Análises

O etanol além da verdade oficial que nos vendem todos os dias

O Brasil se prepara para retornar ao ciclo da cana com a promessa de que o etanol será um grande negócio. O mais provável é que se perca recursos naturais em troca de nada.

André Rocha Ferretti · Miguel Milano ·
17 de julho de 2007 · 17 anos atrás

Em pauta, o etanol. Em termos energéticos e econômicos, o paradigma nacional do momento. Mas o que de fato, além de um possível e momentâneo bom negócio para poucos, pode representar para o país o possível embarque nacional na produção deste biocombustível?

Em artigo de opinião publicado na Folha de São Paulo, em 15/04/2007, Rogério Cezar de Cerqueira Leite comenta que só uma extrema eco-paranóia justificaria o temor de expulsão do cultivo de alimentos e fome desenfreada no Brasil por conta das perspectivas anunciadas de ampliação significativa da produção de etanol. O que o autor cita como eco-besteiras, no geral o são. Mas há muito mais que besteiras nos parcos questionamentos em pauta que chegam ao grande público.

O cerne da questão está, portanto, na ocupação das terras e nos riscos ambientais associados. Como bem sabemos, porque a história está aí para provar, nada (ou quase) nesta boa terra tupiniquim vai pela ordem lógica das coisas, do uso da boa técnica, ao pensamento de longo prazo ou à renda pelo efetivo trabalho. Começamos com a exportação de pau-brasil, seguimos com o ciclo da cana-de-açúcar, depois do ouro, do café, da soja, sempre produzindo matérias-primas para terceiros agregarem valor e enriquecer, arcando nós com os elevados custos sociais, ambientais e políticos decorrentes. Agora, pelo visto, voltaremos vitaminados ao antigo ciclo da cana-de-açúcar. No momento da humanidade em que é provado pela ciência que operamos um sistema insustentável para o planeta, agir sem a devida análise das conseqüências dos nossos atos não é apenas irresponsável, mas criminoso.

Tomemos o pró-álcool como exemplo. Se por um lado foi um sucesso tecnológico tanto no campo agrícola como no energético, por outro, foi um enorme desastre no campo ambiental. Menos pelo vinhoto (logo controlado) e pelas práticas agrícolas adotadas (sistematicamente atualizadas), mas sim pela expansão das fronteiras agrícolas canavieiras sobre os remanescentes florestais, especialmente da Mata Atlântica. Desde o século XVI, a cana ocupou um lugar de destaque na economia e também na destruição da natureza do País e agora, desponta como a grande estrela do mercado de biocombustíveis, devendo desbancar a soja e o gado como os grandes vilões atuais da destruição ambiental, em particular dos cerrados e da Amazônia.

Isso tudo sem contar a baixa qualidade de vida das populações (pobres, é claro) envolvidas neste negócio. Sabemos todos que há tecnologia para o corte mecanizado da cana, evitando-se que este seja feito por braços humanos. Especialistas sinalizaram que um trabalhador deste ramo tem cerca de 15 anos de “vida útil”, dez a menos que um escravo tinha à época da abolição, que era de cerca de 25 anos. E o que acontece depois? A sociedade, por meio de suas contribuições previdenciárias e impostos, paga a conta que hoje ajuda a enriquecer senhores de engenho, recentemente chamados de heróis nacionais pelo nosso Presidente da República. Porém os que fazem destes empregos de baixa qualidade um bom negócio, os justificam como forma de evitar mais desemprego.

Voltando à questão ambiental, todos os biomas brasileiros sofrem com a busca de crescimento econômico a qualquer custo e com o sistemático descumprimento das leis ambientais, propagadas como vilãs que emperram o desenvolvimento do país. Em todas as regiões do Brasil, avança a fronteira agropecuária, aumenta a pressão por recursos naturais e por espaços urbanos, multiplicam-se as formas de diminuir as áreas protegidas. Atualmente o Brasil é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa e _ das emissões nacionais são provenientes de desmatamentos, queimadas e outras formas de uso e mudança de uso do solo. A maior e mais prática contribuição que o Brasil pode dar para reduzir os problemas do aquecimento global e das mudanças climáticas é proteger suas áreas naturais contra a destruição. É necessário compreender que a maior ousadia que se pode ter, neste momento, é buscar e usar formas concretas de proteção à natureza, de modo que se permita a perpetuação da vida e uma perspectiva de futuro para todas as espécies.

Ao invés de exportar nossos recursos naturais ao custo da biodiversidade e da qualidade de vida da população brasileira, o país precisa se desenvolver investindo em educação e tecnologia. Biocombustíveis são um paliativo para hoje e talvez para mais alguns anos. Mas se queremos ser protagonistas globais, precisamos investir em tecnologias para a geração e o uso de energias limpas e com futuro. Desde a descoberta do fogo, a civilização humana desenvolveu-se basicamente através da energia do carbono, seja por biomassa vegetal ou por combustíveis fósseis. Esse modelo de desenvolvimento contribuiu enormemente para a intensificação do efeito estufa, o aquecimento global e as mudanças climáticas. Precisamos mudar de mentalidade e buscar um novo paradigma. E neste, biodiversidade e biotecnologia têm lugar certo, ativos nos quais estamos bem. Só não podemos jogar mais esta chance pelo ralo (do esgoto tradicionalmente não tratado) do país. Não podemos persistir no velho erro de depender de monoculturas e commodities, para fins energéticos ou outros quaisquer. Precisamos conservar nossos recursos naturais, cada vez mais escassos no mundo e estratégicos para o nosso próprio futuro, e exportar conhecimento, tecnologia, ciência e serviços ambientais – isto sim agrega valor e traz perspectivas aos nossos concidadãos.

  • André Rocha Ferretti

    Engenheiro Florestal, MSc., Analista de Projetos da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. Membro da coordenação do “Ob...

  • Miguel Milano

    Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciências Florestais. Especialista em sustentabilidade, foi professor da UFPR e profe...

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