesticidas os mesmos produtos que a União Européia autoriza e proibirmos os que eles vetam?
    Isso facilitaria muito a burocracia. Mas duvido que os agros topem. Afinal, eles proibiram por lá coisas que os toscos usam aos montes por aqui.


    1. Carlos Magalhães diz:

      Tosco é comparar países temperados, onde há neve, onde se tem somente uma safra anual, e a diversidade de pragas (plantas e insetos) é incomensuravelmente menor do que um país como o Brasil, com ciclos muitas vezes de três safras anuais e uma biodiversidade muito maior.


      1. Ebenezer diz:

        Pois é Carlos…o povo comenta com a "ecologia ideológica", e não com a "ecologia cientifica"…


  5. Mirosmar diz:

    "Veneno"… "pesticida"… lógico que a repórter também já deixou clara sua opinião sobre o assunto.


    1. Carlos Magalhães diz:

      Pois é. Triste e lamentável O ECO dar guarida a opiniões de gente tipo G. Bündchen sobre este (e outros) assuntos. Em qual capacidade? O que ela acrescenta ao tema?

      Em vez de ouvir só opiniões de manequins, políticos e procuradores, o jornal deveria ter ouvido alguns CIENTISTAS.

      E a frase "o fato de a lei ser antiga não significa que ela não seja moderna" é um primor. Pois é. Tá ruim mas tá bão.


      1. Mirosmar diz:

        Pois é sempre assim. Os artistas engajados não saem das bolhas e querem ditar o que o povo tem que pensar. E os jornalistas passando uma falsa imparcialidade só citam quem pensa igual. Mas se vc olhar o perfil da jornalista na internet vai entender o porquê.


        1. Carlos Magalhães diz:

          Obrigado, Mirosmar, mas não vou ver o perfil dela não. Não se ganha nada com isso.

          Temos mais o que fazer.


          1. Caros Carlos e Mirosmar,

            Vemos que vocês são leitores frequentes e agradecemos sua participação nos comentários. Dito isso, cabe criticar argumentos e informações de uma matéria, mas não o "perfil da jornalista". Ela pode ter a opinião que quiser fora do Oeco. Trabalham conosco pessoas de variadas inclinações, o que enriquece o site. O que nos importa é a qualidade do trabalho jornalístico.

            Neste caso, a matéria é equilibrada. Foram entrevistadas ou citadas uma variedade de fontes, contando políticos, procuradores e cientistas, e o texto foi produzido dentro de um evento técnico. Não pretendemos esgotar o assunto com essa reportagem e nossa inclinação será sempre a favor do meio ambiente e da saúde.
            Seria muito mais produtivo se vocês citassem argumentos não usados pelas várias fontes que possam enriquecer o debate. Atacar a repórter não é aceitável.

            Cordialmente, Eduardo Pegurier (editor)


          2. Carlos Magalhães diz:

            Realmente, Eduardo, eu me excedi nos comentários sobre o "perfil da jornalista" e me retrato.

            Vou me policiar mais doravante.


          3. Agradeço, Carlos, é altiva sua resposta.


          4. Mirosmar diz:

            Ok, Eduardo, não deveria ter falado do perfil da jornalista.


          5. Ombudsman grátis diz:

            Bem, se jornalistas se expõem na "rede MUNDIAL de computadores", tanto dentro e fora do "ambiente virtual profissional", devem estar abertos para receber comentários, sejam favoráveis ou contrários. E cabe sim questionar a alegada isenção político-partidária-ideológica, se isso eventualmente influir no resultado do jornalismo (não estou nem dizendo que esse é o caso concreto desta matéria). Nos EUA, como é sabido, os veículos de comunicação declaram abertamente seu viés (Ex: Fox é "direita-Republicana, CNN é "esquerda-Democrata"). Aqui no Brasil, muitos querem dar uma de isentos, mas mal escondem o viés. Não que seja um "problema" a maior parte do ambientalismo ser de esquerda, problema é tentar negar algo tão claro.


  6. Paulo diz: