Análises

A conservação da natureza em cheque no Paraná

As riquezas naturais do Paraná são destruídas em ritmo acelerado. Pouco se faz para salvá-las e muito se promete com o discurso do desenvolvimento sustentável.

Clóvis Borges ·
6 de janeiro de 2006 · 18 anos atrás

As últimas áreas naturais do Paraná estão desaparecendo ou sendo irremediavelmente alteradas sem que a população perceba. O Estado vive uma crise histórica em relação à conservação de suas riquezas naturais, desprezadas sem ressentimentos e com engenhosa dissimulação.

Só não há maior clareza sobre a gravidade dos números de hoje por dois fatores: a manipulação flagrante de conceitos e estimativas e um lamentável grau de desinformação e conseqüente desinteresse da sociedade. É preciso que fique evidenciada a irresponsabilidade de todos nós por ignorarmos o fato de que as áreas naturais do Paraná e sua rica biodiversidade estão sendo trucidadas a cada dia, sem que haja uma mobilização efetiva em sentido contrário. Há placebos que entusiasmam os mais incautos. Um fazer de conta que precisa ser substituído, no curto prazo, por uma verdadeira política conservacionista, com visão e base técnico-científica, sem a influência de personalismos infundados e do controle de setores da economia que usurpam da sociedade o direito do uso racional da natureza, impondo a todos uma verdade construída a partir de vontades e interesses discutíveis.

Deveríamos, faz muito tempo, ter incorporado conceitos básicos sobre a importância da conservação da natureza e, sobretudo, assimilado como se faz conservação verdadeiramente. No entanto, todos os dias somos facilmente iludidos com um número imenso de iniciativas que não passam de engodos para permitir que o uso indevido do meio ambiente permaneça dominante. Para aliviar nossas consciências, um pouco reciclamos o lixo, um pouco mantemos o verde dos jardins. Ainda nos entusiasmamos com a exuberância da natureza de nossa terra, guardada, em grande parte, no folclore e na literatura de historiadores e cientistas dos séculos passados. Mas, em geral, estes esforços não representam a garantia de que áreas naturais estejam sendo mais ou melhor conservadas. Este refinamento está fora das agendas convencionais e ocorre na forma de exceção e não na prática.

Deveríamos ter afinado nosso senso de justiça e de bem comum, possibilitando um controle efetivo no uso do patrimônio natural dos paranaenses. Ao invés disto, continuam os discursos do desenvolvimento às custas da natureza, em palanques onde apenas os interesses individuais ou corporativos são respeitados. Pior, fala-se de uma nova conceituação de desenvolvimento, agora “sustentável”, com toda a impáfia da arrogância dos ignorantes, como se uma pintura cosmética em processos convencionais fosse suficiente para reverter o processo de exaustão da natureza. Raras são as iniciativas em que este conceito, considerado uns dos maiores desafios deste século, seja dignamente utilizado.

Deveríamos entender as questões ambientais como uma demanda social que influencia pesadamente todas as outras. Que nem todas as iniciativas conservacionistas revertem imediatamente em vantagens econômicas para as sociedades, mas que, no longo prazo, essas se transformarão em redutos de vida e de serviços ambientais, fundamentais à nossa própria sobrevivência. De forma reducionista, ao invés disto, estamos transformando a agenda da conservação em um cabide de iniciativas de cunho socioeconômico, agravando ainda mais a situação precária da atuação de instâncias públicas e privadas responsáveis pela conservação da biodiversidade, consideradas normalmente como de segunda categoria na hierarquia dos governos e da iniciativa privada e, portanto, destituídas de força política e orçamentos minimamente adequados.

Deveríamos estar comemorando a criação de novas Unidades de Conservação, promessa feita pelo Governo e não cumprida, graças à saga conservadora e retrógrada de nossos políticos e de boa parte do empresariado.

Deveríamos aplaudir programas de conservação de terras privadas, valorizando e garantindo apoio àqueles poucos proprietários de áreas ainda com trechos naturais bem conservados. Mas essas medidas são apenas iniciativas pioneiras que vêm ocorrendo aqui e ali, sendo ignoradas pelo poder público. O que se apresenta, em contrapartida, é um impasse só interessante aos que têm por objetivo dar seqüência à destruição das últimas frações de Floresta com Araucária e Campos Naturais do Estado, um aniquilamento contínuo que segue a extinção das florestas do Norte e Noroeste paranaenses, ocorrida algumas décadas atrás.

Há quem afirme que nosso Estado nunca esteve tão verde. Que nunca houve investimentos tão importantes na área ambiental e que nossa comunidade já agregou valores suficientes para incorporar questões ligadas à conservação, no seu dia-a-dia. Que, a despeito das crises mundiais que vêm ocorrendo, aqui está se construindo um cenário em que a natureza passa a fazer parte das prioridades da sociedade. Há quem comemore e exulte iniciativas pontuais, sem considerar, de forma responsável, o que vem ocorrendo em escala. Ou até, que governos, empresas e organizações cidadãs atuam de forma integrada na luta pela manutenção de nossas áreas naturais, o que de fato, está muito longe da realidade.

O Paraná verde de hoje e das projeções futuras é formado de soja e pinus, e isto não ajuda, nos padrões atuais, na conservação da natureza, que deveria ser respeitada como parte integrante e indissociável de quaisquer iniciativas econômicas ou de cunho social. Existem sim investimentos importantes sendo realizados com o carimbo da conservação da biodiversidade, mas a estratégia escolhida é facilmente contestável, ao se observar que, por exemplo, ao mesmo tempo em que se anuncia o plantio de milhões de árvores nativas, nossas últimas áreas naturais bem conservadas continuam a ser sistematicamente destruídas, sem a existência de instrumentos protetores que realmente funcionem, tendo-se em vista a gravidade da situação. Daí para frente, existem dezenas, centenas de procedimentos em curso que, para se transformar em ações efetivas, demandam a inclusão de conceitos e a exclusão de politicagens.

Estamos falando de biomas como a Floresta com Araucária e Campos Naturais, reduzidos à absurda cifra de menos de 1% de remanescentes naturais. Houvesse maior compromisso ético de empresas e governos, este ultrage estaria sendo levado mais a sério. Houvesse maior sensibilidade por parte de nossa sociedade, não estaríamos admitindo passivamente que instâncias com o poder de dar uma guinada nesta situação se escondessem da realidade de maneira tão cínica.

Não há como se alegar desconhecimento de causa, pois os dados técnicos são hoje fartos e indiscutíveis. Também existem exemplos de iniciativas que poderiam ajudar grandemente na perpetuação das últimas áreas bem conservadas ainda existentes – e que vem sendo destruídas dia a dia. O acordo entre proprietários e gestores públicos, com a intervenção de empresas para apoio financeiro, é a única possibilidade de salvação deste bioma, por ser um instrumento de resultado de curto prazo e que posiciona contrariamente ao padrão de desmate como solução final para as áreas naturais, incrustado na cultura de nosso povo.

Sendo otimistas e mantendo nossas esperanças acesas, a despeito da situação penosa vivida até 2005, vale a pena acreditar que nós paranaenses podemos mudar, fazendo deste Estado tão rico em diversidade um lugar onde a conservação da natureza acontece no discurso, e também na prática.

  • Clóvis Borges

    Diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

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