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Muita ignorância?

A queda de restrições ao crédito para desmatadores na zona de transição entre Amazônia e Cerrado mostra uma profunda ignorância do governo Lula. Ou será pragmatismo?

2 de junho de 2008 · 16 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

As últimas medidas governamentais sobre o que pretendem autorizar ou não, planejar ou não, fazer ou não na Amazônia, refletem uma profunda ignorância básica sobre biomas, biodiversidade, regeneração e recuperação, que só podem engolir os leigos no assunto. E engolem porque tudo é travestido de boas intenções para desenvolver “sustentavelmente” a região, enquanto a realidade, incluídas as verdadeiras intenções, ficam de lado e os problemas continuam a bailar por aí.

Qualquer estudante de biologia e/ou de ciências afins sabe que as zonas ecotonais- zonas de transição- como costumam usar as autoridades- entre dois biomas, no caso Amazônia e Cerrado são muito ricas porque abrigam espécies típicas dos dois biomas e muitas vezes endemismos. No caso de ecótonos sul amazônicos, que abarcam: sul do Pará, sudeste do Amazonas, norte de Mato Grosso, partes do leste de Rondônia e oeste do Tocantins foram registrados endemismos até de primatas, segundo estudos da CI. Os ecótonos são sempre considerados prioritários no desenho de unidades de conservação, ou áreas protegidas, exatamente por isso: são as áreas que apresentam mais diversidade. Mas, é exatamente nas áreas entre os dois maiores biomas do Brasil: Amazônia e Cerrado que se alteram as regras da aplicação da resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), que irá restringir a partir de 1° de julho a concessão de créditos agrícolas para quem não esteja cumprindo com as leis e normas ambientais.

Assim, de acordo com o Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, nem todas as propriedades situadas no interior do bioma amazônico serão atingidas ou punidas, pois não são florestas e sim cerrado, ou áreas de transição. A restrição só será aplicada para aquelas áreas que ficam na floresta. Assim ele explica que, em vários municípios, onde parte de suas áreas estão dentro do bioma amazônico e outra parte no bioma do cerrado e “área de transição”, ou seja, ecótono, não estão, segundo ele, no bioma da Amazônia, poderão, portanto receber financiamentos governamentais.

Carece de ciência e, pior, atenta contra a ciência, a explicação propositadamente pragmática do Ministro. Está bem que esta seja a argumentação do Ministro Extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, pois ele é declaradamente um desenvolvimentista. Não pretende, nem quer entender de Amazônia e nem tampouco de biodiversidade. No entanto, o Ministro de Meio Ambiente, se não entende, que parece não ser o caso, deveria ouvir cientistas ou assessores gabaritados e defender o que deve ser defendido e não aquilo que apraz aos promotores do desenvolvimento a qualquer custo. Para informação destes ministros a Amazônia possui muitas áreas de enclaves savânicos dentro da floresta densa e isso, de jeito nenhum, cientifica, legal ou eticamente, permite que essas áreas deixem de ser consideradas Amazônia. Mais ainda, os enclaves savânicos constam em qualquer estudo de proteção na Amazônia, como de mais alta prioridade. Mas, como essa interpretação tão distorcida é útil aos promotores do desmatamento, no frigir dos ovos dos 577 municípios da Amazônia, parece que já foi decidido que 93 devem ficar fora da resolução do CMN.

Isto se Blairo Maggi e outros governadores não conseguirem mais sucesso no seu afã de ocupar tudo, absolutamente tudo, com agricultura ou pecuária. No estado de Mato Grosso, segundo o excelente artigo publicado na revista Ciência Hoje da SBPC: “Desmatamento em Mato Grosso, até quando?” de autoria de Daniel Assumpção Ferreira do INPA e outros, a continuar a mesma tendência de desmatamento, no estado campeão do mesmo, em 2020 restariam menos de 23% de sua cobertura vegetal.

Outro triste anúncio leviano é que se vai aplicar 1 bilhão de reais para recompor as reservas legais previstas em lei. Para se recompor ambientes devastados onde chove bem, como é o caso da Amazônia, não se deve gastar com plantios, mudas, viveiros, adubos ou outros insumos. Basta, na maioria das vezes, deixarmos a natureza agir, que a cobertura florestal voltará. O país está cheio de exemplos onde bastou não se permitir fogo, ou pastoreio para que a floresta voltasse. Talvez um exemplo bem emblemático seja os dos 14.000 hectares que foram ocupados com agricultura, no interior do Parque Nacional de Foz do Iguaçu. Após alguns anos da retirada dos posseiros e pequenos proprietários, a mata voltou, sem nenhuma intervenção humana, a tal ponto que quem hoje vai visitar o local sequer se dá conta que há tempos era uma área de agricultura.

Tampouco o proprietário rural precisa gastar muito para ter suas áreas de preservação permanente e de reserva legal regularizadas. É só evitar seu uso agrícola ou pecuário e não deixar o fogo entrar, que paulatinamente a vegetação volta. Outro exemplo muito bom é o das ilhas do reservatório da CESP em Paraibuna. Muitas ilhas formadas e já devastadas foram palco da reconstituição natural da cobertura vegetal. São tantas as situações e exemplos que temos de parar por aqui. Porém, um na área urbana, bem evidente é o do entorno da Lagoa da Conceição na cidade de Florianópolis, que na década de 1960, tinha muito menos vegetação que hoje em dia: é só ver as fotos de então. E não houve recomposição feita pelo homem. É bom que se diga que uma área recomposta ou regenerada levará quiçá séculos para ser como uma área prístina, mas pode imitá-la muito bem, e fornecer rapidamente os serviços ambientais de que tanto precisamos.

O Ministro do Meio Ambiente disse mais, segundo noticiado na imprensa: que o zoneamento agro ecológico estará efetivado até 2009. Ou seja, o Ministro anuncia essa ação como algo desejável e muito positivo. A meu ver zoneamento não serve para nada, exceto para dar oportunidade de bons negócios a empresas de consultoria. O Brasil, com grande gasto de recursos públicos, fez zoneamento desde os anos 1980, como em Rondônia, por exemplo, e isso sem nenhum resultado positivo duradouro. Neste caso, a justificativa vai ser de outorgar a faculdade legal de se explorar 50% das propriedades rurais da Amazônia, ao invés de apenas 20%, conforme determina a legislação em vigor (MP 1.956). Com efeito, a mesma norma legal que fala do zoneamento faculta que se explore até 50% de cada propriedade, sempre quando o zoneamento esteja concluído e aprovado. Então vamos zonear para agradar aos promotores da agropecuária no bioma. Esta parece ser a grande vontade dos políticos responsáveis do meio ambiente do governo atual para o nosso futuro.

A afirmação nacionalista do Senhor Presidente da República que muitos países que “sequer possuem uma árvore em pé”, querem nos ensinar a proteger a Amazônia que é “nossa e tem dono”, carece de comprovação estatística. Ora, Senhor Presidente, a maioria dos países do primeiro mundo não só tem “uma árvore em pé”, mas tem muito mais de 40, 50 e até 60% de sua extensão territorial com cobertura florestal, nem sempre nativa é verdade. É o caso do Japão, França, Canadá, etc., etc. e até mesmo países do terceiro mundo, como disse bem Marcos Sá Correa em sua coluna “A boa e velha malversação de hegemonia” ora no ar no Oeco, como a Venezuela, têm aproximadamente 50% de seu território com áreas protegidas e cobertas com vegetação natural.

Nossos reais problemas ambientais, com a conseqüente destruição de nossos biomas, em especial da Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado, e agora da Amazônia, passam e passaram por verdades tristes: a completa falta de seriedade e disciplina no cumprimento da legislação em vigor; falta de cidadania de empresários, que só querem saber de lucros fáceis e imediatos, com honrosas exceções; além da complacência de nossos políticos e de dirigentes. Todos estes empresários e políticos preferem sacrificar até o futuro de seus próprios filhos, sem falar do dos cidadãos deste país, em troca de ganância fácil hoje.

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