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O melhor trunfo do MST não fala

Fica no Pontal do Paranapanema, front dos conflitos fundiários, o exemplo mais convincente do que a reforma agrária pode fazer pela conservação da natureza.

17 de agosto de 2007 · 17 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Se os líderes do MST não gostassem tanto de ouvir a música de suas próprias vozes recitando os slogans do movimento, usariam como propaganda da reforma agrária a paisagem que o biólogo Laury Cullen vai descrevendo com o mínimo de palavras, enquanto roda pelo labirinto de estradas rurais no Pontal do Paranapanema.

É um lugar que, há menos de um século, os mapas do estado de São Paulo ainda apontavam como terra incógnita. Teodoro Sampaio, a sede do município, leva o nome do engenheiro que explorou aqueles sertões remotos lá pelo fim do Segundo Reinado, quando a civilização mal havia roçado o cotidiano caingangue. Suas florestas resistiram mais ou menos intactas até a década de 40, como uma vasta reserva estadual, que o governo Adhemar de Barros deixou grilar, nos anos 50. Diz a lenda que foi para abastecer com a fuligem de madeira nativa os cofres de sua campanha gorada à presidência da República.

Os sem-reserva

O saldo da conquista predatória perpetuou-se numa insolúvel barafunda fundiária, espetando na informalidade jurídica imensas fazendas rasgadas na mata sem título de propriedade e com ostensivo desprezo pelo Código Florestal. Sua força vem do gado, que nesta época do ano salpica os pastos côr de palha com o branco quase imóvel dos bois de corte e atravanca as ruas de Teodoro Sampaio com a procissão de carretas mecânicas a caminho do matadouro.

Foi por conta da grilagem original que os sem-terra puseram o Pontal no front da reforma agrária. Mas nem tudo ali se pode chamar de latifúndio improdutivo.Há colinas plantadas com capim em curvas de nível praticamente ao lado de charrascais invadidos pelo cupim, onde os troncos de ipês desfolhados, mas renitentes, exibem as cicatrizes das queimadas.

Em comum, além do passado meio inconfessável, os bons e maus pioneiros do agronegócio local têm a penúria de árvores. E não é à-toa. As fazenda são todas filhas do mesmo processo de desmatamento, feito às pressas, para criar o fato consumado da devastação irreversível. Qualquer forasteiro pode constatar a olho nu que praticamente ninguém ali está em dia com suas cotas de proteção permanente e reservas legais.

Corredores de fauna

É onde entra o trabalho de Cullen. O biólogo chegou a Teodoro Sampaio há mais ou menos vinte anos, como pesquisador no Morro do Diabo, último retalho do parque ainda nas mãos do governo e da fauna nativa. Sobraram cerca de trinta mil hectares, cercados de arame farpado por todos os lados e cortados por uma rodovia, onde os animais morriam atropelados, ao passar de um lado a outro do terreno que, em princípio, era tudo deles. Mas tem 800 micos-leões-pretos, uma espécie que, durante muito tempo foi dada por extinta. E abriga uma população de onças que, por falta de opções na vizinhança, não pára de aumentar, pela imigração dos felinos expulsos da vizinhança.

Cullen está no Pontal por conta dos animais. Mas, para não perdê-los de uma vez por todas, trabalhando no Instituto de Pesquisas Ecológicas, aprendeu a lidar com os fatores humanos. Convenceu fazendeiros a abrir espaço em suas terras para os bichos que transitam entre o Morro do Diabo e os pequenos fragmentos florestais da borda do Paranapanema, plantando corredores de árvores nos campos nus. Fez mais. Fechou com assentados, que antes só conheciam o parque como campo de caça clandestina, um pacto de não-agressão que rendeu, entre outros efeitos, 22 viveiros de mudas cultivados pelos sem-terra. Atualmente, quando os fazendeiros precisam de árvores, compram nos assentamentos.

Medida pela produção agrícola, a reforma agrária no Pontal não chega a ser um sucesso incontroverso. Não são raros os assentados arrendam até a metade de seus lotes aos fazendeiros, trocando o risco da lavoura pela renda certa. Nas portas de Teodoro Sampaio, as instalações da Cocamp, uma cooperativa que o governo Fernando Henrique inundou de dinheiro e depois crivou do inquéritos por malversação dos investimentos, funciona notoriamente a meia bomba, com uma fábrica de laticínios enguiçada e grandes silos que a produção local não dá conta de suprir.

Cullen trata de não tomar partido na política explosiva do lugar. Mas bastam alguns quilômetros de estrada para aprender que, vendo, que a profusão de sítios com casas sombreadas por árvores frutíferas faz uma evidente diferença, para quem vive da natureza ou para conservar a natureza. Eles muitas vezes estão a meio caminho do roteiro previsto no Mapa dos Sonhos, o modelo de ocupação agrícola que ele traçou para o Pontal do futuro.

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