O mergulho é uma das principais atividades turísticas em unidades de conservação marinhas, como os Parques Nacionais Marinhos de Fernando de Noronha (PE) e Abrolhos (BA). Para padronizar as diretrizes que regem a prática, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou no final de abril uma Instrução Normativa que estabelece os princípios e regras gerais para realização do mergulho nas unidades de conservação federais.
A Instrução Normativa (IN nº3/2020) estabelece procedimentos para a prática do mergulho e elabora orientações sobre como cada unidade de conservação (UC) deve planejar o desenvolvimento e ordenamento da atividade, em suas diferentes modalidades. Dessa forma, cada UC pode adequar esse planejamento de acordo com suas especificidades.
De acordo com o Diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio, Marcos de Castro Simanovic, anteriormente era necessário realizar o regramento de forma individualizada para cada unidade de conservação, o que exigia muito tempo e esforço. “Cada normatização gerava uma Portaria específica por unidade de conservação. O que percebemos com o tempo é que as regras eram comuns à atividade e que uma norma geral seria não apenas mais eficiente, mas também buscaria uma padronização para a atividade de mergulho nas unidades e geraria uma maior segurança e conforto ao visitante que saberia qual norma geral é aplicada no ICMBio”, explica Simanovic.
Para elaborar a Instrução Normativa, o ICMBio contou com a participação de associações, grupos representativos e praticantes das atividades, assim como operadores de turismo. A IN se apoiou também em normas internacionais, como as estabelecidas pela World Recreational Scuba Training Council, e nacionais, como as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e também no “Roteiro Metodológico para Manejo de Impactos da Visitação” que estabelece orientações para o planejamento e monitoramento das atividades, visando o mínimo impacto e a qualidade da visita e do ambiente.
“Mas vários métodos podem ser usados como os do Refúgio de Vida Silvestre Arquipélago de Alcatrazes e do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, que realizam a atividade com base no roteiro citado e noutras literaturas”, cita o diretor em referência aos instrumentos legais já desenvolvidos individualmente por essas duas unidades para regulamentação do mergulho.
Simanovic pontua ainda que acredita que a norma irá facilitar e melhorar a implementação do mergulho nas UCs: “A expectativa é que tenhamos um aumento com qualidade da atividade e, por consequência, aumento da qualidade da experiência do visitante. E em paralelo que a gente consiga estimular a prática da atividade em mais unidades de conservação e em mais pontos de mergulho. Sempre atendendo à normativa em consonância com os instrumentos de planejamento das unidades”.
A nova Instrução Normativa não traz novidades para as unidades que já regulamentaram a atividade, como o Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes, no litoral de São Paulo, que abriu as portas para o turismo – e para os mergulhadores – em dezembro de 2018. Desde então, já recebeu cerca de 2 mil visitantes, a maioria em busca da experiência do mergulho.
Dono de uma das operadoras de mergulho que atua na região há 13 anos, João Andreoli contou ao ((o))eco que “já começamos praticamente dentro dessa normativa. E nesse período de 1 ano e meio houve um período de adaptação, e fomos experimentando na prática as coisas e fazendo ajustes com a realidade de Alcatrazes”.
“Eles fizeram o monitoramento inicial antes da abertura da unidade para constatar como estava o ambiente marinho antes da visitação e agora estão acompanhando a visitação para ver como isso está se desenvolvendo. E em função do sucesso, podemos dizer assim, da visitação e da não-interferência do mergulhador no meio marinho, eles começaram a dar uma flexibilizada”, conta Andreoli.
Uma das mudanças foi com relação ao horário de funcionamento, que hoje já permite o mergulho noturno, que ocorre até às 21h, e o liveaboard (modalidade onde há pernoite na embarcação). “Quando iniciamos, a unidade ficava aberta só das 8h às 16h, as coisas foram sendo ajustadas na medida em que o próprio monitoramento foi sendo realizado e mostrou que havia espaço para flexibilização de algumas regras. Porque a gente está com a visitação e em paralelo tem um grupo de pesquisadores fazendo o monitoramento dos impactos desses visitantes”.
De acordo com a Instrução Normativa, para o desenvolvimento da atividade deverão ser consideradas a viabilidade da implantação e adequação das diferentes modalidades de mergulho, assim como a delimitação dos pontos de mergulho e o estabelecimento de regras específicas de acordo com o local e com a modalidade a ser praticada, como mergulho noturno, em cavernas, liveaboard ou outras. Também caberá à unidade de conservação definir o número de mergulhadores que cada condutor de visitante de mergulho poderá acompanhar.
Andreoli explica que em Alcatrazes esse limite é de 1 condutor para cada 4 mergulhadores e que os condutores são a maior garantia de que as normas serão cumpridas, pois eles passam por uma certificação específica pela unidade. “Um condutor já é um fiscal não só da operadora, mas também do ambiente marinho. Se a gente fugir às regras, a gente pode ser penalizado. E o próprio operador também é um fiscal do condutor, porque quanto melhor for o condutor e maior atenção ele der pro cliente, mais satisfeito sai o cliente. É um jogo de ganha-ganha ”, resume o operador da Universo Marinho.
No litoral da Bahia, Abrolhos já é um destino consolidado entre amantes de mergulho. Desde 2012 o parque marinho assumiu regras mais duras para atividade (Portaria ICMBio nº 138/2012). O operador Paulo Salomão, que trabalha em Abrolhos desde 1999, lembra que “nessa época tinha várias regras, mas ainda assim era meio zoneado. Por exemplo, no batismo [1º mergulho da pessoa] podiam descer até três pessoas com um só instrutor. Hoje é só uma pessoa por instrutor no batismo. Nos mergulhos normais também, antes um guia levava até 15 pessoas debaixo d’água, hoje cada condutor leva apenas 6. Quando diminui o número de pessoas debaixo d’água, o guia consegue observar melhor o que o cliente está fazendo para evitar que ele cause muito impacto como estar tocando num coral com a nadadeira sem querer, por exemplo”, conta o operador da Abrolhos Adventure. Hoje, a visitação em Abrolhos é regulamentada pela Portaria nº 29/2018, do ICMBio.
Em 2019, o Parque Nacional Marinho de Abrolhos recebeu 8.044 visitantes, 25% a mais que em 2018. Já os 5 pontos mais mergulhados do arquipélago somaram 6.880 mergulhos no ano passado.
“Um dos compromissos assumidos por cada condutor credenciado no Parque de Abrolhos, é o de fazer o possível para minimizar os impactos gerados durante a visita ao ambiente natural, em especial através da execução de boas práticas e de atitudes seguras durante os passeios, tanto para os visitantes quanto para os ambientes marinhos sensíveis e protegidos na UC, e o condutor eventualmente pode tentar inibir ou denunciar degradações”, explica o condutor Fábio Negrão, que atua há mais de 20 anos no Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Assim, cada condutor ajuda a multiplicar os olhos da fiscalização do parque.
“O parque realiza todos os anos, de forma gratuita, um período de treinamento de novos condutores de visitantes, bem como atualização para os já credenciados treinados em edições anteriores”, descreve Fábio.
Na profissão desde 1998, Fábio conta que o monitoramento da visitação no parque começa com os próprios condutores de mergulho, que reportam o número de visitantes e quaisquer acidentes que possam ter ocorrido no passeio. “Essas informações são cruzadas e analisadas pela equipe do parque e com outras linhas de monitoramento, como de saúde dos ambientes recifais”, explica.
Segundo Paulo, todos cumprem as regras porque “como nós temos esses encontros no ICMBio há anos, acho que já entrou na cabeça de todo mundo, todo guia e instrutor que opera em Abrolhos”. O operador reforça ainda que, mesmo fora do território das unidades de conservação, protegidos por lei, mantém os cuidados. “É a questão da educação, uma vez que a pessoa aprende, ela acaba aplicando isso para onde ela vai. Então mesmo quando estou fora da área protegida, eu passo as mesmas regras pro mergulho”.
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