Análises

Sensação do verão?

Revista anuncia: foie gras está na moda. Como pode? Ele foi abolido em vários países pela crueldade a que sujeitam os gansos. E não ter nada a ver com o verão.

Cynthia Howlett ·
25 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

“Ícone da alta gastronomia francesa, o foie gras invade os cardápios cariocas”, anunciou a revista Rio Show, suplemento do jornal O Globo, no dia 18 de novembro.

Não posso acreditar, o foie gras, a sensação do verão? Como pode???

Para os que ainda não sabem, o foie gras é a pura gordura do fígado do ganso ou do pato, obtida através do método da alimentação forçada. Um funil de mais de 40cm de comprimento é colocado güela abaixo do animal, empurrando uma quantidade absurda de comida (equivalente a 12,6kg de espaguetti para um ser humano) o que provoca uma distorção no corpo do animal. O fígado chega a aumentar para sete vezes o seu tamanho normal. Quanto maior o fígado, mais foie gras e obviamente mais lucro.

A partir do décimo-segundo dia, este processo é repetido de três em três horas, ou seja, oito vezes ao dia. No décimo-sétimo dia, sem conseguir mais se mexer nem respirar, o ganso morre. Tudo isso para apenas um aperitivo? Uma degustação? Nem sequer é um alimento de primeira necessidade. Vale a pena?

Agora pensando no homem, vamos ao que atinge mais diretamente o consumidor. Quem come foie gras consome em média, a cada 100g, 450 calorias e 180 mg de colesterol, sendo que 45% do alimento é pura gordura que vai diretamente para seu próprio fígado provocando um aumento no colesterol e contribuindo para muitos problemas de saúde.

A população brasileira tem um dos maiores índices de colesterol de todo o mundo. Esse dado foi comprovado em uma pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. O colesterol é responsável por quase 8% das mortes causadas por doenças não-transmissíveis, o que representa cerca de 4,5 milhões de pessoas. Segundo o cardiologista Miguel Moretti, diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, 75% do colesterol vem do fígado. Desse total, só 25% são absorvidos no intestino. De acordo com Moretti, as pessoas que apresentam altas taxas de colesterol têm mais risco de adquirir doenças cardiovasculares, responsável por 70% dos infartos no Brasil.

Como pode esse alimento ser a sensação do verão? Uma época de mais cuidados com a saúde, de praia e de calor? Época dos sucos, saladas, sorvetes de frutas… Isso chega a ser cafona! Nós consumidores precisamos estar mais atentos ao que consumimos. Doenças relacionadas à produção de alimentos industriais estão crescendo cada vez mais. Somos nós que ditamos as regras.

A França continua sendo a maior produtora de foie gras do mundo (cerca de 18.500 toneladas produzidas em 2004), responsável por 90% da produção mundial.

O sofrimento infligido aos animais é altamente condenável e muitos estão se juntando para defender sua proibição. No dia 15 de novembro, a atriz Brigitte Bardot convidou consumidores franceses a boicotar o alimento para as festas de final de ano, época que aumenta o consumo de foie gras.

Nos EUA, movimentos liderados por personalidades como Kim Basinger e Paul McCartney convenceram o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, a assinar no dia 30 de setembro de 2004 uma lei proibindo a venda de foie gras a partir do ano de 2012.

Países como Polônia, Áustria, Noruega, Alemanha e Dinamarca já proíbem o foie gras. Vamos fazer nossa parte e valorizar a nossa cultura, nossa própria gastronomia. Não acredito que nos dias atuais, com uma consciência mais voltada para o meio ambiente e a saúde, a presença de fois gras nos restaurantes seja sinônimo de sofisticação ao local. Muito pelo contrário, a imagem do restaurante perde muitos pontos.

Olivier(s), Roberta, Bronze, Quaresma… eu acredito que exista uma forma de conciliar requinte com saúde. Nós agradecemos.

Leia também

Colunas
24 de abril de 2024

O comprometimento do jornalismo ambiental brasileiro

A intensificação da crise climática e a valorização da subjetividade no campo jornalístico ressaltam o posicionamento na cobertura ambiental

Reportagens
23 de abril de 2024

COP3 de Escazú: Tratado socioambiental da América Latina é obra em construção

No aniversário de três anos do Acordo de Escazú, especialistas analisam status de sua implementação e desafios para proteger ativistas do meio ambiente

Salada Verde
23 de abril de 2024

Querem barrar as águas do ameaçado pato-mergulhão

Hidrelétricas são planejadas para principais rios onde vive o animal sob alto risco de extinção, na Chapada dos Veadeiros

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.